Multitarefa X Monofee

Os anúncios de trabalho para profissionais da Criação estão um pouco estranhos nos últimos tempos e não é por causa da pandemia.

A primeira impressão é que estamos passando por outra fase de transição entre o online e a produção de conteúdo, onde haverá uma segunda renovação da mão de obra (a primeira renovação foi à migração do off-line para o online), porém, olhando mais de perto não é bem assim.

Algumas agências estão inventando especializações. Pegam duas ou três atividades totalmente distintas para transformar em uma terceira coisa futurista. Faz parte do processo de formação de mão de obra de pequenas empresas, a criação de cargos para suprir deficiências do quadro de colaboradores, assim como, convocar candidatos “One-man Band” é característico de pequenas agências, mas, estão recrutando perfis incompatíveis, por exemplo, “Diretor de Arte que escreva bem e tenha domínio de programas de edição de vídeo, animação gráfica e fotografia”!? Outro exemplo, “Diretor de Arte Júnior responsável pelo briefing, condução do brainstorm criativo, tratamento de imagem e o gerenciamento do fluxo de trabalho”. E só mais um exemplo, “Diretor de Arte com conhecimento em programas de modelagem 3D, desenvolvimento de protótipos (para aplicativos) e domínio de plataformas de gestão e automação de marketing digital”. Recentemente houve um anúncio, em um site descolado de vagas de emprego, que o recrutador pedia desculpas aos futuros candidatos por não saber se a lista de skills, que ele solicitava, era possível em um único profissional.

Tudo bem. Não parece uma coisa grave se levar em conta que, às vezes, quem escreve os anúncios, pode fazer certa confusão na hora da redação, ok! Mas, a quantidade de oportunidades propondo uma espécie de “sincretismo funcional” é bem alta e talvez o problema seja mais em baixo...

A formação de um profissional pleno leva um tempo e juntar várias especialidades que exijam inteligências diferentes, custa caro. A dedicação e o investimento em estudos para alcançar um bom nível, somados a vivência de mercado, é o que dá a chancela para o Especialista. E somente ele pode garantir a entrega com a qualidade correta diminuindo os riscos dos contratos. Isso se desdobra em consistência que gera eficiência e confiabilidade para a agência.

Há quem acredite que profissionais multitarefas são a nova realidade do mercado de trabalho. Isso não é novo. É uma tática velha e arriscada para diminuir os custos da operação com cortes na folha de pagamento. É a manobra “Multitarefa X Monofee”. E ao contrário do que se espera, não há ganhadores nesse processo. Pagar mal, exigir desempenho em dobro e não ter o reconhecimento do cliente é um péssimo resultado.

A segmentação dos serviços em comunicação serve de solução para várias gerações de profissionais. No passado, houve a necessidade de separar atividades para atender a demanda e assim, abriu um leque maior para o surgimento de experts. Um exemplo disso foi à dissociação das funções do Diretor de Arte, muito focado em campanhas publicitárias que tem a sua remuneração paga pela bonificação de veiculação, e do Designer Gráfico, especializado em brand, tipologia, embalagem, projetos editoriais e por ai vai, que normalmente tem a sua remuneração paga no modelo de FEE ou “job a job”. Hoje, cada um no seu quadrado para oferecer o melhor de cada atividade. Foi um processo que ampliou as oportunidades e ao mesmo tempo a qualidade dos serviços.

Pode ser que a banalização das atividades no mercado de comunicação seja uma fase para o aperfeiçoamento de uma nova raça de profissionais que entenderam que a qualidade compactada das ideias instantâneas favorece na quantidade das oportunidades. Afinal de contas, a quantidade também gera lucros e talvez surja daí novos modelos para uma sociedade que não para de se multiplicar.

Mas como fazer o cliente valorizar as soluções e pagar por um exército de criativos?

A resposta está nos resultados. Tudo que a Comunicação gera de benefícios comerciais mensuráveis para os clientes, seja direta ou indiretamente, deve ser remunerado porque gera valor percebido para o consumidor, propaga a presença da marca e em outro momento, influencia nas vendas. Esses resultados precisam de acompanhamento a médio e longo prazo. E é o dinheiro pago pela inteligência que está por trás das ações de comunicação que deve viabilizar uma equipe multitarefa.

Podemos incorporar serviços na tabela de preço das pequenas agências sem arriscar investimentos em estrutura e equipes despreparadas. Houve no passado, a obrigatoriedade da verticalização com departamentos fixos, mas com a modernização das leis de trabalho e a oferta sempre crescente de profissionais, podemos adotar alternativas mais competitivas. Até porque, nessa nova realidade pós-quarentena, haverá muitos Criativos disponíveis e uma boa iniciativa é unificar grupos de especialistas com um acordo comercial realista e bem estudado. É trabalhoso, mas, possível! Diferente disso é continuar a “catequizar” o cliente para a compra da comunicação por meio de propostas de financiamento de honorários para a comunicação essencial e bonificações por resultados para as soluções criativas; fora da curva.

No final das contas, a prestação de serviços em comunicação (sem a veiculação de anúncios) vale quanto pesa e ter gente boa e focada fazendo as entregas é primordial para a estabilidade dos negócios e para o aprendizado das novas gerações.

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