Mudanças climáticas devem ser variáveis obrigatórias na infraestrutura urbana
Concresul/Divulgação

Mudanças climáticas devem ser variáveis obrigatórias na infraestrutura urbana

Artur Cesar Oliveira *

Em toda parte do mundo, testemunhamos cenas marcantes de eventos climáticos cada vez mais extremos, causando mortes, problemas de saúde e incontáveis perdas materiais. Casos como o do Rio Grande do Sul nos mostram que não podemos esperar as tragédias acontecerem para agirmos. Os efeitos já são sentidos diretamente pela camada menos favorecida da população, em áreas que apresentam falhas ou equívocos na infraestrutura urbana e saneamento precário.

Observa-se esforços nas três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal), embora as ações concretas fiquem mais distantes ou fora da agenda dos municípios - onde acontecem os efeitos das mudanças climáticas, sejam eles pequenos ou grandes, agrupados ou não para além das regiões metropolitanas. Muitos seguem sem programas de saneamento básico ou planejamento ambiental, que envolvam políticas públicas focadas em minimizar os impactos negativos desta nova realidade. É localmente que as devastações acontecem.

Está na hora de integrar expressões usadas nos segmentos da Engenharia no vocabulário de autoridades, legisladores, técnicos e da população, para que compreendam que a cidade precisa ser revista e redesenhada na sua função original. Não é “só” o sistema de drenagem que deve passar por modificações para suportar fortes chuvas, mas há uma série de equipamentos, leis e estruturas a serem consideradas em ações corretivas, preventivas e preditivas.

É importante que as ações corretivas estejam na ponta do debate entre os municípios, com estudos para reverter práticas já consagradas de ocupação de encostas, margens de rios e lagos, e áreas de preservação. Em caráter emergencial, precisamos considerar iniciativas como: o desassoreamento de canais; a limpeza de rios e lagos; a dragagem de canais e bueiros e a manutenção de comportas, quando aplicável; obras de contenção e desvios de águas pluviais; e implantação de piscinões e sistemas de alarmes.

Os Planos Municipais de Saneamento Básico, obrigatórios pela Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007), exigem mecanismos públicos para definir diretrizes de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos e manejo de águas pluviais. No entanto, pouco adianta se são feitos apenas para o cumprimento da legislação e raramente têm aplicabilidade prática. Caso fossem levados a sério, com obras executadas, muitos dos efeitos que as cidades vivem hoje poderiam ser drasticamente minimizados. Cerca de 80% delas não estão engajadas nos programas de redução ou mitigação de gases de efeito estufa, como se estas fossem metas apenas globais, federais ou estaduais.

Para as ações preventivas, a serem estabelecidas localmente, é fundamental coibir ocupações irregulares e incentivar projetos de engenharia e sistemas de drenagem urbana que considerem novos parâmetros de avaliação de volumes de chuva, a partir de informações atuais e não de séries históricas que não condizem mais com a realidade. Ainda, devemos exigir a implantação de inventário arbóreo para atingir metas de redução de temperatura e efetuar o levantamento de fontes de gases de efeito estufa, com estratégias de minimização no sistema de mobilidade, agricultura, gestão de resíduos sólidos e demais atividades urbanas.

É necessário, na medida do possível, antever consequências negativas e trabalhar com ações preditivas, a fim de reduzir danos futuros. É imprescindível que legisladores, autoridades governamentais, técnicos e a sociedade civil se unam com ferramentas gerenciais de controles ambientais, para que cada nova lei, mudança de zoneamento urbano ou implantação de medidas mitigadoras sejam tomadas com bases sólidas do conhecimento científico.

Por fim, nada disso é viável sem mecanismos financeiros que fomentem programas ligados às mudanças climáticas, em complemento a ações de saneamento. São mecanismos que devem voltar a instigar o mercado de carbono para que tenha condições de financiamento, além de atrair recursos internacionais para projetos no Brasil e em outros países em desenvolvimento.

Não se pode esquecer que as cidades são sistêmicas e cada medida tomada hoje a favor da infraestrutura urbana e da população pode melhorar as condições de vida futuras. O que parecia uma realidade distante, de tragédias e destruição, já está acontecendo. Cabe a nós conduzir, em todas as esferas, a mudança de rota.

*Artur Oliveira é especialista em Gestão Ambiental, Infraestrutura Urbana e diretor da Promulti

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