Não adianta fugir
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Não adianta fugir

Caso não me conheça, eu desenvolvo um trabalho chamado "Podcast Nômade", onde toda semana eu converso com brasileiros ao redor do mundo.

Na semana que lanço esse texto, também lanço o episódio 065 do meu podcast. Estou engajado em 2020 a resumir todos os 100 primeiros episódios do Podcast Nômade para lançar um livro em comemoração à 2 anos de atividade em fevereiro de 2021.

 Além disso, eu também trabalho em uma plataforma de terapia online chama da Expire, desde agosto de 2018.

Uma coisa que eu venho percebendo em todos os convidados que passam pelo meu podcast é uma variável em comum: Saúde Mental, e eu resolvi conversar um pouco sobre isso.

Dada a carteirada, vamos ao texto.

 

01 - Viajar é se fuder.

Eu não usei o baixo calão do linguajar, no subtítulo acima de forma displicente. Muito pelo contrário, “viajar é se fuder” é uma subsérie esporádica do Nerdcast, podcast capitaneado pela dupla Azaghal e Alexandre Ottoni, do Jovem Nerd. Nesta subsérie, a dupla convida várias pessoas para compartilhar histórias engraçadas, outras apenas trágicas, de viagens que resultaram em perrengues.

Com base na minha experiência própria e também na oportunidade de conversar com vários nômades, eu posso dizer que perrengue é sinônimo de história para contar. Perrengue só é um problema na hora em que ele está sendo vivido, mas depois que superamos esses pequenos desafios que a vida nos impõe, eles já não são nada demais.

O nerdcast sempre tem um tom muito alto astral e é sempre divertido ouvir histórias de pessoas que passaram por alguns apuros, os mais diversos possíveis, mas sobreviveram e estão alí para contar a história.

Viajar tem dessas coisas mesmo. A gente sai da zona de conforto e está sujeito a diversos imprevistos.

Divergências culturais, oportunismo em cima de gringo, leis diferentes, climas, comidas… Um perrengue aqui ou outro alí é inevitável. Mais que isso, eu ousaria dizer que passar por perrengues é até necessário para nossa formação.

Quem já teve a oportunidade de viajar e vivenciar perrengues também deve ter vivenciado o sentimento bom de sair daquele lugar e deixar o problema para trás, afinal de contas, se somos apenas passageiros, daqui a alguns dias ou semanas, não existiremos mais naquela realidade que vivemos um perrengue.

Claro que alguns perrengues podem deixar sequelas, mas em geral são sempre superáveis, porém tem um tipo de problema muito específico que nos acompanha, e não importa para onde vamos, ele estará lá para piorar nossa vida. Veja que eu já mudei o tom, nem estou falando mais a palavra “perrengue”, agora estou usando o termo “problema” mesmo.

De certa forma, perrengue tem uma conotação mais leve, problema não. Problema é coisa séria, e não é fácil de resolver. Pode atrapalhar tudo na nossa vida, e no caso específico que eu vou tratar nesse texto, não se resolve com o tempo, ou sem ajuda, eu me refiro a problemas mentais.


02 - Run, Forrest, run!

Em 1994 o mundo era agraciado com um dos filmes mais lindos que já foram criados, Forrest Gump, o contador de histórias, a história de um personagem que nasce com certas dificuldades de mobilidade e de cognição, mas que apesar de tudo, teve uma infância saudável e cresceu superando diversos obstáculos.

Forrest usava muletas na sua infância e tinha dificuldade de fugir dos valentões da escola que frequentemente o agrediram por ser frágil e diferente. Esse filme é lindo (na moral). Uma das coisas que mais gosto desse filme é que toda vez que o Forrest enfrenta um problema, ele não apenas o supera, mas meio que o reverte em uma grande habilidade de visível reconhecimento.

Uma das cenas mais marcantes é bem no início, quando na tentativa de fugir dos valentões da escola, Forrest é incentivado a correr por seu amor de infância, Jenny. Ela grita “corra, Forrest, corra!” em uma cena que se desdobra com um moleque desajeitado, que começa tropeçando e descobre um potencial para o atletismo. Forrest não apenas foge, mas também descobre que pode ir muito além.

Assista esse filme depois. Vale a pena. Mas voltando ao texto. Eu comecei esse bloco usando um “run, Forrest, run!” para ser irônico. Às vezes, correr é uma excelente opção, mas quando estamos falando de questões psicoemocionais, simplesmente NÃO ADIANTA!

Não adianta viajar, não adianta beber, não adianta se entreter, não adianta fugir, pois o problema está dentro de nós.

