Modalidade de trabalho - presencial, remoto e híbrido -, você já tem opinião a respeito?
O objetivo do texto é trazer membros e líderes de times para uma discussão saudável sobre esse tema polêmico.
Após um período de pandemia que colocou muita gente em regime de trabalho remoto, o retorno aos escritórios está dando o que falar.
O tema, polêmico e um dos mais discutidos no meio empresarial hoje, é complexo e envolve aspectos distintos. Falar sobre o tema requer dividi-lo em partes. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Publicações muito superficiais e genéricas confundem e prejudicam a discussão.
O tema voltou aos "trending topics" após suposto e-mail enviado por Elon Musk, a seu time executivo, exigindo retorno ao escritório por pelo menos 40h semanais. Na sequência, ele respondeu um tweet dizendo que quem não quiser voltar, que "finja trabalhar em outro lugar". O caso obviamente viralizou.
A questão "fingir trabalhar" é apenas uma parte da discussão sobre modalidade de trabalho. Na realidade, "fingir trabalhar" não é exclusivo do trabalho remoto, isso existe há muito tempo, no presencial e no remoto. Não dá para ser inocente e achar que isso não existe, assim como não dá para achar que isso é exclusivo do remoto. No trabalho remoto fica mais fácil de se esconder, mas novamente não dá para generalizar. Muita gente entrega muito no trabalha remoto, às vezes até mais quem está presencial. Também não dá para negar que essa é uma dor das empresas e dos líderes, principalmente para as grandes organizações. Quanto maior a empresa, mais gente é necessária e mais difícil é ter somente pessoas sérias e engajadas. Fingir trabalhar é uma parte da discussão e neste caso, uma questão grave de falta de caráter. Ouvindo relatos de empresas, especialmente em áreas com alta demanda de trabalho, como a de software, não é incomum pessoas com mais de um trabalho, fingindo que trabalham e pulando de galho em galho, enganando seus empregadores. Pode não ser a realidade da maioria dos times, mas o problema existe.
Outro aspecto da modalidade de trabalho não é uma questão de falta de ética, mas de produtividade. Nem sempre estamos com a produtividade elevada. Temos nossos períodos de alta e de baixa, faz parte da natureza. No entanto, a chance do time todo estar para baixo é pequena. Quando tem alguém para baixo, sempre tem alguém para cima. Trabalhar presencialmente ajuda a nos motivarmos uns aos outros. Isso parece funcionar especialmente bem para fundadores de novos negócios que se apoiam constantemente uns nos outros, para vencer o desafio que é colocar uma empresa de pé.
Ainda sobre produtividade, um relato comum em defesa do trabalho remoto é a produtividade individual. Na pandemia, quando fomos forçados a ir para casa, muita gente se tornou mais produtiva, conseguiu entregar mais, principalmente porque reduziram-se as distrações, as interrupções e o tempo com deslocamento. Isso é verdade. Olhando apenas para esse aspecto, não haveria porque não incentivar o trabalho remoto. No entanto, também é verdade que: (i) existe produtividade individual e produtividade coletiva; (ii) produtividade coletiva que não é a soma das produtividades individuais; e (iii) produtividade coletiva está relacionada a competitividade do time. Aqui reside a principal "disputa" entre liderados e líderes. O trabalho remoto favorece o indivíduo, enquanto o presencial favorece o coletivo. Ou seja, enquanto o liderado está mais para os resultados individuais, o líder está mais para os resultados coletivos. A questão é que o desempenho coletivo tem relação com interações (i) aleatórias e (ii) multidirecionais, as quais são reduzidas no remoto. A redução das "distrações" acabam sendo bom por um lado, mas acaba sendo ruim por outro.
Interações aleatórias
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A construção de um time entrosado e competitivo se desenvolve no dia a dia e passa por uma combinação de interações planejadas e não planejadas entre seus membros. Ou seja, as interações vão além das interações planejadas, na forma de videochamadas, mensagens e e-mails. Interações não planejadas são necessárias para desenvolver intimidade e conexão. Interações aleatórias e casuais acontecem no cafézinho, nas piadas, nos insights, naquela "batidinha" no ombro do colega, quando um colega ajuda o outro, ao se compartilhar as experiências da vida pessoal e por aí vai. Essa dinâmica, por enquanto, só ocorre bem no presencial, onde a relação é mais profunda e o período de exposição às aleatoriedades é maior. Aleatoriedades que estão relacionadas a criatividade e competitividade. Várias boas novas ideias surgem ao acaso. Serendipidade é o termo que se dá a esse fenômeno relacionado a descobertas afortunadas feitas, aparentemente, por acaso.
