Mercado vegano em expansão

Mercado vegano em expansão

Por Daniela Maciel

Muito mais do que um conjunto de hábitos de alimentação, o veganismo é uma filosofia de vida que tem práticas cotidianas bem definidas e capazes de movimentar diferentes setores da economia. Eles oferecem produtos e serviços para um público exigente, com poder de compra e em franco desenvolvimento no mundo todo, inclusive no Brasil.

Segundo uma pesquisa realizada pela SkyQuest, o mercado global de alimentos veganos deve ultrapassar US$ 34 bilhões até 2028 por conta da conscientização de consumidores sobre o sofrimento e as condições de bem-estar de animais na indústria pecuária. Considerando que o mercado vegano valia US$ 15,6 bilhões em 2021, as previsões para 2028 representam um aumento de 118%, ou seja, estima-se que ele será capaz de mais do que dobrar de tamanho.

“O mercado de alimentos veganos tem tido um crescimento significativo nos últimos anos. Cada vez mais, os consumidores têm optado por opções vegetais, motivados por uma variedade de fatores, incluindo as preocupações sobre a saúde, o meio ambiente e o bem-estar animal. É muito animador ver novos produtos e inovações que facilitam a adoção de um estilo de vida vegano”, diz Taís Toledo, diretora de políticas alimentares da Sinergia Animal, uma organização internacional de proteção animal que trabalha para promover a alimentação vegetal em países do Sul Global.

Na América do Sul, o crescimento do mercado de alimentos veganos deve ser ainda maior, com um aumento de 11,45% previsto até 2028.

No Brasil, em 2018, segundo o Ibope, 14% da população se declaravam vegetarianos. Já em 2021, de acordo com pesquisa do Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), 46% dos brasileiros já deixaram de comer carne, por vontade própria, pelo menos uma vez por semana.

Em Minas Gerais, estado em que a tradição gastronômica tem pilares muito fortes no consumo de produtos como carne de porco, laticínios – principalmente o queijo – e carne de frango, o veganismo também cresce e exige a adaptação de pratos e esforço e capacitação de profissionais e empresas que enxergam nesse filão a oportunidade de novos e rentáveis negócios.

Chef vegana

chef de cozinha Carol Carvalho hoje se dedica a formar cozinheiros veganos. Como boa parte dos empreendedores do setor, ela começou para atender a própria necessidade quando estava no início do processo para se tornar vegana, há oito anos. Aos poucos ela percebeu que as suas dificuldades eram as mesmas de outros veganos e começou a fazer marmitas. O negócio evoluiu para um restaurante, que foi fechado durante a pandemia.

“Quando comecei quase não se falava sobre veganismo no Brasil. Fui pra cozinha porque não achava os produtos. O que buscamos hoje é que as comidas se pareçam com as tradicionais. Qualquer ‘prato’ pode ser vegano, existem vários métodos culinários. A alga, por exemplo, pode substituir o peixe porque tem sabor de mar, por exemplo. No restaurante eu fazia muito feijão tropeiro e feijoada, por exemplo. A percepção que tenho é que as pessoas tomaram mais consciência dessa alimentação durante a pandemia. A maioria que procura não é nem vegana. São pessoas curiosas ou com a necessidade de alguma adaptação para atender questões de saúde, como alguma intolerância ou alergia. Também tem a questão da sustentabilidade. O veganismo busca explorar o menos possível a natureza”, explica Carol Carvalho.

Atualmente, à frente do site www.cursosdofuturo.com.br, ela tem alunos até fora do Brasil e vários já estão empreendendo em negócios totalmente veganos ou incrementando o cardápio de restaurantes e outros estabelecimentos com opções de comida sem insumos de origem animal.

“Tenho alunos brasileiros que moram nos Estados Unidos, Europa e até no Japão. Boa parte tem uma história como a minha e está buscando uma solução para a dificuldade de achar produtos de qualidade e com preço acessível. Entre os que passaram por mim, vários já se lançaram em negócios locais e outros levando opções para suas empresas ou para as empresas nas quais trabalham. Tem, inclusive, quem não é vegano, mas viu nesse nicho uma oportunidade de desenvolver o próprio negócio”, destaca a chef de cozinha.

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Procura por food services veganos também está em expansão | Crédito: Divulgação

Setor de cosméticos tem forte representatividade

Embora a alimentação seja a face mais visível, a força do mercado vegano está distribuída em diferentes setores. Segundo dados do antigo Ministério da Economia, levantados a pedido da CNN Brasil no início do ano passado, em dez anos o número de empresas abertas com o termo “vegano” (e suas variações) no nome cresceu mais de 500%.

Talvez o segundo segmento mais forte entre os veganos seja o de cosméticos. Marcas globais investem milhões no desenvolvimento de produtos sem insumos animais e em técnicas de testagem que não incluam animais. Mas, como na maioria das atividades econômicas, o maior volume e a grande força de transformação estão nas pequenas empresas e empreendedores artesanais e individuais.

Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a bióloga Carolina Rosa fundou e gerencia sozinha a Gravetos de Cheiro há quatro anos. Tudo começou quando ela cursava o mestrado em Conservação Ambiental, em São Paulo, e não conseguia mais conciliar as atividades profissionais com a acadêmica. A solução era empreender.

“No mestrado conheci a área de negócios sustentáveis e que era possível trabalhar as matérias-primas de forma a gerar um impacto ambiental e social positivo. Em 2018 conheci a cosmética e a saboaria natural. Veio uma vontade de mudar meus próprios hábitos de consumo e resolvi empreender na área. Quando fiz o curso, optei pelos veganos porque havia uma demanda. Hoje tenho clientes veganos e muitos outros que não são, mas que buscam por uma alternativa mais sustentável”, afirma Carolina Rosa.

Com clientes fiéis e depois de ter sido obrigada a mudar o nome da empresa, ela já conseguiu o registro junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e se prepara para montar a sua primeira equipe e mudar a produção para um espaço maior e exclusivo. Além da internet, o principal canal de vendas são as feiras veganas.

“Hoje a produção é em pequena escala. Faço de tudo, da compra de matéria-prima à divulgação. Existe a vontade de crescer, ter um lugar maior. Já deixei de atender algumas demandas por falta de capacidade de produção. Infelizmente o veganismo ainda não é para todos. Existem barreiras do preço e do acesso à informação. Por isso a produção local é tão importante. Temos o papel de chegar às pessoas e promover um comércio justo”, destaca a bióloga.

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Rosa: vamos mudar a produção para um espaço maior | Crédito: Divulgação

Um passo mais adiantado está a  Âmbar Biocosméticos. Sediada na Capital, tem uma linha própria de produtos. Segundo o sócio-fundador, Pedro Henrique, a pandemia acelerou a vontade de empreender e a marca foi lançada no final de 2021. Já com um público recorrente, formado principalmente por mulheres, tem visto a presença masculina crescer.

“O veganismo é um movimento. As pessoas passam a sensibilizar com a causa além do consumo. Sempre pensei que se eu fosse empreender, seria em um negócio vegano. Na pandemia vi que eu tinha que fazer alguma coisa por uma questão financeira, mas que poderia ir além disso. Mais que uma marca, queremos ser uma plataforma para discutir coisas que consideramos importantes. O que eu quero é que mais pessoas tenham acesso. Pensar no preço e na acessibilidade é fundamental”, destaca Pedro Henrique.

Estilo de vida ganha amplitude em feiras

O mercado de produtos veganos é, certamente, promissor, mas ainda está em formação. Assim como os consumidores ainda têm dificuldades para encontrar os produtos que desejam, as empresas – principalmente as menores – também enfrentam obstáculos para chegar aos consumidores. Duas principais soluções têm sido procuradas pelos empreendedores: as feiras e a internet.

Em Belo Horizonte, a principal feira é o Festival Vegano Paraíso (Paraíso Veg). O evento itinerante e mensal terá a sua 39ª edição no próximo domingo (12), no espaço Odara, no bairro Nova União, na região Nordeste. De acordo com o criador da Paraíso Veg, Rodrigo Oliveira, cerca de mil pessoas visitam, em média, o evento.

Para promover o encontro ele faz uma curadoria e participam entre 30 e 50 expositores dependendo do espaço disponível.

“O Paraíso Veg surgiu quando não existiam feiras veganas em BH. A ideia é agregar arte, cultura, música ao vivo, rodas de conversa, por isso é um festival. A pandemia foi um momento difícil, muitos produtores mudaram de atividade. Criamos uma edição virtual nessa fase. A maior parte da produção vem dos pequenos. A maioria é de pessoas que já foram identificadas com a causa. A alimentação é a parte mais importante, de maior impacto. São mais de 100 interessados por edição e eu costumo fazer um rodízio. É importante fazer uma curadoria e montar um mix para atender todo mundo. Muita gente vai para conhecer, experimentar”, revela Oliveira.

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Crédito: Divulgação

O organizador da Paraíso Veg também é o fundador da Veggie Roots Congelados Veganos, que produz hambúrguer, falafel e pão de queijo veganos no bairro Alto Caiçara (região Noroeste), distribuídos por empórios e supermercados da Capital e que também podem ser encontrados em lanchonetes e restaurantes da cidade.

“Percebo um forte aumento da busca por produtos veganos, inclusive por food services. É um crescimento constante no volume de pedidos dos clientes mais antigos e também clientes novos surgindo o tempo todo”, pontua o empresário.

No (quase) infinito mercado global da internet os veganos também têm criado espaços para chamar de seus. No bairro Rio Branco (região de Venda Nova), o portal “Só Trem Vegano” começou a funcionar em 2019 e tem exigido máxima atenção da sua criadora, Izadora Cristina Vieira, vegana desde 2014.

“Tudo começou porque onde moro não havia opção de produtos veganos e eu tinha que sair no sábado para percorrer várias lojas para comprar tudo que queria. Mesmo na região Centro-Sul, onde eu trabalhava, não conseguia tudo em um mesmo lugar. Hoje tudo o que está no site foi testado por mim. Converso com cada produtor e priorizo os locais. Existe uma causa por trás do meu comércio. Para os pequenos produtores é difícil dar prazo para o consumidor. Então, eu compro deles e posso fazer isso. O objetivo principal é dar acesso ao maior número de pessoas”, afirma Izadora Vieira.

Yes! Cosmetics converteu todo o portfólio de produtos

Criada há 24 anos em Pernambuco, a Yes! Cosmetics acaba de converter todo o seu portfólio de 240 produtos em veganos, nos segmentos de perfumaria, cuidados corporais e faciais, maquiagem e acessórios. Presente em Minas Gerais com nove unidades, tem a meta de fechar o ano com mais 18 franquias no Estado.

O trabalho para a adaptação dos produtos começou em 2016. Segundo a gerente de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Yes! Cosmetics, Alyne Miranda, já naquele ano a empresa percebia que o veganismo era muito mais que “uma moda” e que a responsabilidade ambiental seria cada vez mais cobrada por todos os públicos, dos consumidores aos franqueados e investidores. E a pandemia, que chegou ao Brasil em março de 2020, acelerou o processo.

“A pandemia foi um catalisador importante. Antes dela tínhamos atingido 52% do portfólio. Ela nos forçou a fazer uma reformulação geral por uma questão de custo e nos levou a um volume maior de lançamentos depois da pandemia. O rompimento das cadeias de suprimentos nos fez entender quais eram os insumos mais críticos e a pluralizar os fornecedores. Cerca de 50% do portfólio descontinuado”, explica Alyne Miranda.

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Presente em Minas com nove lojas, a Yes tem a meta de fechar o ano com mais 18 franquias no Estado | Crédito: Divulgação/ Yes! Cosmetics

Para a pesquisadora, existem dois grandes desafios de comunicação a serem superados por todos que produzem produtos veganos, especialmente cosméticos: mostrar que os produtos têm a mesma performance que os convencionais e são tão bons quanto os importados.

No sentido da qualidade, as indústrias nacionais de insumos e de cosméticos têm uma grande oportunidade. O Brasil é reconhecido como uma potência da biodiversidade. É preciso, porém, políticas públicas que incentivem o beneficiamento das matérias-primas no País e que melhorem dificuldades históricas como a logística.

“Em 2016 o custo dessa transformação era bem mais alto. A cadeia produtiva está se movimentando mais rápido, fazendo surgir mais alternativas de matérias-primas e insumos. A pandemia mostrou que não podemos trabalhar apenas com insumos vindos de fora, especialmente no Brasil, com toda essa potência natural. O mundo inteiro respeita os profissionais brasileiros e os produtos desenvolvidos aqui. Para mim e a equipe é uma oportunidade incrível acompanhar essa mudança mais profunda. É um trabalho de longo prazo, feito em conjunto e de assertividade. O mercado de cosméticos fala diretamente sobre inovação”, completa a gerente de P&D da Yes! Cosmetics.

Mercado mineiro

Para cumprir a meta de triplicar a presença em Minas, o vice-presidente da Yes! Cosmetics, Felipe Espinheira, aposta em novos formatos e prevê, pelo menos, três inaugurações em Belo Horizonte até o fim do ano. Além da loja, com investimento a partir de R$ 221 mil, e do quiosque, a partir de R$ 148 mil, foi lançado no fim do ano passado o formato móvel “cápsula de beleza”, para cidades abaixo de 20 mil habitantes e para quem quer ter um modelo itinerante nas grandes cidades, com investimento de R$ 70 mil, em média.

“Até 2019 focamos nossa expansão nas regiões Norte e Nordeste. Quando começamos um trabalho direcionado para o Sudeste, veio a pandemia. Mas agora temos essa região no centro das atenções e Minas Gerais é estratégico para isso. As mineiras têm uma cultura de maquiagem e são muito exigentes. Estamos fazendo um trabalho forte de comunicação e buscamos franqueados que tenham iniciativa. Ter uma franquia significa trabalhar muito. A indicação para as cidades que têm shoppings é que os franqueados comecem com um quiosque. E a cápsula permite o deslocamento, podendo buscar pontos de grande circulação ou sazonais”, destaca Espinheira.

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