Meu posfácio da "Analise Setorial do Ensino Superior 2023" da Crátilo.

Meu posfácio da "Analise Setorial do Ensino Superior 2023" da Crátilo.


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Há uns 2130 anos o romano Cicero foi categórico ao dizer que "os eventos futuros projetam sua sombra muito antes". Uma forma erudita de fizer que se a gente quer fazer alguma previsão pro futuro precisa entender antes de passado. E para isso as analises setoriais são uma enorme oportunidade de entender a real situação das coisas em nosso setor.

E nesse sentido o Censo da Educação Superior de 2023 trouxe alguns dados inéditos e reveladores para os gestores educacionais brasileiros.

Primeiramente, o enorme estoque da população em idade universitária fora dos bancos das faculdades: 44% dos 22,3 milhões de jovens entre 18 e 24 anos concluíram o ensino médio e estão fora das faculdades. São 10 milhões de clientes potenciais. Um dado incrível produzido pelo INEP (um verdadeiro marco) é que 25% dessa população – em 2023 – ou está estudando (21,6%) ou já concluiu o Ensino Superior (4,3%).

Ainda que esse número seja impressionante, está distante do necessário. Ocupamos algumas das últimas posições entre os membros da OCDE, com menos jovens estudando na idade adequada em comparação à média dessa entidade. Temos uma dívida histórica. Entre a população de 55 a 64 anos (reflexo do ensino superior de um passado distante), apenas 15% possuem diploma. Outros países também eram ineficientes no passado em relação ao ensino superior. A Itália tem 12% dessa população mais velha com diploma, Portugal 18% e a Coreia do Sul 27%. No entanto, atualmente, a Itália tem 29%, Portugal 44% e a Coreia do Sul 70% dos jovens nas salas de aula.

Parte desse problema decorre de nossa ineficiência na transição automática dos alunos do ensino médio para o ensino superior.

Pela primeira vez, o INEP trouxe esse dado, que é assustador: apenas 27% dos alunos continuam seus estudos no ano seguinte à conclusão do ensino médio. Nas escolas privadas, esse número é de 59%, enquanto nas escolas estaduais é de 21%. Nos EUA, a Taxa Imediata de Matrícula no Ensino Superior de Concluintes do Ensino Médio (immediate college enrollment rate of high school completers) foi de 63% em 2020. Portanto, na nossa educação de nível médio privada, estamos entre os melhores indicadores. No ensino estadual (que concentra 83% desse contingente), estamos, mais uma vez, muito abaixo das piores expectativas.

Em um ano marcado pela discussão crítica de “fórmulas mágicas” de ascensão social (bets, coaches, fórmulas, day trades, criptoativos e trabalho precarizado travestido de microempreendedorismo), é uma conquista termos crescido novamente o número de alunos matriculados nas faculdades em todo o país. O número é impressionante: 9.976.782, quase atingindo o marco histórico de 10 milhões de estudantes, que seguramente comemoraremos no ano que vem. Ainda assim, em 2023, o aumento de matrículas foi de 5,6%, o maior desde 2014.

O crescimento contínuo das matrículas nas instituições privadas e o aumento significativo da modalidade de ensino a distância (EaD) indicam tendências importantes e desafios para o futuro da educação superior no país.

Das mais de 9,9 milhões de matrículas registradas em 2023, 79,3% estavam concentradas nas instituições privadas. Esse aumento de 7,3% em relação ao ano anterior reflete a capacidade dessas instituições de absorver a crescente demanda. O setor privado tem se mostrado ágil na adaptação às necessidades dos estudantes, especialmente com a oferta de cursos a distância, que representaram 73% dos novos ingressos em 2023. Esse dado revela a força crescente do EaD no Brasil, especialmente em instituições privadas, que são responsáveis por 93,5% das matrículas nessa modalidade.

Esse crescimento no ensino a distância está diretamente relacionado à flexibilidade que ele oferece aos estudantes, permitindo que muitos conciliem trabalho e estudo.

