As mulheres invisíveis

As mulheres invisíveis

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Há exatamente dois anos atrás eu recebi o meu diploma aos meus 21 anos de idade. Foi um dia marcante, para mim e de muita emoção para minha família, pois sou a primeira mulher a ter cursado um ensino superior. Mas, o dia 28 de Janeiro também marca o início de uma luta, e a minha entrada para uma nova estatística (mais uma). 

Eu faço parte dos 23% das mulheres que deixaram o trabalho para cuidar de algum parente ou filho, segundo dados da CNI/Retrato da Sociedade Brasileira de 2016. Em um estudo da Oxfam, de Janeiro do ano passado (2020), nós mulheres somos 75% de todo o trabalho de cuidados não remunerados do mundo, somos invisíveis para o mercado de trabalho e constantemente desmerecidas.

Sou a filha caçula de mais três irmãos. Minha mãe, que neste ano já completou seus 80 anos, começou a não ter mais tanta independência de uns anos pra cá. Eu sabia que o meu cuidado para com ela deveria ser maior. Ao final de 2019, ela teve uma queda em casa e passou três meses para se recuperar totalmente. No dia do ocorrido, um dos meus irmãos disse para mim que eu deveria estar em casa cuidando dela. Eu, naquele dia, estava fazendo um curso de costura para conseguir algum tipo de renda extra para casa. 

Sua recuperação foi uma época de muitos cuidados e muita paciência. Sem uma boa rede de apoio eu me via exausta, e mesmo aparecendo algumas poucas oportunidades não daria para conciliar, eu não tinha estrutura mental para arcar com mais uma responsabilidade, e o mais crucial de tudo, eu não tinha tempo. Além da minha mãe, minha tia, de seus 77 anos com um quadro crescente de Alzheimer, mora conosco. Na minha época de faculdade nós só podíamos pagar uma auxiliar para o cuidado da casa e eu cuidava delas em todo que fosse necessário. 

Quando fizemos um plano e vimos na ponta do lápis o que poderia ser gasto com uma auxiliar para limpeza da casa e cuidadoras para ambas, percebemos que tínhamos que economizar, cortar gastos. Essa era a única chance de eu poder voltar aos meus estudos e ao mercado de trabalho. Mentalizando isso, em Janeiro de 2020 iniciei uma pós-graduação na área da minha formação.

Mas chegou a pandemia no mundo, e deixou, o que já era uma rotina cansativa, muito mais exaustiva. Além dos cuidados com elas, veio o cuidado com a casa, com contas, até 4 dias que passamos sem água e luz, por conta de uma construtora. Eu tive que ser muito forte. Do dia para noite, virei dona de casa. 18 de março de 2020 eu saí a minha última vez para abastecer a dispensa e comprar todas as medicações delas para durar, ao menos, três meses. Vai se fazer um ano de isolamento total com elas. Eu nunca senti o ócio de dias sem fazer nada, que tanto via meus amigos relatarem, para mim não era tempo de fazer curso online, yoga, pintar a casa, fazer um jardim. Com muita dificuldade, porém com o apoio do meu grupo de amigos da pós, consegui passar nas cadeiras do semestre. Não foi fácil e não está sendo fácil. Mas sei que é possível uma melhora. Sei que quando a vacina chegar para o grupo delas, eu vou conseguir um apoio tão necessário para cuidados com elas e a administração do lar.

O que quero deixar destacado com o meu relato, é que sou mais uma em cada cinco mulheres (IBGE/2018) que deixaram o mercado de trabalho para se dedicar ao cuidado com alguém em casa. Não contando com o apoio de um companheiro, de familiares, de amigos, do governo...estamos sós. Eu espero muito conseguir ir em busca dos meus objetivos profissionais, até para conseguir dar mais conforto para elas. Mas, eu me ver, com 23 anos, 2 anos de formação e nenhuma experiência, eu fico apavorada com minha volta ao mercado. Parece que estou velha para tudo, diante de tanta aceleração da sociedade, do jovem de vinte tantos anos, já ter intercâmbio, ter passado por várias experiências profissionais, ter carro, casa... e eu ainda estar buscando isso. Não me arrependo em nada, pois sei que se não fosse eu, minha mãe e minha tia estariam desamparadas, e isto, eu nunca deixaria que acontecesse. Nunca. E sei, que esse meu pensamento é o mesmo que de muitas.

Sei o quanto terei que ser resiliente comigo mesma e ir correr atrás, talvez fazer em um semestre o que não tive como fazer em dois anos. Eu só peço a vocês recrutadores que olhem para nós e vejam mulheres com potencial, pois, eu garanto a vocês que se forem nos dada a oportunidade, será como um bálsamo repleto de esperança para uma jornada de recomeço. O que nós precisamos é de apoio. Então, por favor, conversem conosco, nos dê um espaço. 

Carlos Diego C. P.

Chief Executive & Technology Officer and Founder @ Valcann | Master of Science (MSc) & Doctor of Science (DSc) in Computer Science

3 a

História belíssima e inspiradora, Angela Luiza Silva! Vejo um grande potencial de ser o "propósito" do qual temos discutido em nossas aulas. Conte comigo nesse processo! 👏👏👏👏

Bárbara de Oliveira Farias

Analista de Marketing e Relacionamento no Home Center Ferreira Costa

3 a

Tua história e tua vida inspiram muito, tenho certeza que sua hora vai chegar, e você vai se realizar muito profissionalmente. Nosso tempo não é o tempo de Deus, ele sabe o momento certo para nós ❤️

Melissa Ribeiro

Graphic Designer | Motion Designer

3 a

Angela, você é uma pessoa incrível. Seguiu seu coração e não deixou os seus para trás. Sua dedicação vai ser sim recompensada e eu tenho certeza de que você vai conseguir sua recolocação pois também é uma profissional maravilhosa. Muito obrigada por este texto, é muito necessário <3

Eu sou muito grato por na caminhada da vida ter alguém como você. Inteligente e competente nos trabalhos que fez e faz. Obrigado, por ser meu exemplo, todos os dias.

Helena Cristina

Project Manager | Gestão 4.0 | Produção

3 a

Amiga, você é gigante e pode contar comigo pro que precisar!

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