Muitas pessoas tentam ignorar, se distrair, ou até tentar resolver com o uso de medicamentos, mas acabam tendo recaídas e acabam voltando a sofrer com suas próprias questões individuais, e sabe por que, porque diferente de perrengues que são pontuais e passageiros, problemas psicoemocionais em geral se dão por hábitos internalizados a muito.

Para lhe dar uma imagem mental. Imagine que você tem uma parede mofada na sua casa. Você pinta ela de branco, mas com os meses uma parte da tinta fica manchada. Você pinta ela de branco novamente. Após alguns meses a mancha volta e você resolve mudar a cor da tinta. Resolve colocar algo mais vivo, resolve pintar aquela parede de verde. Fica lindo no início, mas como era de se esperar, depois de mais alguns meses, a parede mofa e o verde fica manchado e esquisito.

O problema? Existe um cano que passa por dentro da parede, mas que está com as conexões frouxas e ele vaza uma pequena vazão de água, tão minúscula que mal dá para perceber a olho nú, mas que com o tempo inunda e mofa a parede, expondo externamente um pequeno problema interno. 

Pintar a parede é tomar medicamentos. São úteis e corrigem momentaneamente, mas não resolvem uma questão definitivamente, pois o cano interno continua com o hábito de vazar. A ideia de chamar um pedreiro e um encanador é incômoda, você tem que gastar um dinheiro para abrir um buraco na parede e apertar a tubulação, não é um processo rápido como pintar a parede, e pode levar alguns dias, pode até expor outros canos entupidos, defeituosos ou folgados, mas definitivamente vai trazer um resultado melhor ao longo dos anos. 

A pergunta é, o quão insuportável é conviver com um vazamento psicoemocional na sua vida?


03 - Psicólogo ou psiquiatra?

E agora, por fim eu entro de vez na temática que eu me propus. 

Eu começo de fininho, dando exemplos de filmes, podcasts, analogias para o conteúdo ir descendo com calma, mais uma hora eu tenho que pesar a mão. Essa hora chegou. Para tentar esclarecer sem entrar no “psicologiquês” chato, rebuscado e muitas vezes entediante, vou ser mais claro.

As pessoas sempre tendem a optar pela opção mais barata, mais rápida, mais paliativa, em diversos fatores da vida, isso inclui nossa própria saúde mental. 

Primeiro que a gente tenta negar o máximo que dá. Depois a gente tenta postergar, empurrar com a barriga, ignorar mesmo! Quando a gente percebe que uma questão psicoemocional não vai embora, a gente tenta resolver de alguma forma independente. Desabafar com amigos, se entreter, consultar o “Doutor Google” (péssimo erro), até que a gente admite para nós mesmos que a gente precisa de ajuda.

Quando chegamos nesse ponto, uma opção pode ser a consulta psiquiátrica e a utilização de alguns tarja-pretas. E está tudo bem. Médicos psiquiatras passam anos estudando para entrar em uma graduação, depois mais uma média de 6 anos na graduação e mais 2 estudando especificamente psiquiatria na residência. Em tese, eles tem uma boa noção de quando é o momento apropriado para entrarmos em uma medicação.

Mas é importante deixar claro que muitos problemas acontecem por hábitos que alimentamos por anos e nem sequer nos damos conta. Medicações nos ajudam quando já não estamos suportando, mas após o alívio, mantemos comportamentos que sempre foram parte da nossa rotina e que não conseguimos enxergar por conta própria uma associação com crises psicoemocionais mais fortes. Ou quando começamos a enxergar, ainda sim não conseguimos mudar.

A essa altura do texto é importante me posicionar em um detalhe.

Eu acredito que as pessoas podem mudar! Eu acredito que com esforço físico (ou procedimentos cirúrgicos) você pode chegar em um corpo que você deseja, eu acredito que com dedicação você pode aprender a cantar, ou andar de bicicleta depois de adulto. Eu acredito que a gente consegue mudar nossos hábitos para consertar os pequenos vazamentos mentais que existem dentro da gente.

Entendo também que isso não é uma máxima. Que alguns vazamentos talvez nao possam ser resolvidos, mas daí que vem a beleza do filme Forrest Gump, do qual eu fiz questão de relacionar com minha reflexão. Eu também acredito que nós somos inteiramente capazes de aprender a viver com nossos vazamentos incorrigíveis e revertê-los em coisas positivas. Eu acredito que uma boa terapia pode nos fazer enxergar.

Sobre o autor:

Opa! Sou o Heitor, pernambucano, mestre em Administração pela UFPE, idealizador da Expire (uma plataforma de terapia online), criador do Podcast Nômade, o podcast oficial da Nomadesfera (localizador de nômades) e de quebra, integrante do duo folk Casaprima.

#saudemental #nomadismo #melhoresconselhos #paralercomcalma

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