MESSIANISMO E CANGAÇO

MESSIANISMO E CANGAÇO

Se o sertanejo é “antes de tudo um forte”, não é menos verdade que no passado ele era um povo inculto e sujeito às mais perniciosas influências. Prova disto foi o seu indisfarçável apoio ao messianismo e, discretamente, ao cangaço, manchas negras na história do Sertão.

Passaram-se alguns anos antes que as consciências nacional e regional despertassem para a realidade nordestina, e descobrissem que o fanatismo religioso dos falsos messias e o caráter criminoso dos cangaceiros não eram valores a serem preservados. A decepção do Padre Cícero, com a descoberta do seu falso milagre, a derrota do messianismo, primeiro na Bahia, com o massacre de Canudos, de Antonio Conselheiro, depois no Ceará, com a destruição do sítio Caldeirão, do Beato Lourenço, juntaram-se ao ocaso do cangaço, com início em Mossoró, Rio Grande do Norte, de onde Lampião, o Rei do Cangaço, e seu bando saíram derrotados pela própria população, liderada pelo Prefeito; depois na localidade Angicos, em Sergipe , no ano de 1938, onde foram finalmente aniquilados, numa emboscada levada a efeito por policiais daquele Estado.

No estudo dos movimentos messiânicos do Nordeste do Brasil, ocorridos no Século XIX, podemos distinguir dois aspectos: o do fanatismo religioso e o da reação às injustiças sociais. Ao se unificarem, as duas faces do movimento se fortaleciam enormemente, via de regra em torno de uma figura carismática. Pode-se dizer que, no que se refere ao aspecto social, a origem do messianismo nordestino foi uma consequência da inação do Governo Republicano em face da estrutura fundiária, injusta, e suas derivadas socioeconômicas.

         Do ponto de vista religioso, o messianismo é uma herança do Cristianismo primitivo associado ao judaísmo. Na verdade, esta herança nunca foi totalmente extinta, circulando sempre em torno da expectativa de um messias que há de vir, um Salvador, que há de eliminar da face da Terra todas as formas de injustiça e sofrimentos impostos ao povo. E não se pode esperar coisa melhor de um messianismo calcado na ignorância de um povo e no egoísmo de um líder carismático, tal como ocorria nos sertões do Nordeste.

        Padre Cícero de Juazeiro foi uma espécie de Messias "autorizado", atuando sob o manto protetor da Igreja Católica, a qual, durante muitos anos, fechou os olhos às artimanhas e "milagres" praticados pelo famoso pároco.

        O cangaço foi, também, uma reação ao sistema opressivo do coronelismo de latifúndio. A palavra dos coronéis, donos da terra, tinha força de lei sobre os submissos habitantes da fazenda. Seus seguranças eram os jagunços, os quais executavam com presteza todas as ordens do chefe, inclusive matar. Haviam, também, os meeiros. Eles tinham certa independência, desde que, obedientes ao sistema, pagassem o arrendamento da terra que cultivavam, com a metade do que produziam. (Ainda hoje podem ser vistos meeiros no Sertão). A classe menos favorecida era a dos moradores, composta, na maior parte, por ex-escravos e índios aculturados. Viviam semiescravisados, trabalhando sem salário, em troca, apenas, de mínimo alimento para sobreviver. Vestiam roupas já "fora de uso", doadas por meeiros e habitantes da cidade. O único direito que tinham era o de dizer "sim, senhor" `as ordens do Coronel. Num ambiente como aquele, não tardou que surgisse o cangaço como forma possível de reação. Se o Governo não fazia nada, os cangaceiros pretendiam fazer, tentando subjugar o Poder Civil, afrontando prefeitos e delegados, armados de fuzis e desejo de vingança. Os líderes do cangaço não tinham multidões de seguidores, mas eram admirados por muitos, nas cidades, vilas, povoados e fazendas. O grande erro dos cangaceiros foi a falta de respeito à vida de quem não lhes davam apoio.                                    

‘Tendo caído na realidade, o Sertão permaneceu absorto, durante, quem sabe, meio século, até que foi despertado para o desenvolvimento, em 1959, pela filosofia da Operação Nordeste, do Presidente Juscelino Kubitschek e a política da SUDENE, de Celso Furtado. Infelizmente, a chama do entusiasmo que deu origem à SUDENE apagou-se mais cedo do que se esperava, abafada, que foi, por uma espécie de pacto secreto, ocorrido na década de 70, quando então foi decidida a submissão econômica desta Região. Além disso, a Autarquia não foi administrada com a ética que se fazia necessária. Haviam interesses escusos, privilégios a grupos econômicos, concentração de recursos em Recife e Salvador, e outras falcatruas capazes de prejudicar a boa marcha dos planos elaborados. A confusão era de tal magnitude que um inquérito para esclarecer a responsabilidade pelo caos deveria demorar mais do que seria suportável, em razão do que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso simplesmente a extinguiu.

 

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos