Mr. SHAMPOO - O que importa é a paixão.
Uma revolução na atitude de compra das mulheres impõe, ao marketing da indústria cosmética, a ampliação da percepção do imaginário das consumidoras. Carlos Machado, o homem que já lançou centenas de produtos capilares no mercado, mostra como enfrentar este movimento usando a emoção para encantar e seduzir estas mesmas mulheres.
Sem dúvida, ele é um dos profissionais de marketing de maior sucesso dentro do segmento cosmético nacional. E isso se deve, principalmente, à emoção que coloca no seu trabalho e em tudo que faz. Carlos Machado, esse fluminense de Valença, pai de três filhas, sempre esteve rodeado por mulheres, com as quais tem uma relação feminista e de onde diz retirar toda a percepção que aplica no seu trabalho. Com inúmeros trabalhos realizados para diversas empresas, na reformulação conceitual de suas imagens e de seus produtos, possui um currículo respeitável construído com muita persistência e paixão.
Qual a diferença, do ponto de vista do marketing, entre vender para as mulheres e vender para os homens? As mulheres tendem a ser consumidoras muito receptivas, mais inspiradas que os homens, e reagem muito bem a uma novidade e por isso a questão da inovação é muito mais importante no mercado feminino, elas adoram produtos novos. Os homens se mostram mais indiferentes a novidades neste segmento.
O que uma empresa deve buscar para melhor ser entendida pelo público feminino? A empresa que não pretenda ter surpresas negativas ao lançar produtos para o segmento feminino, deve buscar o diálogo com as mulheres, se possível contratar o maior número de profissionais do sexo feminino para realizar o projeto. Afinal, ninguém entende mais delas do que elas mesmo. Entretanto, é importante deixar uma ressalva, já trabalhei com muitas mulheres, que para fazerem frente à concorrência masculina, se endureceram e se masculinizaram de tal modo, do ponto de vista comportamental, que devem ser relocadas o mais rápido possível para longe desta área sensível, delicada e que independe de cérebros racionais e capatazes.
As mulheres de hoje são mais exigentes do que eram as suas mães? O ingresso das mulheres na força de trabalho revolucionou o mercado consumidor, pois as mulheres adquiriram novos comportamentos. Deixaram de ser simples donas de casa para serem também independentes, ousadas, bem informadas, céticas e extremamente exigentes.
Que tipo de premissa básica deve ser usada na construção de conceitos de produtos? Moda e arte são matérias relevantes na constituição e compreensão do imaginário das clientes. A primeira pela busca constante da modernidade, a segunda por que pode conduzir o produto para além da sua condição funcional para o universo emocional. Mas a principal e mais importante premissa é usar sempre da verdade. No passado, a indústria cosmética vendia somente o sonho de que, usando o produto, a consumidora se transformaria na mulher mais linda e sedutora do mundo. Hoje, as mulheres sabem que isto não é verdade. Têm uma percepção profundamente analítica, eu ousaria dizer que quase científica, querem saber se realmente existem os atributos prometidos e se os ativos são funcionais. Se garantimos uma ação é preciso que esta se realize, caso contrário da próxima vez ela optará por um produto concorrente. As informações e inúmeras opções à disposição no mercado, tornam as mulheres mais críticas a respeito da eficiência do produto. A comunicação deve só preparar o terreno para que haja o desejo, o produto deve dispor de tecnologia suficiente para cumprir o que promete. A beleza embora subjetiva, se baseia em critérios objetivos expressos nas promessas e características dos produtos. O sonho deve vir carregado de credibilidade.
Que tipo de equívoco você diria que ocorre com mais frequência? O equívoco maior está na comunicação. As empresas de cosméticos que querem vender para as mulheres, precisam acabar com antigos estereótipos. Uma empresa dirigida ao público feminino, deve antes de tudo, ter alma de mulher e falar de mulher para mulher. Durante uma feira cosmética vi uma empresa que estampava em sua marca um slogan que dizia: “Nós entendemos a cabeça das mulheres”. Além de ser uma frase inegavelmente masculina, dita por um homem, pode deixar dúvidas quanto ao que se refere, principalmente porque as mulheres estão acostumadas a ouvir este tipo de frase acompanhada de adjetivos preconceituosos e depreciativos. A princípio, a frase propõe uma verdade mas acaba revelando uma mentira. A empresa deve procurar conhecer melhor as mulheres e a primeira lição deve ser a de desafiar todos os preconceitos em relação a elas e mergulhar na percepção que elas tem de si mesmas e de seu papel na vida. Devem vender a emoção delas não as da empresa.