Além do EaD, outro ponto que merece destaque é o papel crucial que o setor privado tem desempenhado na ampliação do acesso ao ensino superior. Com 95,9% das vagas oferecidas no país, as instituições privadas continuam a ser a principal porta de entrada para a maioria dos estudantes brasileiros. Isso não só contribui para o aumento das taxas de matrícula, mas também reflete a necessidade de políticas que garantam o acesso e a permanência desses estudantes, especialmente em um cenário em que o ensino superior público, que representa apenas 4,1% das vagas, enfrenta desafios de expansão.

Olhar o número de vagas deixou de ser um parâmetro relevante para os executivos do segmento (alguém ainda calcula a relação candidato-vaga?), em um mercado onde 20 milhões das 24 milhões de vagas abertas naquele ano ficaram vazias.

Nossa ineficiência na retenção de estudantes piora todos os anos. A Taxa de Conclusão Acumulada da rede privada é de 38%, enquanto a Taxa de Desistência Acumulada é de 61%, o mesmo dos últimos três anos e o mais elevado da série histórica.

O Censo também revela um desequilíbrio significativo entre a oferta de vagas presenciais e a distância. Enquanto na rede pública a maior parte das vagas ainda é presencial, no setor privado a modalidade EaD domina. Esse contraste mostra que, enquanto as instituições públicas ainda dependem fortemente da infraestrutura física, as instituições privadas têm investido fortemente na digitalização e expansão da educação a distância, permitindo um alcance geográfico e demográfico muito maior.

Em termos de qualidade, a proporção de alunos por professor é um dado que também merece atenção. Nas instituições privadas, essa relação é de 51,9 alunos por professor, significativamente maior do que na rede pública. Isso pode indicar um desafio em termos de atenção individualizada e de recursos disponíveis para cada estudante, especialmente em cursos que exigem um acompanhamento mais próximo.

Considero que o dado mais importante de todo o Censo é um dos mais desprezados: formaram-se nas faculdades naquele ano 1.374.669 pessoas. No nosso dia a dia de gestão, olhamos muito para os “comos” e pouco para os “porquês”. Nos debruçamos muito sobre a captação de alunos e estamos nos tornando bons nisso (ainda que muito aquém do necessário). Nunca captamos tantos alunos quanto em 2023. Em uma conta bem cartesiana da relação de entradas e saídas daquele ano, podemos afirmar que, dos 4.993.992 alunos que trouxemos para o ensino superior, 72% terão seus sonhos frustrados pela não conclusão da faculdade. Penso que esse seja um importante indicador para nosso trabalho nos próximos anos.

Por fim, acredito que o MEC precise rever o intervalo de tempo do Censo. Com a emergência tecnológica, é inaceitável esse hiato de tempo entre o registro dos dados por parte das IES e a publicação deles pelo INEP. O MEC mantém o mesmo SLA em 2024 que tinha há duas décadas. Isso obriga os gestores a conduzirem suas instituições olhando apenas para o retrovisor, com dados que já nascem ultrapassados.

Professor Thalles Nascimento

Gestão | Docência | Consultoria educacional e comercial

1 m

Excelente abordagem, Rafael.

Matheus Fideles

Gerente de Vendas e Pré-vendas na Agenda Edu | SaaS | Fintech | Edtech

2 m

Sensacional, mestre. Foi cirúrgico nos apontamentos!

Ana Kely Araújo Campos

Gerente de Marketing | Estratégia Comercial | Marketing Digital | Branding

2 m

Um resumo incrível, objetivo e que toca em quase todos os desafios que a educação superior enfrenta. Sempre muito bom ler seus artigos Rafael Villas Bôas Albergaria

Bruno A A Barreto

Presidente do Grupo Crátilo | Conselheiro de Administração | Garantimos gestão 360º para Instituições de Ensino Superior, elevando a performance operacional do planejamento à execução.

2 m

Grande Rafael Villas Bôas Albergaria, muito obrigado por mais uma parceria, com uma análise totalmente pertinente!

Uma honra para nós da Crátilo contar com sua contribuição nesta pesquisa. Muito obrigado!

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