MISTURAR O TU COM VOCÊ!

MISTURAR O TU COM VOCÊ!

Por Astrid Lenhart

Quem lembra da música Boêmio Demodê, de Paulo Vinícius, da década de 70/80? Quem não conhece, sugiro procurar no YouTube, pois vale a pena. Seresta maravilhosa, que dá vontade de sair dançando. E o que é a voz de Paulo Vinícius? Timbre parecido com o também saudoso Nélson Gonçalves. Época de músicas boas, letras com sentido. Nessa época, havia apenas um único requisito para ser cantor(a): saber cantar muito bem.

Infelizmente, as coisas mudaram muito de lá para cá. Às vezes, eu me pergunto se apenas caiu a qualidade artística ou se caiu o gosto musical e a capacidade de apreciar as coisas boas. Chegamos a uma fase em que querem nos convencer de que qualquer coisa é arte, que qualquer rabisco é um quadro, que todas as pessoas em cima de um palco são artistas.

Coloco minha cara à tapa, mas não concordo com isso. Se, para eu ser contratada por empresas para desenvolver o meu trabalho com líderes e equipes, eu tenho de ser muito boa naquilo que faço, por que um artista não deveria se empenhar para me convencer que seu trabalho é fantástico?

Penso que aqui entra bem a palavra Excelência, excelência em tudo o que se faz. Ainda fala-se essa palavra, mas ela é verdadeiramente aplicada? Há escolas, por exemplo, que falam em ensino de excelência. Se formos a essas escolas, será que iríamos encontrar um ensino de excelência? Por tudo o que vejo hoje, não acredito nisso. Se, por lei nacional, uma criança não pode ser reprovada, mesmo que não saiba ler, nem escrever, mesmo que não saiba nada do que foi ensinado, como se pode falar em excelência?

Além da criança não saber nada, ela ainda cresce com a certeza de que ela sempre poderá levar a vida na flauta. Os reflexos dessa lei já são vistos há vários anos. Há alunos de Ensino Médio que não sabem escrever. Seus cadernos estão repletos de garranchos. “Ah, mas é assim por causa da internet! Ninguém mais escreve.” Como não? Mesmo na internet precisa saber escrever. As pessoas não sabem mais nem o próprio idioma. Basta ver os comentários em posts nas redes sociais, sem falar dos erros crassos nos próprios posts. Falta conhecimento básico em tudo. Isso não é uma acusação. Isso é uma constatação!

Sabem o que acho mais absurdo nisso tudo? É essas pessoas mandarem os outros estudar quando estes tem uma opinião diferente. Todos os envolvidos escrevem errado e mandam os outros estudar. Dúvida: rir ou chorar? Considerando a gravidade, chorar seria o caminho mais certo.

Mas o que o título tem a ver com essa explanação, como também com a música citada no primeiro parágrafo? Tem tudo a ver. Eu já venho observando os problemas citados desde 2006, quando comecei a atuar em Portugal e eu ouvia as pessoas dizendo que os brasileiros falavam errado, que nós não falávamos Português, e sim, brasileiro. Eu não tinha me dado conta disso porque, por sempre ter sido ótima aluna, também de Português, eu não tinha dificuldades de me expressar bem e escrever corretamente. Mas, como foram várias pessoas que disseram a mesma coisa sobre os brasileiros, passei a prestar atenção. Sinceramente, eu me senti constrangida por constatar que eles não estavam errados. Erros gramaticais básicos eram e são cometidos, como se esse fosse o jeito certo. Se ficasse somente no campo da fala, até daria para fechar os olhos. No entanto, esses erros básicos são cometidos também na escrita. Também não haveria tanto problema se essa escrita não chegasse ao público, mas ela chegou.

Quando começaram os primeiros lançamentos no universo digital, o que mais saltava aos olhos nos textos de marketing era a mistura do tu com você, na mesma frase. Sob hipótese alguma, mistura-se esses pronomes. Ainda lembro do primeiro e-mail que recebi, contendo essa mistura. Logo me lembrei da música de Paulo Vinícius. O que ele cantou nas décadas de 70 e 80, concretizou-se.

Sabemos que o tu é mais direto que o você. O tu é mais informal e chega mais perto das pessoas. Porém, misturá-lo com o você ou misturar o você com o tu, tira a beleza do nosso idioma.

Se o tu chega mais perto do público, por que não adotar apenas o tu, como fazem os portugueses. Em Portugal, não se usa o você. Por que os brasileiros o adotaram? Passaria ele mais formalidade que o tu? Não, ele não é mais formal; ele só não é tão direto quanto o tu. Se ele fosse mais formal, não usaríamos o senhor e senhora para nos dirigir a pessoas de mais idade ou que, hierarquicamente, estão acima de nós nas empresas.

Quando se trata alguém por você, necessariamente temos de usar os pronomes seu/sua e esses não são tão diretos. O tu vai direto ao ponto. Vou dar um exemplo, através de uma estorinha: em certa empresa, o dono estava curioso para saber onde o seu gerente ia todos os dias na hora do intervalo de almoço, posto que tinha refeitório no local. Ele resolveu pedir para um funcionário segui-lo para ver se ele estava tendo algum problema. O funcionário assim o fez durante uma semana, a pedido do dono da empresa. Ao final da semana, o dono da empresa pediu que o funcionário relatasse o que descobriu. O funcionário relatou o seguinte: todos os dias, o Pedro pega o seu carro, vai para sua casa, almoça com sua esposa, diverte-se com a sua esposa, senta-se na sua poltrona, fuma o seu charuto e volta para a empresa. O dono da empresa, respirou aliviado e disse: que bom que ele não tem nenhum problema! O funcionário se manifestou dizendo: senhor, eu serei mais claro. O fato é o seguinte: todos os dias, o Pedro pega o teu carro, vai para a tua casa, diverte-se com a tua empresa, senta-se na tua poltrona, fuma o teu charuto e volta para a empresa. Conseguiram perceber como o tu é mais direto? Sendo direto, ele chega mais facilmente ao público desejado.

Sendo assim, está perfeito em usar o tu no marketing e marketing digital, mas o que não está certo é misturá-lo com você. Ou é um ou é outro. Pense na mensagem que você quer deixar e como você quer deixar essa mensagem. Se for para ser certeira, já sabe o pronome a usar e a conjugação verbal correspondente.

Não vim dar uma aula de Português, porém me peguei hoje cantarolando a música de Paulo Vinícius e achei que seria interessante escrever sobre o assunto, uma vez que ele quase que fez uma profecia na época. Também deixo o convite para a reflexão sobre o quanto não estamos preservando nosso idioma e o quanto isso pode estar produzindo ruídos na comunicação.

Envie-me uma mensagem para conversarmos sobre como resolver ruídos de comunicação na sua empresa. A comunicação clara faz parte da inteligência relacional. 

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