Não é sobre acelerar uma mensagem. É sobre desaprender a ouvir.
Emiliano Ponzi

Não é sobre acelerar uma mensagem. É sobre desaprender a ouvir.

Não da pra contar quantas vezes eu escutei a palavra ressignificação durante a pandemia. Talvez ela esteja entre as top dez palavras mais ditas e escritas nessa minha bolha virtual. Por vários motivos, mas o principal deles, eu imagino, foi por conta da forma com que a gente vê o tempo passar quando estamos privados de mostrar para uma sociedade cada vez mais competitiva, tudo aquilo que conquistamos através das horas e horas dedicadas ao trabalho.

Mas eu, pra variar, estava e estou completamente enganado. A pandemia pode sim ter ressiginifcado muita coisa, mas não a relação com o tempo.

Extremamente conectados por fibras que jogam pra gente uma sensação de competitividade e consumo, vivíamos diante de um shopping narcisista mostrando por feeds - o novo fica velho em um scroll - onde estamos, o que estamos vestindo, comendo, bebendo, dirigindo e qualquer coisa que garanta a atenção do nosso querido e paciente (ou não) seguidor. Tudo pela atenção e reconhecimento.

Isso fica ainda mais claro quando a gente comemorou a possibilidade do WhatsApp poder acelerar em até duas vezes a velocidade do áudio recebido. E o fato deu não ter comemorado ou ter tratado com indiferença, fez com que eu tentasse entender o motivo. Talvez eu, depois de algumas crises de pânico e muita análise, tenha tentado redescobrir o significado de se fazer presente nessa jovem e rebelde internet. Que de social, tem muito pouco.

Acelerar o áudio significa muito mais que transformar a voz do emissor em um robô. Significa a forma com que a gente valoriza nosso precioso tempo, conectados vinte e quatro horas pelo celular para se fazer presente na vida social online, deixando, na maioria das vezes, a vida social offline pausada.

Muita gente escreveu sobre isso por aí, mas eu não vi muita gente escrever sobre isso aqui no Linkedin. E eu acho que aqui é o lugar certo pra levantar essa discussão. Não da feature do aplicativo, mas do motivo da gente querer e gostar de uma feature dessa.

Qual é mesmo o significado do tempo quando estamos conectados? Por qual motivo devemos acelerar a fala de alguém que quer nos dizer algo, por mais prolixo que seja? Será que estamos desaprendendo a escutar também virtualmente? Porque, quando estamos no mundo off-line, não escutamos porque estamos conectados no celular. Agora, quando estamos no celular, aceleramos a mensagem do colega porque não queremos escutar, também?

Por mais que a gente queira as coisas mais "diretas ao ponto", precisamos entender que muitas respostas estão nas entrelinhas, na forma com que são pronunciadas, na preocupação e confiança que a pessoa depositou ao te mandar um áudio de cinco minutos.

Eu sempre pensei: não quer ouvir, ligue para a pessoa. Não quer ligar? Então, não existe motivo de você ter qualquer tipo de relação com ela. Dê um jeito de dizer isso pra ela, mas não deixa-a sem resposta.

Essa aceleração veio muito a calhar com o que li no livro: "Sociedade do Cansaço" do Byung-Chul Han. Perdemos a mão. Perdemos a sensibilidade de escutar o outro. Somos atuantes em redes sociais cada vez mais narcísicas e talvez a velocidade das coisas nao deixae a gente perceber isso.

Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização.

Haja análise pra corrigir tantas angústias que vem junto dessa aceleração. De uma coisa eu tenho certeza: a relação com o tempo não foi ressignificada na pandemia.

Nós nos transformamos em zumbis saudáveis e fitness, zumbis do desempenho e do botox.

Inclusive, pouquíssimas pessoas terão tempo de ler o que eu escrevo.

Não é sobre acelerar uma mensagem. É sobre desaprender a ouvir.

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