A Morte da Companhia Fechada e a Nova Limitada (publicado originalmente no Jota)
A Sociedade Anônima “SA”, em seu presente formato, foi instituída no sistema jurídico brasileiro pela Lei 6404/1976 (Lei da SA) com a intenção de atrair a poupança privada para o investimento no incipiente mercado de capital brasileiro e com o intuito de garantir maior segurança aos investidores minoritários e anônimos.
Apesar do texto original da Lei da SA vislumbrar a distinção entre “Companhia Aberta” e “Companhia Fechada” e que, ao tempo do advento de tal lei, já existir no ordenamento jurídico brasileiro a figura da “Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada”, atual Sociedade Limitada, verifica-se que, atualmente, grande parte das Companhias Fechadas são, na verdade, sociedades de pessoas travestidas de sociedade de capital[1], sendo que os principais objetivos daqueles que optam por tal modalidade societária são a ocultação (ou tentativa) de sua participação societária, a busca por financiamento de suas atividades por meio de emissão de instrumentos financeiros como partes beneficiárias, bônus de subscrição e debêntures[2] e/ou assegurar aprovação de deliberações societárias importante por maioria simples de votos.
É sabido que a constituição e manutenção de uma Companhia Fechada é muito mais onerosa do que a de uma Sociedade Limitada, exigindo publicações de seus atos em jornal de grande circulação e no Diário Oficial do Estado de sua sede, o que, em princípio, proporcionaria uma maior transparência em relação aos seus atos. Na prática, no entanto, visando justamente à redução de tais gastos, as Companhias Fechadas ou omitem a ocorrência de qualquer reunião de seus órgãos (descaracterizando a necessidade de eventual publicação de deliberação) ou o fazem de forma parcial ou esparsa, gerando, inclusive confusão em relação à vigência de disposições e nomeações.
Em relação ao tão desejado anonimato, parece que seus dias estão contados. A tendência do Direito moderno é no sentido de transparência e acesso à informação no que tange à participação e controle societário, visando o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no Brasil e no mundo. Neste sentido, a Instrução Normativa nº 1.684/2017 da Receita Federal, que passou a vigorar a partir de 01/07/2017 para novas sociedades[3], obriga a identificação da cadeia de participação societária de uma pessoa jurídica, incluindo as Companhias Fechadas, até o seu beneficiário final.
Destarte, no mundo cibernético e digital de compartilhamento instantâneo de conhecimento, informações e experiências, a ideia de livros físicos cujas informações não são levadas a registro, que podem ser facilmente falsificados e cujo acesso ao público em geral, incluindo aos próprios acionistas minoritários, pode ser restrito, e que serviriam como prova da titularidade de ações que podem valer bilhões, é algo difícil de explicar para a nova geração de juristas e empresários.
Neste diapasão, verifica-se uma relativização do anonimato no bojo da própria Lei da SA com a disposição trazida pelo § 1º do Art. 100, que foi introduzida pela Lei 9.457/1997, ao determinar que: “a qualquer pessoa, desde que se destinem à defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal ou dos acionistas ou do mercado de valores mobiliários, serão dadas certidões dos assentamentos constantes dos Livros referidos nos incisos I a III...” que seriam os Livros de Registro de Ações Nominativas, Transferência de Ações Nominativas e Partes Beneficiárias Nominativas[4].
Do outro lado, vislumbra-se uma evolução normativa no tratamento jurídico das Sociedades Limitadas nos últimos anos, sobretudo com a recente Instrução Normativa 38/2017 do Departamento de Registro Empresarial (DREI) e Integração que estabeleceu a possibilidade de se criar quotas preferencias na Sociedade Limitada a partir de 05/2017, o que só era antes possível para Companhias, diluindo ainda mais as poucas vantagens do uso da Companhia Fechada. Outrossim, nota-se também uma maior disseminação na utilização dos órgãos de Conselho de Administração e Conselho Fiscal nas Sociedades Limitadas, também antes adstritos às companhias, proporcionando uma mais robusta estrutura de governança corporativa para aqueles que assim o desejam.
Assim, evidencia-se que a tendência de substituição das Companhias Fechadas pelas Sociedades Limitadas, que gracejou nas últimas décadas, continuará seu trajeto no ordenamento jurídico brasileiro até o total desuso de tal tipo societário, cujos conceitos, custos e regras rígidas e formais parecem em dissonância com a dinâmica das atuais práticas comerciais. Neste sentido, é primordial que os legisladores e entes da Administração Pública continuem sua atuação para o aperfeiçoamento das regras pertinentes à Sociedade Limitada, incluindo a possibilidade de emissão de debêntures, flexibilização de seus quóruns de deliberação e outros avanços importantes que contribuirão para a evolução do Direito Societário brasileiro.
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[1] Neste sentido, o STJ já se manifestou sobre o tema no REsp 111.294, rel. Min. Castro Filho, j. 28.06.2013.
[2] Há uma divergência doutrinária em relação à possibilidade de emissão de debêntures pelas Sociedades Limitadas, sendo que, na prática, tal emissão é inexistente, o que o PL 6.322/2013 visa sanar.
[3] E cuja data limite para adequação pelas sociedades já existentes está prevista para 31.07.2018.
[4] Neste sentido, parece que a intenção do legislador foi restringir a aplicação do Art. 105 da lei da SA, que determina que só aqueles acionistas que detêm no mínimo 5% do capital social podem requerer judicialmente a exibição por inteiro dos livros da companhia, aos demais livros sociais.