MIÓPICO E SINÓTICO.
‘Vejo pessoas, mas não as enxergo claramente. Parecem árvores andando’.
Na linha de toda a sua obra sobre a ‘liquidez social’, Zygmunt Bauman procura demonstrar o encastelamento de toda percepção da vida que transforma o pensamento moderno em guetos segregados. A verdade é o que eu acredito que seja o melhor para minha experiência.
Perdido o norte de algo sólido e aceitável desde sempre, hoje como água tudo flui diluído pela individualidade, valor maior de toda uma geração. Tendemos a ser míopes quando não embasamos qualquer de nossas vivencias e experiências em uma âncora histórica, quando deixamos de conectá-las aos que já viveram coisa parecida e que nos legaram propostas razoáveis de como lidar com tudo isso.
Preferimos desprezar a percepção sinótica, de conjunto, de agregação, de comunidade, para num salto de individualismo, construirmos algo sem respaldo algum e que repousa somente no plano do nosso imaginário, sem comprovação da realidade. Por isso nos ferimos vezes sem conta.
Veja o homem cego a quem Jesus tocou pela primeira vez. Ele agora via, de fato, mas uma visão míope porque fez a leitura de pessoas como árvores. E uma árvore é algo que não me diz respeito, eu passo por ela todo dia, mas não tenho o mínimo interesse em conexão. Ver as pessoas de forma míope é não enxerga-las ou vê-las de forma descaracterizante, deforma-las.
Você conhece as pessoas pelo nome ou pelo título? Sabe o nome do professor, do gari, da faxineira, do entregador? Eles são prestadores de um serviço e só existem exclusivamente porque tem uma função: nos atender quando pedimos. Você também é visto dessa forma, não se engane.
Quanto tempo faz que eu não escuto o som do meu próprio nome na boca das pessoas, mas apenas o titulo honorifico que eu carrego... É hora de recuperarmos o senso sinótico: agregação, coletivo, comunidade. Jesus toca o homem pela segunda vez e agora ele vê pessoas como gente. Deus, quando decidiu se encarnar em Cristo como homem compreendeu que a única maneira de tocar pessoas e salvar pessoas de sua condição degradante era se tornar semelhante a elas. Só assim é que deixamos de ser miópicos e vemos tudo com a mais absoluta clareza. Deixamos o gueto e passamos a ter um coração.
Caleb Mattos.