Mundo desperdiça 931 milhões de toneladas de alimentos por ano
Imagem: Unidiversidad

Mundo desperdiça 931 milhões de toneladas de alimentos por ano

De acordo com o Índice de Desperdício de Alimentos 2021, o mundo desperdiça 931 milhões de toneladas de alimentos por ano. Isso representa 17% da produção total. No Brasil, desperdício ocorre ao mesmo tempo em que milhões passam fome

Por: Isabela Alves

Em março deste ano, o Ministério da Agricultura anunciou que a produção de grãos bateu recorde no país: foram 272 milhões de toneladas produzidas.

O valor representa 5,4 milhões de toneladas a mais do que a safra produzida entre 2019 e 2020. O milho teve uma produção recorde de 108 milhões de toneladas.

Já o arroz e o feijão, que são alimentos básicos na refeição dos brasileiros todos os dias, não alcançaram tais patamares: foram apenas 3,3 milhões de toneladas de feijão e 11 milhões de toneladas de arroz.

Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) afirma que o mundo produz cerca de 2,5 bilhões de toneladas de grãos e que essa quantidade é mais do que suficiente para atender a demanda global. Uma parte dessa produção, no entanto, acaba no lixo.

De acordo com o Índice de Desperdício de Alimentos 2021, em 2019, o mundo desperdiçou 931 milhões de toneladas de alimentos. Isso representa 17% da produção total.

Entenda a cadeia do desperdício de alimentos

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

O desperdício de alimentos ocorre desde o momento da colheita até o fim da refeição, quando restos de comida são jogados no lixo.

De acordo com o Índice de Desperdício de Alimentos 2021, em média, o Brasil desperdiça 60 quilos de alimento por pessoa, anualmente. 

“Esse alimento que vai para a lixeira poderia ser encaminhado para quem mais necessita”, afirma a nutricionista Cláudia Márcia Ramos Roseno, do núcleo de coordenação nacional do Mesa Brasil Sesc.

Mesa Brasil foi o primeiro banco de alimentos a chegar ao Brasil e existe há mais de 25 anos. A iniciativa, que recolhe alimentos de feiras livres, Ceasas e também da indústria de alimentos, já possui 94 unidades em todo o Brasil, que alcançam 500 municípios cada.

O programa trabalha com produtos que estão fora da linha de comercialização, ou seja, não podem ser mais vendidos. 

“Isso serve para produtos como uma banana que está com uma pinta grande, por exemplo. Não significa que ela esteja estragada, mas por não estar em um padrão de consumo, ela acaba não sendo comprada e vai para o lixo”, conta Ramos. 

No entanto, é importante ressaltar que antes do alimento chegar a ser rejeitado pelos consumidores no mercado, ele passa por uma cadeia. 

Quando um produtor oferece um alimento para o mercado e ele não atinge o valor esperado, o responsável pela colheita nem recolhe aquele alimento para evitar mais gastos.

A cadeia de desperdício continua com a “agressão” dos alimentos, que ocorre quando um alimento é machucado por conta do transporte ou quando é mal embalado. 

Quando o alimento chega ao supermercado, muitas pessoas têm o hábito de afundar o dedo na mercadoria e, de tanto tocarem, acabam deformando sua aparência.

“O brasileiro também tem a cultura da ‘mesa farta’. Ele não se dá conta que também existe aí um desperdício de dinheiro e que é necessária uma mudança estrutural de hábitos para que todos tenham acesso aos alimentos”, reflete Ramos.

Caso o alimento não seja recuperado, ele vai parar nos aterros e isso faz com que haja a emissão de gases, do transporte e do próprio alimento, o que também prejudica o meio ambiente.

Visando combater parte desta cadeia de desperdício, o Mesa Brasil trabalha com duas metodologias: da colheita urbana e do banco de alimentos.  

Na colheita urbana, um caminhão ou van faz uma rota entre os doadores pela parte da manhã e na mesma tarde entrega os alimentos para ONGs que estão cadastradas no programa. Uma nutricionista seleciona qual tipo de comida será destinada e a quantidade.

Já no sistema de banco de alimentos, pela parte da manhã e tarde ocorre a colheita e todos os alimentos são encaminhados para a unidade mais próxima do Mesa. Depois de organizar o alimento recolhido, a própria ONG vai fazer a retirada na unidade do programa.

