Mercados, uma vitoria de Pirro.
Vitória de Pirro é uma expressão utilizada para se referir a uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis. E é essa a vitória dos mercados neoliberalistas.
Debates recorrentes em todos os países e blocos do mundo revelam que o mercado é soberano, e a financeirização dominou definitivamente a economia. Mercados são ordenados por cortes fiscais, cortes de investimentos sociais, cortes de investimentos em infraestrutura necessários para gerar nova economia (os mercados chamam isso de custos).
Os cortes são uma demanda do mercado, e tem o objetivo de defender interesses de privados. Enquanto os presidentes das várias repúblicas (quando na melhor das hipóteses) tentam agir em prol do social e da economia dos próprios países, o mercado global demanda cortes de investimentos para que possam garantir margem e lucro aos seus acionistas principais. Tais mercados são dominados pelas 1.000 famílias mais ricas do mundo as quais detêm uma parte significativa da riqueza global, com estimativas sugerindo que os mais ricos possuem cerca de 40% da riqueza total. E existe toda uma estrutura criada para definir as regras de engajo, agências de rating, jornais paladinos do sistema, bancos centrais “independentes”, muita compliance e “transparência” para garantir segurança no ROI dos ricos, etc. A questão fiscal sempre foi e continua sendo central na questão humana.
O objetivo do mercado é aumentar a riqueza e concentração de poder das famílias mais ricas do mundo. Pois atenção, os mercados são soberanos aos países, são novas monarquias absolutistas. Hoje as big techs como Amazon são os novos vassalos das famílias ricas, com valores de mercado absurdos para enriquecer dramaticamente os acionistas às custas das pequenas e medias empresas, destruindo inteiramente setores. Para os consumidores é uma vitória de Pirro fazer parte desses comércios, pois eles ganham em descontos, mas se tornam sempre mais pobre socialmente.
Então, para o que servia a riqueza de uma nação?
Adam Smith foi um dos grandes expoentes do liberalismo econômico e é conhecido como o “pai do capitalismo”. A sua obra A Riqueza das Nações, publicada em 1776, foi um marco na defesa de uma economia de mercado.
Smith defendeu que o mercado deveria ter liberdade para se autorregular e criticou a maioria das formas de interferência do governo na economia. Ele acreditava que o auto-interesse de uma sociedade livre proporcionaria a forma mais rápida de uma nação alcançar o progresso e o crescimento econômico.
Segundo ele, o desenvolvimento econômico das nações é gerado pelo crescimento pessoal de cada indivíduo. Como pudemos testemunhar isso não ocorreu após cerca de 2 séculos e meio.
Algumas das principais ideias de Smith sobre a riqueza das nações que faliram e que são obsoletas a partir de agora:
Enfim, segundo Adam Smith, a riqueza de uma nação é resultado do trabalho produtivo, da divisão do trabalho e do comércio. Isso tudo com a transformação digital não existirá mais nos moldes antigos. Smith acreditava que o acúmulo de capital era um fator chave para a riqueza das nações, pois as pessoas reinvestiriam o capital para aumentar a produtividade e a riqueza da sociedade. Infelizmente isso não ocorreu com a financeirização da economia. Então os países “crescem” somente com aumento da dívida pública, e o acúmulo de capital não é reinvestido, mas sim concentrado par render. Ou seja, planta-se dinheiro.
Smith defendia que o Estado não deveria interferir na economia, devendo fornecer liberdade para que as pessoas tivessem iniciativa de investir no mercado. Ele acreditava que o mercado deveria ter liberdade para se autorregular. O problema é que as pessoas investem no mercado de ações para retornos de curto prazo e sempre às custas da própria economia dos países! Gerando um aumento da desigualdade social e não o contrário. Me vem vontade de gritar: Volta Smith!
Como a riqueza se perpetua entre as famílias mais ricas não é uma novidade, pois o status quo inventou uma série de regras desde as mais antigas dinastias para manter poder e riqueza que ainda funcionam:
1. Herança e Sucessão: Muitas dinastias seguiram e seguem sistemas de herança que garantem a concentração de riqueza dentro da família. As taxas sobre isso são baixíssimas.
2. Alianças Matrimoniais: Casamentos estratégicos entre famílias poderosas ajudaram a consolidar e expandir a riqueza. O próprio casamento é “sacro” por motivos financeiros, ninguém poderia abandonar um acordo estratégico, a menos de graves consequências aqui na terra como nos céus. Guerras foram travadas por tais quebras. Hoje ninguém mais casa sem um pacto antenupcial sobre temas financeiros.
3. Controle de Recursos: O domínio sobre terras, recursos naturais e comércio foi crucial para a manutenção da riqueza. Atualmente, é o domínio das tecnologias digitais e está nas mãos das Big Techs.
4. Legislação e Política: Muitas dinastias implementaram leis que protegiam seus interesses econômicos e sociais. Para isso ser refletido no mercado, um país precisa respeitar regras financeiras, compliance, transparência, jurídicas, etc. E existe um rating sobre países dizendo se podem ou não receber investimentos. Como os recursos financeiros estão concentrados nas mãos de 1000 famílias, elas decidem onde melhor investir. E como o dinheiro é escasso, os países não têm para investir pois não são produtivos o bastante (porque o sistema neoliberal impõe um ciclo vicioso que empobrece no médio longo prazo as nações do ponto de vista cultural, social e econômico). Os países, portanto, precisam desse investimento vindo de fora e devem negociar com as 1000 famílias (não diretamente, é claro, mas através do mercado), e os países são forçados a se subjugar às regras fiscais do mercado. Quando um presidente da república está em conflito com o banco central de seu país, saiba que ele está tentando defendes os interesses da nação versus o mercado soberano. Rs. A menos que você pertença a essas 1000 famílias, você deveria apoiar o presidente da república do teu país.
5. Cultura e Ideologia: A legitimação do poder por meio de crenças religiosas ou culturais também desempenha um papel importante na perpetuação da riqueza. Baste ver a importância da religião romana católica apostólica na queda dos comunismos na Europa. Na china, por exemplo, não existe pauta religiosa, e a ideologia é a do partido comunista.
Para ter uma ideia, algumas famílias mais importantes e longevas da história resistiram por séculos! A família Habsburgo influente na Europa, especialmente na Áustria e na Espanha, por mais de 3 séculos. A família Bourbon também com raízes na França e relevância na Espanha e Itália. A família Plantageneta que dominou a Inglaterra do século XII ao século XV, com vários monarcas famosos. A família Gupta, uma das dinastias mais importantes da Índia antiga, governou durante o período de ouro da Índia (c. 320-550 d.C.). E a última dinastia imperial da Rússia, a família Romanov, que governou de 1613 até a Revolução de 1917.
E para se ter uma ideia de como isso é sério, várias famílias europeias importantes e longevas têm raízes em patrícios romanos ou na aristocracia romana! Após a queda do Império Romano, muitas dessas famílias se adaptaram e continuaram a influenciar a política na Europa medieval, dando origem a nobrezas em diferentes reinos e ducados, e resistiram ao tempo, caindo nas revoluções e entre a primeira e segunda guerra mundial. Hoje ainda são influentes! A família Bourbon ainda é a família real da Espanha. A família Habsburgo, embora não governem mais, continuam a ser uma família proeminente na Europa, com membros ativos em várias áreas sociais e políticas. A famosa família Windsor, originalmente a Casa de Saxe-Coburgo e Gotha, tem laços históricos com a aristocracia europeia, e ainda é atual família real do Reino Unido, com grande influência cultural e política, não só no Reino Unido, mas em várias partes do mundo. A família Grimaldi, os príncipes de Mônaco têm raízes aristocráticas e uma história que remonta ao século XIII.
Essas famílias podem não ter o mesmo poder político de antes, mas muitas ainda possuem considerável influência social, cultural e econômica.
Muitas das famílias ricas mais antigas foram destruídas com as revoluções burguesas e comunistas que resultaram em um grande número de nobres e aristocratas sendo presos ou mortos. Aqui estão algumas estimativas para os casos mais significativos:
1. Revolução Francesa (1789-1799):
- Estima-se que milhares de nobres foram executados durante o período do Terror (1793-1794), com cerca de 16.000 a 40.000 pessoas mortas, incluindo nobres, clérigos e outros.
2. Revolução Russa (1917):
- Após a Revolução de Outubro, muitos membros da aristocracia foram perseguidos. As estimativas variam, mas acredita-se que milhares foram executados ou morreram em campos de trabalho. A lista de nobres mortos ou presos não é precisa, mas a repressão foi severa.
3. Revoluções na Europa Oriental e Central (século XX):
- Após a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, muitas revoluções, especialmente na Hungria e na Alemanha, levaram à execução ou exílio de aristocratas, mas os números exatos são difíceis de determinar.
Fica evidente como o próprio conceito de meritocracia, que defende que o sucesso deve ser baseado em mérito individual, como habilidade e esforço, contrasta com sistemas de poder tradicionalmente baseados em herança, como dinastias e aristocracias.
As próprias revoluções que visavam mobilidade social como a Francesa e a Russa não deram certo no longo prazo, pois buscavam derrubar sistemas antigos, promovendo ideais de igualdade e oportunidade, mas resultaram em novas formas de opressão, questionando a efetividade da meritocracia em contextos de grande desigualdade.
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Antes como hoje, na prática, fatores como classe social, educação e rede de contatos ainda desempenham papéis significativos na realização pessoal e profissional.
Portanto as revoluções não geraram igualdade social. Um exemplo de família que se beneficiou da revolução contra os nobres, os Rothschild. Conhecidos por seu vasto império bancário e influência financeira global ao longo dos séculos. Outras que crescerem no século passado graças ao neoliberalismo, a família Rockefeller, com um impacto significativo na economia americana e global, especialmente através do setor de petróleo e filantropia, a Família Bush, que teve dois ex-presidentes dos EUA e várias figuras políticas proeminentes, a família tem sido influente na política americana. Uma família muito influente no mundo e que realiza negócios em todos os países, a família Bin Laden. Apesar do estigma associado a um rebelde da família, os Bin Laden são uma das mais ricas da Arábia Saudita, com vastos interesses empresariais. Inclusive foram aliados fortes dos Bush, os quais por meio da Bush & Co. e de outros investimentos, tiveram conexões no setor de energia e construção.
Outras famílias poderosas e ricas do mundo hoje incluem:
1. Família Walton: Fundadores do Walmart, são frequentemente citados como a família mais rica do mundo, com uma fortuna combinada superior a $200 bilhões.
2. Família Al Saud: A família real da Arábia Saudita, com vastos interesses em petróleo e negócios, controla uma riqueza imensa.
3. Família Koch: Proprietários da Koch Industries, são uma das famílias mais ricas dos EUA, com influência em várias indústrias.
4. Família Mars: Conhecida pelo seu império no setor de doces e alimentos, a família Mars também figura entre as mais ricas do mundo.
Essas famílias têm grande influência econômica e, em muitos casos, também política, moldando setores importantes da economia global. Fazem isso através da pressão sobre o grupo dos países do OCDE, debatem o futuro do mundo em Davos, fazem lobby junto aos bancos centrais e congressos das repúblicas, financiam campanhas políticas de presidentes e congressistas da república (quando não elegem seus próprios familiares representantes).
Estudos recentes indicam que a concentração de riqueza entre as famílias mais ricas do mundo é extremamente alta. Aqui estão alguns pontos-chave:
1. Proporção de Riqueza: Como dito, as 1.000 famílias mais ricas do mundo detêm cerca de 40% da riqueza total.
2. Desigualdade Crescente: A desigualdade de riqueza tem aumentado nas últimas décadas, com os bilionários acumulando riqueza a um ritmo muito mais rápido do que a classe média e os pobres.
3. Efeitos da Pandemia: A pandemia de COVID-19 exacerbou essa concentração, com muitos bilionários aumentando suas fortunas enquanto a maioria da população enfrentava dificuldades econômicas.
De acordo com relatórios como o da Oxfam, uma pequena fração da população global possui uma parte desproporcional da riqueza, destacando a necessidade de políticas que abordem essa desigualdade.
O modelo neoliberal e a meritocracia são uma falácia. Os modelos neoliberais geralmente promovem o crescimento econômico, mas esse crescimento não é distribuído de maneira equitativa (talvez o seja um pouco mais na China de hoje, e em alguns países nórdicos europeus). Enquanto algumas pessoas se beneficiam significativamente, a maioria fica para trás, aumentando a desigualdade.
O problema é que o neoliberalismo (uma versão recente diferente daquilo que escreveu Smith) prioriza o mercado em detrimento de políticas sociais (os embates entre presidentes e bancos centrais), o que agrava a desigualdade e a insatisfação. A falta de redes de proteção social deixa os mais vulneráveis em situações precárias, baste ver o Brasil, o quinto mais desigual do mundo, depois da África do Sul (famoso pelo apartheid terrível), Namíbia, Suazilândia e Lesoto. E pensar que sobretudo Brasil e África do Sul sofrem de um racismo estrutural que agrava a questão.
Enquanto os modelos neoliberais podem ter promovido crescimento econômico e melhorias em alguns indicadores sobretudo entre os anos 1970 e 2010), o modelo quebrou, e a crescente desigualdade e a percepção de injustiça nos próprios países ricos está levando à polarização, uma sociedade infeliz com pessoas ansiosas e deprimidas, mesmo em contextos de prosperidade econômica (veja o PIB dos USA e Alemanha), ou em contextos de prosperidade financeira (onde residem as famílias mais ricas).
Quais as falácias que a cultura dos ricos busca implantar nas mídias e nas escolas:
1. Crescimento Econômico: O aumento do PIB pode levar a mais empregos e oportunidades, resultando em maior segurança financeira e acesso a bens e serviços, que são fundamentais para o bem-estar. Isso não ocorre.
2. Inovação e Tecnologia: O desenvolvimento econômico pode impulsionar inovações que melhoram a qualidade de vida, como avanços na saúde, comunicação e transporte, facilitando a vida cotidiana. Isso não ocorre, e pelo contrário, a digitalização está levando à precarização e ao desemprego geral.
3. Acesso a Serviços: O crescimento econômico pode resultar em melhor infraestrutura e acesso a serviços essenciais, como educação e saúde, que são cruciais para o desenvolvimento humano. Talvez na China, mas não em países como o Brasil. E nos países avançados esses serviços estão sendo precarizados.
4. Mobilidade Social: Em contextos favoráveis, políticas que promovem o empreendedorismo e a concorrência podem oferecer oportunidades de ascensão social, aumentando a satisfação individual. O Brasil viveu uma década de esperança disso mas não se sustentou, pois a economia de países como o nosso não são produtivas por carecer de investimentos em educação, saúde e infraestrutura. Repito, é um ciclo vicioso onde somente a “casa”, o mercado, vencem. No Brasil,
5. Aumento de Liberdade e Escolha: Modelos de mercado podem expandir as opções disponíveis para indivíduos, permitindo que façam escolhas que atendam às suas preferências e valores. Isso não ocorre de forma alguma na prática. Aumentam as favelas, o tráfego de drogas, o crime. A realidade é clara: aumento da desigualdade, precarização do trabalho, infelicidade.
A filantropia não resolve o problema, pois não age no sistema. Algumas famílias ricas têm investido em iniciativas filantrópicas para mitigar a desigualdade, mas com resultados ínfimos. Exemplos incluem a Fundação Bill e Melinda Gates e a Fundação Rockefeller.
Uma questão que preocupa os ricos de hoje é a mudança climática, causada pelo próprio sistema liberal e neoliberal. Com a crescente mudança e impactos nos mais desfavorecidos, a consciência sobre questões sociais e ambientais aumenta, e muitas famílias ricas estão começando a ver a desigualdade como um desafio econômico que pode impactar o crescimento delas a longo prazo.
De toda forma, grande parte das famílias ricas vivem no luxo, e não demonstram preocupação com a desigualdade. Elas priorizam a preservação de seu patrimônio e influência, resistindo a mudanças que possam redistribuir riqueza. Por exemplo, o casamento de Anant Ambani e Radhika Merchant, filho e neta de famílias ricas da Índia, teve um custo estimado em cerca de US$ 600 milhões, o que equivale a R$ 3,2 bilhões. O evento contou com apresentações de estrelas pop, festas luxuosas e milhares de convidados.
Mas a história ensina várias lições sobre sociedades com extrema desigualdade: Instabilidade Social, a Revolução Francesa, Revolução Russa, Primeira Guerra e Segunda Guerra mundial são exemplos de como a desigualdade pode levar a mudanças radicais.
A desigualdade econômica fomenta conflitos internos e violência, exacerbando divisões entre classes sociais. O Brasil hoje vive uma guerra civil, os ricos andam de helicóptero e vivem em bunkers. Em sociedades muito desiguais como a nossa, a confiança nas instituições já não existe mais, levando à corrupção e à falta de legitimidade das autoridades, o que desestabiliza o sistema político, com tentativas de golpes como o recente. O país não cresce, como mostram estudos recentes, as altas taxas de desigualdade prejudicam o crescimento econômico a longo prazo, pois limitam o acesso a oportunidades para grandes segmentos da população, restringindo o potencial de inovação e consumo. A nossa é uma sociedade jovem “nem-nem” que envelhecerá em duas décadas pobre.
A tentativa de governos mais sensíveis ao social para a redistribuição de riqueza, com impostos progressivos e investimentos em educação e saúde são combatidos pelo mercado, vejam os embates recentes entre o presidente da república e o do banco central. Somente países como os escandinavos conseguiram reduzir desigualdades e promover coesão social. A China vem tentando desde a sua revolução cultural, mas tende a não conseguir pois vai ser um país considerado “velho” em uma década e ainda será pobre. Países como o Brasil sofrem de desigualdade extrema e isso perpetua ciclos de pobreza, dificultando a mobilidade social e criando uma classe marginalizada que tem acesso limitado a recursos e oportunidades.
Essas lições ressaltam a importância de abordar seriamente a desigualdade para garantir a estabilidade social, econômica e política em sociedades contemporâneas em mudanças climáticas. Mas como a realidade revela, isso não ocorre infelizmente de forma gradual nem pacifica.