Quando uma mulher compra um produto de beleza o que ela está buscando realmente? Em primeiro lugar, ela está recarregando a sua autoestima . Quando uma mulher deixa de lado todos os seus afazeres, seus traumas e seus problemas do dia a dia para escolher um produto cosmético numa gôndola de supermercado ou em casa junto à sua demonstradora, é um momento particular, somente seu, único e íntimo no qual ela se esquece de tudo, se autovaloriza e pensa somente nela própria. Desta forma, observamos que as mulheres mais do que nunca, tem buscado motivação para satisfazerem a si mesmas antes do que qualquer outra coisa sem se preocuparem, como antes, em primeiro lugar com as outras pessoas. A L'Oreal usava um slogan que define muito bem esta intimidade: “Porque eu mereço.” É uma atitude de autorrecompensa pelo o que ela é e pelo o que ela faz. Não devemos perder de vista essa necessidade básica da mulher e procurar cada vez mais oferecer produtos que possam realmente tratar e realçar as suas belezas naturais, sem levá-las a desilusões e fantasias impossíveis.
Mesmo produtos como xampus, que fazem parte da sexta básica mensal, devem conter este tipo de apelo emocional? A emoção deve estar contida em tudo que se faz na vida, e até mesmo os produtos de higiene pessoal como xampus devem explicitá-la. Não devem ser considerados somente como os produtos tradicionais de consumo, que se compra outro porque o velho acabou. As mulheres não compram xampus por esta razão. Compram porque o que está em uso criou depósitos e não funciona mais, são atraídas por um novo conceito, um novo ativo ou uma nova moda. Um negócio de compra por impulso onde a emoção tem um significado importantíssimo.
Por que muitas empresa não demonstram em seus produtos essa percepção do mercado feminino? Todo empresário tem sua ótica voltada para a lucratividade, o que não deve ser considerado um erro, pois este é o objetivo fim de todo empreendimento. Infelizmente uma grande parte deles, principalmente aqueles que iniciaram o seu negócio de maneira muito simples e sem formação específica, por não terem uma visão modal e estética do tema, deixam de priorizar o produto em si para priorizar os aspectos econômicos, lançando produtos sem pesquisas, conceituação e qualidade. Na maioria das vezes não é uma questão de má intenção e sim de falta de informação. Deveriam considerar vital em primeiro lugar atender os anseios das suas consumidoras, para depois pensar em lucros, pois uma coisa é consequência da outra e neste segmento de mercado, em particular, a ordem dos fatores altera significativamente o resultado. É importante ressaltar que os produtos mais revolucionários e de maior sucesso, foram aqueles idealizados por puro prazer de criá-los, antes de qualquer coisa. Se você não colocar no seu produto todo o cuidado do mundo e não o fizer com paixão, dificilmente terá bons resultados.
Qual a sua sugestão para que as empresas possam se adequar a estas condições? As empresas que conseguiram colocar os seus produtos no mercado sem estas condições básicas, devem procurar dotar rapidamente a sua estrutura corporativa de capacitação técnica, estética e emocional, pois de nada adianta o empresário ser trabalhador, valente, entusiasmado, ter boa vontade e chegar onde chegou, é preciso mais do que isto para passar deste ponto, é preciso de ajuda e uma das maneiras é se fazer rodear por profissionais inspirados, capazes de criar verdade, encantamento, magia e emoção, mesmo que mudem todas as regras, quebrem os paradigmas e o façam ranger os dentes. Só assim a empresa poderá romper a barreira da adequação e construir produtos de sucesso. É bom lembrar que sedução é mais arte do que ciência.
E quando a sedução decepciona? O empresário deve colocar o seu produto na mesma condição que ele se colocaria como homem para conquistar uma mulher, dotá-lo antes de tudo de uma boa imagem e uma história apaixonante. Mas não deve se esquecer que se a consumidora o aceitar, na sequência passará para o contato íntimo, irá tocá-lo, cheirá-lo e passá-lo no seu corpo e se ela gostar será fiel, caso contrário, se a propaganda for enganosa, vai trocá-lo por outro na primeira oportunidade.
O que você considera como o trabalho mais complicado nesta reformulação de conduta empresarial? No meu ponto de vista, em particular, é a mudança da cultura. Passo a maior parte do meu tempo matando dragões do que construindo castelos, e sempre o ataque vem da própria empresa que me contrata, comandado pelo fiel pelotão de escudeiros preservadores da mesmice. A mesmice detesta qualquer mudança até porque isto gera um trabalho de readaptação, onde nem todos sobrevivem. Em um ambiente formal e estático as pessoas criativas acabam se chocando com os estreitos conceitos e regras estabelecidas, e como fazem uma exposição clara de suas emoções e de seu perfeccionismo, são considerados estranhos, egocêntricos, prepotentes e intransigentes, a primeira reação é a tentativa de desacreditar, desmoralizar e expulsar. O processo só é revertido após o sucesso comprovado do trabalho. A elevação do faturamento é a melhor arma contra dragões, os mata imediatamente.
Que tipo de pessoas da empresa acaba sobrevivendo a esta transformação? São as pessoas comprometidas com a mudança e que não tem medo de inovações, as outras não são capazes de ultrapassar o limite entre ontem e o amanhã e infelizmente tem de ser retiradas do caminho. Em criatividade, como em todas as atividades humanas, a disciplina é necessária mas talvez em nenhuma outra o caos deva ser tão estimulado como nela. A maioria das pessoas tem muitas dificuldades em aceitar o novo porque são ensinadas a serem certas e a não transgredir normas, e isto provoca a estagnação da empresa. As vezes é preciso encorajá-las a ultrapassarem os seus limites, é como disse um ex-corredor de automobilismo: “se as coisas parecem estar sob controle é porque você não está dirigindo com a velocidade necessária”.
Toda inovação carrega um grande risco de não dar certo. O que você pensa disto? Só tropeça quem está andando. Em criatividade o maior exercício é o de assumir riscos e quem não ousa ou se arrisca, nunca será capaz de mudar nada.
Você acredita que uma empresa constituída só por criadores seria a empresa dos sonhos? Os criativos não podem edificar seus sonhos sozinhos, eles dependem de uma equipe talentosa para concretizá-lo. Para que a emoção se torne realmente um sonho nas mãos do consumidor, precisa que todas as atividades da empresa, desenvolvimento, finanças, produção, comercialização, distribuição e pós-venda estejam harmonizadas como numa orquestra, caso contrário pode virar pesadelo. O sonho nasce da sensibilidade estética do criador, mas o seu sucesso depende de colaboradores capacitados, que estejam unidos pelo sentimento de gerar lucros sem comprometer a qualidade estética e emocional.
Qual é o momento mais difícil na criação de um produto? Ao desenhar um novo produto a parte mais difícil para o profissional não é descobrir o novo, e sim esquecer o velho, pois para que o novo aflore o velho tem que dar o seu lugar. Quando os dois tentam coexistir ao mesmo tempo o resultado não surpreende. Tem muita gente que não percebe e continua tentando pintar o futuro com as tintas do passado.
As empresas grandes e mais organizadas tem uma capacidade maior de criação? Não se mede o poder criativo de uma empresa pelo seu tamanho ou pela sua organização, e sim pela sua capacidade de entender e conviver com o processo criativo. As organizações são especialistas em sufocar a criatividade e uma coisa indiscutível é que a criação se paralisa quando existe opressão ou regras.
O que uma empresa deve fazer para criar um ambiente criativo? Deve estabelecer um ambiente apaixonado, onde ofereça liberdade suficiente para que todos possam tentar sem o medo de fracassar.
• Entrevista publicada pela Revista Atualidade Cosmética