Interações multidirecionais
Além das interações aleatórias, as interações multidirecionais que o trabalho presencial permite também são um fator relevante. O ambiente presencial, por meio da propagação das ondas sonoras em todas as direções, permite que uma mensagem seja ouvida por múltiplos receptores, sem que o emissor tenha que criar canais de comunicação para isso. Em outras palavras, quando você fala no escritório, várias pessoas ouvem. Isso permite um compartilhamento de informações mais dinâmico e consequentemente dois benefícios práticos: (i) time mais alinhado com mais informações compartilhadas e (ii) economia de tempo com compartilhamento de informações.
Um outro aspecto da interação multidirecional também é relevante. Nós nos comunicamos não só por palavras, mas a linguagem carrega os nossos sentimentos. Nós compartilhamos constantemente nossas alegrias e tristezas e isso influencia diretamente a comunicação. Existem momentos no nosso dia a dia que a comunicação carregada de emoção é particularmente importante. A rotina de trabalho é feita de êxitos e frustrações. As frustrações, em particular, envolvem por vezes um processo que inclui frustração, aprendizagem, tomada de decisão e comunicação. É um processo em que a energia varia ao longo do tempo, a qual por sua vez influencia a comunicação. Em outras palavras, no ambiente presencial, quando um colega se frustra, os demais colegas conseguem ver, ouvir e acompanhar o processo pelo qual o colega passa, o que facilita a empatia. Isso significa que a comunicação do ocorrido e da tomada de decisão junto ao grupo é facilitada. Quando essa situação ocorre no trabalho remoto, os demais colegas não acompanham o processo, após algum tempo, "a poeira baixa" e a intensidade da comunicação diminui. Fica mais difícil e demorado comunicar e tomar as decisões. Você perde tempo e alinhamento do time.
Além destas interações aleatórias e multidirecionais, o contato mais próximo e prolongado dos membros do time ainda permite o desenvolvimento de relações de confiança e momentos de aprendizagem. Para os casos em que há times em desenvolvimento, processos em desenvolvimento e atividade pouco processuais, o contato prolongado é fundamental.
A dinâmica e as ferramentas do trabalho remoto disponíveis ainda não resolveram bem essas questões e não ficam longe da interação presencial. Talvez o trabalho remoto funcione bem para algumas áreas e algumas organizações, no entanto uma perda de competitividade pode não ser sentida no curto prazo e correr atrás do prejuízo depois pode ser difícil ou fatal. Alguns artigos defendem o remoto e alegam que trabalho presencial é coisa do passado, no entanto os times continuam usando as mesmas ferramentas do passado nesse "futuro". Ainda é necessário evoluir muito em termos de tecnologia e soluções para o trabalho remoto em time. É preciso desenvolver novas boas práticas de trabalho e realizar análises fundamentadas dos seus resultados. Algumas plataformas como o gather.town promovem essa dinâmica de trabalho em grupo, mas o engajamento do time na ferramenta e algumas questões tecnológicas (i.e. memória e processamento) são desafios de sua adoção.
Infelizmente muitas organizações estão reféns da situação. A pandemia alterou a dinâmica de trabalho e revertê-la não está fácil. Apesar de não parecer, organizações são condições sociais sensíveis e a gestão das expectativas das pessoas é uma arte. Gerenciar times e manter a estabilidade do negócio é um desafio. Apesar de desejarem o retorno do trabalho presencial, muitos líderes não o conseguem por questões de turnover e caixa. Grandes empresas com caixa e marca, como Facebook, Google e Tesla, já mobilizaram os times para o trabalho presencial. No entanto, a maioria das empresas não tem isso.
Modalidade de trabalho é um tema delicado que os times, compostos por liderados e líderes, devem discutir de forma mais embasada e empática. Independente de qual posição seguir, você luta sozinho ou você luta em time? Se até times de e-sports (esportes virtuais) treinam presencialmente há muito a aprender sobre esse tema.
Branding e Empreendedorismo
2 aÓtimo texto Pedro. Confesso que não tenho opinião formada, apenas relatos sobre o atual momento. Estou tratando isso como um tema perene e analisando constantemente. Hoje para nós o trabalho remoto está sendo a melhor opção, mas assim como antes trabalhar remotamente era algo impensável, como vivemos as duas realidades e temos subsídios para avaliar cada modelo. Sempre levando em consideração nosso modelo de negócio e respeitando a individualidade de cada um do time. Em resumo nada resolvido...kkkk, o que vai fazer a diferença na minha visão e estar atento e buscar corrigir possíveis erros sem se apegar ao modelo de trabalho.
CEO e Fundador da WTTI Sistemas
2 aParabéns Pedro, Muito consistente e realista seu artigo!
Project Manager & Web Performance Specialist
2 aMuito bom! Este foi o primeiro artigo que li que destrincha a fundo esse tema, trazendo praticamente todos os pontos possíveis e discorrendo detalhadamente cada ponto. Uma leitura necessária em tempos nos quais as pessoas formam suas opiniões baseadas apenas em outras opiniões