Minha calopsita fugiu, a case study
Pois é, você não leu errado. Fará sentido esse texto, não sei, mas preciso escrever sobre isso, agora que o susto passou.
No domingo passado, após um descuido meu, minha calopsita chamada Bart resolveu me bicar e escapar das minhas mãos, voando alto para o infinito e além, sem nenhum receio, nenhum senso, só foi. Não corto as asas, já é um absurdo eu ter um passarinho como pet, faço questão de deixá-la o mais “livre” possível dentro da minha casa. Tão livre, que ela partiu, partiu (já diria o Tim Maia).
Rapidamente, como boa product que sou, tracei uma estratégia para resgatá-la🤡. Não tinha tempo a perder, pois cada minuto que se passava, ela poderia estar mais longe. Então mentalizei uma matriz CSD short: com a certeza que meu marido iria me odiar para o resto da vida se a gente não a recuperasse; com a suposição que ela estaria por perto, pois seu piado estava alto; e com a dúvida se algum vizinho iria se predispor a ajudar.
Aí surge o principal problema: não conhecemos nossos vizinhos. Moro em uma região cercada de prédios altos, minha casa é a única da rua e eu NÃO CONHEÇO MEUS VIZINHOS. Até os vejo, eles passeiam com seus cachorrinhos aqui na frente, mas não sei o nome, a idade, a profissão, religião, em quem vota, etc etc etc, informações importantes para eu traçar minha persona que poderia me ajudar. E seria muita pretensão esperar que eles me conhecessem, mesmo eu morando na única casa da rua, com dois passarinhos que ficam na janela piando o dia todo. Eu jurava que poderia ser a moça das calopsitas, mas nada. Não fazem ideia da minha existência e já irei provar o porquê.
Até que então, depois dos meus gritos desesperados rua abaixo, surgem duas Stakeholders: minha prima (que também é minha vizinha) e uma moça, com sua filha, que também possuem calopsitas, entendiam minha dor e queriam investir na causa. Ficamos nós gritando e observando para onde poderia ir a bichinha. A Stakeholder prima me acalmava e me confortava, me ajudava a observar os vizinhos que poderiam ter avistado a Bart e me exigia que fosse em cada potencial vizinho, no qual a Bart parecia estar perto. A Stakeholder mãe de calopsita me forneceu um facilitador muito prático na busca, o áudio de celular de outras calopsitas a fim de atrair a minha através do som (tecnologia muito eficaz, na qual eu não tinha conhecimento.)
Com todo esse aparato, o resgate ainda estava longe de acontecer. Bart simplesmente estava tirando uma onda com a nossa cara. Ela voava tão alto, que cheguei a subir no telhado do edifício em frente a minha casa, de 23 andares, depois de quase sequestrar o vizinho que estava de boas pegando seu ifood e exigir que ele me deixasse subir ao andar mais alto. Lá em cima, abri um alçapão, engatinhei pelo telhado e quando cheguei perto da demonia, ela voou de novo.
Era praticamente um problema sem solução, cada vez estava mais difícil. E a Bart queria voltar, mas ela não conseguia aterrissar, só voava alto. Teve até uma hora que uma big tech, digo um gavião, tentou engolir ela, quase desfaleci. Tanto trabalho, tanto amor, tanto carinho, iriam simplesmente sumir.
A noite adentrou, nada de resgatá-la. Me dei por vencida, as vezes o user journey não é traçado e definido corretamente, os testes não estavam dando certo e o problema continuava. Eu tinha que encerrar e recomeçar outro dia. Mas o piado continuava, um pedido de socorro. Meu Deus, meu Norman, o que eu iria fazer? Voltei para casa, chorando, estressada, nervosa, com trabalho acumulado. Eu não ia desistir, apelei para outros métodos, definindo dois alvos: mídia online e impressa. Anunciei em grupos do facebook, destinados a animais perdidos da região e imprimi um protótipo de anúncio, feito às pressas, para colar pela vizinhança.
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Meu marido estava inconformado, decidiu voltar para rua, por conta própria. Ao andar pela rua olhando para cima, passou por um rapaz que achou essa postura estranha. O rapaz voltou e questionou o meu marido, “por acaso você está procurando um passarinho?” meu marido respondeu: “eu não acredito, você encontrou?é amarelinha?” “sim, está na minha casa, ela voou para janela””meudeus, não acredito, que milagree…” De certo modo, meu marido se tornou um produto de interesse, que chamou atenção de um consumidor que estava passando (ta, viajei nessa…)
Longshort history, Bart foi parar na janela do 13º andar, de um apartamento com gatos, procurando abrigo. O morador do apartamento também anunciou no facebook que encontrou um passarinho perdido. Nesse anúncio, recebeu falsas informações de pessoas que se diziam ser donas. Eu não vi esse anúncio, por alguma razão o algoritmo não me localizou, sendo que EU estava atrás disso. Ele mora a 1 quadra da minha casa. Lembra que eu escrevi lá em cima que vizinhos não se conhecem. Pois bem, nunca tinha visto esse vizinho antes, ele mora na região há 7 anos e eu a vida toda. Não querendo ser saudosista, mas se fosse há uns anos atrás, a gente se obrigava a conhecer mais as pessoas, por “n” razões. A tecnologia que muitas vezes deveria facilitar, acabou afastando o contato humano bem nos moldes do filme Ela(Spike Jonze), e justamente nesse domingo, eu senti na pele que não tinha um apoio da comunidade ao meu redor.
Depois de tanta divagação e rodeios, concluo esse case🤡, que apesar de tudo, considero um case de sucesso. Bart foi resgatada, está em casa, sã e salva. Aprendi que não devo sair com ela no jardim, pois ela me odeia e vai voar de mim. Aprendi que é preciso organizar bem as estratégias em pouco tempo para definir um processo perspicaz para alcançar o objetivo, mas que é necessário acender vela e rezar, pois chega uma hora que tudo parece estar perdido.
Aprendi que o mundo está cada vez mais tecnológico e que cabe a pessoas como eu desenvolver produtos que atendem esse mercado, mas que precisamos pensar cada vez mais nas relações interpessoais, no contato humano, na colaboração e na comunidade. Foram conversas que me ajudaram a resgatar minha Bart, foram empatia, gentileza, paciência e cuidado. Nós estamos desenvolvendo coisas pensando nisso?
Por essa razão escrevi esse textão, pois refleti muito sobre isso no decorrer da semana e não sei por que, mente criativa (doida) talvez, consegui linkar com a minha profissão e como projeto os produtos com os quais eu trabalho. Talvez as pessoas não notam ou não têm essa percepção, ou se tem, não ligam. Mas eu acho um red flag. Estamos criando para quem, senão pessoas? E essas pessoas estão como? Elas se conhecem? Elas se conectam? Elas se ajudam? Elas se importam?
Eu achei que iria perder minha calopsita para sempre, mas tive sorte de ter poucos vizinhos que simpatizaram comigo e com minha causa. No fim, deu tudo certo.
P.S. O passarinho da arte é minha Bart
LLM Candidate @ Boston University | Lawyer | Corporate Law | Contracts, Technology and Data Protection, Intellectual Property
1 aQue demais esse texto! Você conseguiu juntar três coisas que você domina, criatividade, comunicação e design, com um acontecimento pessoal. Nota 10 🤍