Para ser beneficiada pelo projeto, a ONG precisa realizar um pré-cadastro, então é necessário estar atento às aberturas de editais em cada Estado. O Mesa Brasil impõe uma série de critérios e também realiza uma visita com a equipe técnica para conversar com os gestores.

No total, 6 mil organizações do terceiro setor em todo o Brasil são beneficiadas pelas ações. Com a pandemia, o programa criou um cadastro emergencial e está flexibilizando as entregas, com o objetivo de oferecer uma alimentação completa a quem mais precisa. 

“A pandemia pegou o Brasil, que já passava por outras crises, como os cortes e a descontinuidade de políticas públicas de segurança alimentar. Com isso, o país retornou aos índices mais severos de fome”, afirma Ramos. 

Os mais vulneráveis são os que mais passam fome na pandemia

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Enquanto os mais ricos aumentaram as suas fortunas durante a pandemia, a pobreza cresceu de maneira intensa no país. 

Muitas famílias brasileiras vivem em desespero. Cerca de 14,5 milhões delas estão em situação de extrema pobreza e 58 milhões correm o risco de deixar de comer por não terem dinheiro.

No Brasil, a alta dos preços de alimentos subiu em 15%, sendo quase o triplo da taxa oficial de inflação do período, que ficou em 5,20%. Isso significa que muitas pessoas também não têm acesso aos alimentos básicos por falta de renda. 

Kalyne Lima é vice-presidenta nacional da Central Única das Favelas (CUFA) e relata que o Brasil vive momentos de angústia. 

Para ela, a pandemia gerou e continuará gerando consequências inimagináveis para o aumento da desigualdade social e o avanço da insegurança alimentar no país. 

“Se para sair do Mapa da Fome o Brasil demorou 10 anos, dessa vez demorará mais de 15 anos para se recuperar dessa crise”, revela. A CUFA atua nas favelas há mais de 20 anos e hoje atende mais de 5 mil favelas brasileiras em 500 cidades.

A instituição promove projetos de inclusão social e a potencialização das áreas de favelas através da cultura, arte, educação e empreendedorismo. Cada região vive uma realidade em particular, portanto, durante a pandemia, as ações foram modeladas para cada local. 

Em março de 2020, foi lançada a campanha ‘Cufa contra o vírus’, com o objetivo de conscientizar a população sobre a Covid-19. 

No entanto, em uma época em que só se ouvia nos noticiários que era necessário ficar em casa para se proteger, grande parte da população das favelas não conseguiu cumprir as medidas de isolamento social, pois precisavam sair para trabalhar para manter seu sustento.

Com mais de 14,4 milhões de pessoas desempregadas no país e 9,7 milhões trabalhando na informalidade, as restrições deixaram a condição de vida delas ainda mais desfavorável. 

“O Brasil enfrenta um dilema e uma crise política sem precedentes, e isso atrapalha qualquer estratégia de promoção da informação correta. Grande parte das favelas não tiveram informação sobre o uso de máscaras, porque o governador dá uma informação e o presidente dá outra, então muitas pessoas ficam confusas, sobretudo aquelas que têm menos acesso à informação”, reflete Lima. 

No primeiro mês de campanha, a CUFA atendeu 1,5 milhão de mães e a ação destinou 180 milhões de reais em ajuda direta para elas, com cestas básicas, botijão de gás, itens de segurança e higiene. 

Para isso, foi realizado um mapeamento socioeconômico para ver quais famílias precisavam de mais ajuda. Em 2021, surge o Movimento Panela Cheia Salva, em parceria com o Gerando Falcões e a Frente Nacional Antirracista. A ação distribuiu 12 milhões de cestas básicas. 

É válido ressaltar que 71% destas famílias estão sobrevivendo com menos da metade da renda que tinham antes da pandemia e que nove em cada dez pessoas moradoras de favelas receberam alguma doação. 

“A solidariedade é algo muito importante dentro de processos como esse e geralmente as pessoas que têm menos são as mais sensíveis em relação à necessidade do outro”, conclui.

Fonte: Observatório do Terceiro Setor

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Isabela Alves

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos