Morar no exterior: uma viagem para dentro de mim mesmo

Era uma tarde de sábado, dia ensolarado em Lisboa, e eu me peguei pensativo olhando pela janela do meu quarto como se a ficha não tivesse caído sobre o que estava acontecendo. Esse seria um dia normal, se não fosse a minha despedida dos que foram até aqui os melhores dias da minha vida, a minha primeira experiência de intercâmbio.

Cada peça de roupa colocada na mala me trazia um turbilhão de emoções, pois me fazia lembrar os dias incríveis que vivi. Foram sete meses intensos, marcados por muitas descobertas, sobretudo sobre mim mesmo. Eu acreditava que o fato de já morar fora da casa dos meus pais no Brasil me fazia uma pessoa preparada para os desafios com que eu viria enfrentar, mas me dei conta de que do outro lado do oceano a vida funciona em um ritmo diferente, e se reinventar é regra.

No intercâmbio muitas vezes foi preciso abrir mão dos privilégios que eu tinha no meu país e compreender que abdicar de certos hábitos antes inegociáveis faz parte do processo de crescimento. Hoje, por exemplo, quando me perguntam se fiz graduação sanduiche eu respondo que sim, pois quase todos os dias os sanduíches fizeram parte das minhas refeições. Não que essa seja uma alimentação ideal, mas foi uma das formas que eu encontrei para economizar.

Morar no exterior me tirou completamente da minha zona de conforto. Tem dias que queremos jogar tudo para o alto, a saudade bate, as diferenças culturais aparecem, o dinheiro fica pouco. É a hora que entra a disciplina e o propósito de estar fazendo aquilo. A visão que se tem de morar no exterior é romantizada, poucos falam que chorar no chão do banheiro para recuperar as forças é algo que pode acontecer.

Certa vez me disseram que o crescimento dói, e como dói!

Isso me fez mais forte, isso me fez mais consciente das minhas fragilidades, mas também me mostrou o quanto eu sou adaptável e capaz de superar adversidades. No fim de cada problema resolvido eu vi o quanto eu me tornava resiliente. É um processo de autoconhecimento diário.

Apesar das dificuldades, muitos momentos inesquecíveis aconteceram na minha vida, coisas que certamente contarei para os meus filhos e netos. Eu pude reafirmar nesse período o quanto as pessoas são importantes. É tudo sobre pessoas, elas quem tornam os momentos memoráveis. Eu vivi em uma residência com aproximadamente 200 estudantes de todos os lugares do mundo. Apesar das diferenças culturais, todos deixamos de lado nossas verdades e passamos a fazer mais perguntas, e isso nos permite conhecer o mundo sob uma ótica diferente da nossa.

O meu natal até o último ano havia sido passado sempre em família, mas a vida é uma caixinha de surpresas e me colocou diante de mais outros intercambistas também longe das suas famílias e junto partilhamos o momento, deixando de lado crenças e credos. Alguns ali nunca haviam comemorado um natal.

Ao final dessa jornada hoje vejo que sou uma pessoa completamente nova, com uma visão de mundo diferente da que tinha antes de o ver com meus próprios olhos. Morar no exterior é, sobretudo, uma viagem para dentro de si mesmo, olhar para pontos na nossa vida que até então nunca haviam sido explorados. É reconhecer que podemos ser pessoas melhores, fazer mais e dar mais valor para aquilo que temos.

Se eu faria algo de diferente? Sim, teria feito tudo isso muito antes. Estar aberto ao novo é fundamental.

Aliás, quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?