Muito além de Sula Miranda: o que o movimento dos caminhoneiros pode nos ensinar sobre Branding.
Primeiramente, deixo claro que eu não tenho nada contra Sula Miranda e seu hit, Caminhoneiro do Amor, de Joel Marques. Deixo claro também, que não pretendo fazer nenhum manifesto contra ou a favor desse movimento legítimo, que marcou época no Brasil. Esse artigo tem como objetivo elencar alguns aspectos que podem ajudar você a entender melhor do que se trata e o que é Branding, na prática.
Para iniciar, pergunto: qual era a imagem do caminhoneiro, no Brasil, até o mês de maio de 2018? Muitos conheciam o caminhoneiro pela letra da música da cantora Sula Miranda, “sai de madrugada, traz uma carga de saudade na chegada”, e só. Outros, enxergavam o caminhoneiro pela ótica da estrada: aquele que dirige de forma agressiva e que atrapalha o transito nas rodovias. A verdade, é que maioria dos brasileiros desprezava a classe dos caminhoneiros, profissionais que dormem na rua, não tem onde comer, dormir, tomar banho e estão sujeitos à insegurança, ou seja, um ofício sofrido e sem nenhum “glamour”.
Somente após os impactos da paralisação, que incluíram a redução da frota de ônibus em várias cidades, falta de combustível em postos de gasolina, disparada de preços em postos, o cancelamento de aulas em universidades, voos ameaçados por falta de combustível, estantes vazias em supermercados e centros de abastecimento e a interrupção da produção em fábricas é que muitos perceberam e passaram a valorizar o papel do caminhoneiro.
Hashtags pipocaram na internet, entre elas #soucaminhoneiro. As imagens nos perfis das redes sociais foram trocadas pela imagem de um caminhão. Essas iniciativas voluntárias em apoio ao profissional da estrada são resultado de práticas que aplicamos em empresas como forma de atribuir valor à imagem da organização e, consequentemente, obter o engajamento dos consumidores às propostas das marcas. São elas:
1. Partir da identidade: propósito
'Não é só pelo diesel'. Essa foi a premissa básica das reinvindicações dos caminhoneiros, e que ganhou adeptos, como os motoristas de aplicativos. O atributo mais comum entre marcas fortes, entre todos os grandes “cases” de branding, é ter uma visão crítica, questionadora, sobre o mercado. Cerca de 70 motoristas do Uber se juntaram à manifestação durante a quinta-feira só no Rio, usando como palavra-chave nas redes sociais o hashtag #somostodosmotoristas. Quando uma marca conhece seu mercado e tem um propósito, uma opinião, ela tem condições de propor o novo, o inesperado. E é isso que os clientes esperam: um especialista que possa trazer o que existe de novo.
2. Experiência: ponto de contato
Uma marca só acontece de verdade e se torna real quando interage e entrega uma experiência a seus públicos, em qualquer que seja o ponto de contato e não apenas pela via da comunicação. Os caminhoneiros conduziram o movimento, de seu pensamento inicial, sua intenção estratégica, até seu “momento da verdade”. Uma marca não existe apenas na cabeça de seus gestores, na intenção de realizar algo ou passar uma mensagem bonita. Ela precisa ir para o mundo real e mudar comportamentos de clientes, prospects, funcionários, investidores, governos, imprensa, entre outros. E foi o que aconteceu. Sem medo das consequências, ou melhor, preparados para elas, os caminhoneiros mantiveram-se firmes. Sandro Gonçalves, da Associação das Empresas de Transporte de Combustíveis e Derivados do Estado do Rio de Janeiro, pediu apoio e compreensão à população. Afirmou que os manifestantes passariam o tempo que fosse necessário na rua, e se preparava para virar mais uma noite. "Ficar uma semana sem dormir não vai fazer falta".
3. Pensar em vários públicos ao mesmo tempo.
A mensagem dos caminhoneiros era clara e as reinvindicações pontuais. Isso é um ensinamento de branding. Não importa com quem a empresa esteja falando, não importa a situação: a mensagem precisa fazer sentido e ser consistente para qualquer público. Sem uma mensagem alinhada, a marca corre o risco de se tornar “esquizofrênica”, enviando mensagens diferentes para cada público. Várias entidades e associações se identificaram com o tema proposto pelos caminhoneiros, por isso, não existiu uma organização que pudesse ser apontada como líder da paralisação - na verdade, a proposta de greve começou a circular de forma espontânea em redes sociais e grupos de WhatsApp de caminhoneiros.
4. Linguagem integrada.
Quando o movimento ganhou as ruas e o apoio da população, surgiram vários vídeos com a imagem de um caminhão e a hashtag #somostodoscaminhoneiros. Essa imagem identificava o movimento e aqueles se se simpatizavam com ele. Toda marca possui uma estética, ou seja, emite sinais visuais e de comportamento para seus públicos, buscando construir uma imagem. Esta linguagem aparece na comunicação publicitária. Perceber que a todo momento sua marca está “conversando” com seu público é uma prática central em branding.
Concluindo, a percepção de valor da marca dos caminhoneiros mudou no momento em que o propósito, relevância e linguagem integrada do movimento alcançaram o apoio da população, mesmo impondo restrições no abastecimento. Os caminhoneiros se mostraram autênticos, legítimos, assumiram sua linguagem, seu jeito de ser. Foram transparentes com a população e exigiram transparência do governo, ou seja, foram audaciosos e engajados. Muito diferente da imagem de “personagem de hit”, os caminhoneiros alcançaram o prestígio de quem tem algo a mais a dizer. A classe apostou no jeito de ser de reivindicar dos seus membros e fez da resistência, a marca do “novo” aos olhos atentos dos cidadãos do nosso país.
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6 aAdorei 👏🏽👏🏽
Assessora de Relações Públicas
6 aMuito bom, Neire! Raciocínio claro na relação teoria/prática. Adorei!
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6 aUma ótima análise, reli algumas vezes em momentos diferentes do dia, a medida em que os fatos vão acontecendo, fica cada vez mais lógico. Obrigado por compartilhar conosco! 😊
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6 aÓtimo artigo Neire 😉