A mochila

A mochila


Minhas relações com o trabalho sempre foram muito sérias e o principal motivo disso veio de berço. Do meu pai. E é sobre esse homem metódico e repleto de conhecimento que falo hoje.

Meu pai se aposentou. Há duas semanas pediu demissão de uma empresa que atuou por mais de 20 anos. Antes dessa tomada de decisão foram dois meses pensando no impacto em nossa família. Afinal, 23 anos não são 23 dias. Ele é uma das referências do setor que atuava, o varejo de combustíveis há mais de 30 anos. Começou como lavador de carros em um posto, quando viemos do interior paulista para a capital sem lenço e sem documento. Lembro até hoje, nós quatro, em uma quitinete. Meu pai saía as quatro da manhã para trabalhar, voltava quando os dois filhos já dormiam.

Enfrentou toda a trajetória de quem começa de baixo: lavador de carros pela gorjeta, frentista, caixa, gerente, supervisor, até chegar ao escritório central. Perdi as contas de quantas festas de aniversário perdeu porque tinha que trabalhar. Quantos domingos ficou na pista de um posto quando poderia almoçar com a gente. Quantos dias acordou na madrugada para atender o telefone e resolver problemas da empresa. Lembro o quanto foi difícil para ele pegar a Fernão Dias para trabalhar enquanto sua neta nascia em SP – eu estava com ele naquele dia, enfrentando aquela estrada, porque só o meu celular recebia fotos MMS e eu queria mostrar a nossa pequena assim que viesse ao mundo. Eu posso contar nos dedos às vezes em todos esses anos que meu pai tirou 30 dias de férias para viajar com a família.

Meu pai se formou aos 50 anos, mas antes disso passou mais de duas décadas no dia a dia da gestão. Ele tem um conhecimento de mercado que muitos gestores atuais não valorizam. Desprezam com seus diplomas de faculdade de primeira linha, porque acham que conhecimento se adquire no bacharelado, no MBA e no inglês fluente. Pegar numa mangueira e abastecer o carro? Entender o dia a dia de quem está no fronte? Imagina, deixa para o frentista, não é mesmo? Geração de escritório e ar condicionado, que prefere gerir no poder do seu cargo.

Mas ele se aposentou aos 61 anos. E embora goste muito de trabalhar, a vida estressante corporativa te cobrou um preço alto. Em 2016 sofreu uma crise nervosa por trabalho que acarretou em uma doença que acometeu seus dentes: o diagnóstico foi estresse. Passou por um doloroso tratamento médico de meses sem comer direito, com dores. Tomou tramal...morfina, ficou de cama. Torceu o joelho enquanto trabalhava em outro estado, fez cirurgia, mas sempre se preocupou com o andamento das coisas na empresa. Ai veio o estalo: “Filha, preciso parar”, ouvi dele.

Mas, meu pai não gosta de ficar parado. E já virou empreendedor, porém tirou o pé do acelerador. Abriu uma pequena lanchonete, agora vende hambúrgueres e porções com o nosso toque mineiro, mas com a experiência de quem, por anos, soube vender gasolina como ninguém.

Hoje, um gesto simbólico me fez pensar em tudo isso: ele me deu sua mochila de laptop, que o acompanhou nestes últimos cinco anos. Parece pouco, mas para uma filha que o tem como inspiração foi muito. Uma vez fui entregar flores em um condomínio para levantar um dinheiro extra e ele me disse: “Filha, o conhecimento está na rua, no dia a dia, na atitude de fazer o melhor. O empenho e a dedicação em todo tipo de trabalho é o que vai te fazer a profissional valorizada do amanhã. No futuro, essa sua experiência será válida”.

É esse o legado de quem trabalha com amor ao que faz deixa.

Curta sua aposentadoria, pai. Você merece! Agora teremos, enfim, um réveillon juntos.


Igor Dias

Ajudo marcas e empresas a se conectarem aos seus propósitos por meio da comunicação corporativa e marketing

6 a

Eu deixei pra ler depois. Hoje me lembrei de passar por aqui! Bruna, que lindo isso! Eu acompanhei muitas destas ausências. A grande lição é que não importam os diplomas, os idiomas se o fator humano (também conhecido como garra e caráter) não for o ponto central. Lói não é um exemplo só para você não, viu? Essa mochila carrega uma bagagem de superação e de uma experiência que pouquíssimos têm! Parabéns por expressar isso tão bem! Vou falar com a minha mãe para conhecer esse lanche com toque mineiro! Se disser que sua mãe está envolvida aí eu vou mais rápido! hahahah beijo grande!

O que vem depois de fã?? Ainda não inventaram algo que seja maior que fã né, tvz ídolo, mas acho que ídolo fica para os filhos rsrs Eu admiro muito e sou muito grata e feliz por ter conhecido um homem tão honesto e íntegro como o "ti" Lói e que texto lindo Buh, parabéns pela família que vc tem e que não é a toa que todos amam

Diego Doi

Gerente de Projetos de Dados | Especialista em Transformação Digital | Líder de Equipes | Scrum Master

6 a

Seu pai é demais! Uma inspiração para todos nós!

Taís Faria

Coordenadora de Marketing | Branding | Comunicação | Endomarketing | Organização de Eventos | Campanhas

6 a

Maravilhoso Bruna! Ensinamentos que valem ouro! Infelizmente o que mais valorizam no mundo corporativo é um diploma, idioma, cargo, puxação de saco e esquecem de todo o conhecimento na prática que é adquirido. Vejo o meu pai no seu pai, nós temos sorte! Bjo frô...

Simone Diniz

Especialista em Assessoria de Imprensa - Jornalista - Mídias Digitais - Sustentabilidade

6 a

Que lindo! Parabéns!

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