Não estamos sós

A última edição da "London Review of Books" traz um ensaio de mais de vinte páginas sobre a crise no Brasil. De longe, é o melhor apanhado a respeito publicado na imprensa. Seu autor é o historiador anglo-irlandês Perry Anderson.

Ele conhece o Brasil há mais de meio século, quando se estabeleceu em São Paulo e aprendeu português para estudar a Revolução de 1930. Desde então, vem aqui com regularidade. Na última visita, esteve no Templo de Salomão, no Brás.

Como o circo máximo da Igreja Universal do Reino de Deus fica a uma cuspida da Assembleia de Deus, com a qual rivaliza em monstruosidade kitsch, escreveu que a rua onde estão "é uma espécie de Wall Street da religião".

Faz sentido. Além de ter contemplado sessões de exorcismo, Anderson viu pastores ordenhando o rebanho em benefício "dos impérios financeiros de seus fundadores". É por isso que Edir Macedo orou por FHC, depois por Lula, depois por Dilma –e hoje quer queimar a bruxa. Nosso Moisés está de olho no maná das concessões de TV e das isenções fiscais.

Os evangélicos, que já são mais de um quinto da população, não estão sós. Eles têm a seu lado os querubins do Facebook. O historiador nota que o arcanjo Zuckerberg tem no Brasil o maior número de adeptos no mundo, depois dos Estados Unidos. E foi na nebulosa virtual que vicejaram Revoltados On-Line, Vem pra Rua e assemelhados da extrema-direita.

No coração desse mundo espiritual-digital encontra-se "o mestre da magia negra da manipulação parlamentar": o pastor Eduardo Cunha. Com a bênção do Supremo, o príncipe das trevas internéticas tem uma empresa chamada jesus.com, quatro contas secretas na Suíça, uma nos EUA, outra em Cingapura e uma sétima na Nova Zelândia.

É com pinceladas de Daumier que Perry Anderson pinta a missa negra de tucanos, petistas e extrema-direita para maior glória de Eduardo Cunha. Uns, para barrar a destituição de Dilma. Outros, em busca do contrário. Pensando exclusivamente em exterminar a corrupção da Pátria do Evangelho, Cunha optou por oficiar o impeachment.

O papa da Câmara não está só. Anderson descreve com denodo as bruxarias de Fernando Henrique e Sergio Moro. Ao contrário da esquerda brasileira, que cultiva a crença primitiva de que basta xingar os adversários para que evaporem, Anderson é substancioso.

Ele observa que o ex-presidente fala muito em reforma política, mas, no poder, a única reforma que fez foi para obter o segundo mandato. Que não só abandonou as convicções socialistas da juventude como qualquer veleidade intelectual. E que, ao sair do Planalto, sua popularidade era equivalente à de Dilma hoje (tanto ela como Lula, aliás, se saem pessimamente no ensaio).

O historiador leu o artigo de Sergio Moro sobre a operação Mãos Limpas. Informa que o juiz usou fontes ralas e de segunda mão. Por isso, levou a sério a delação premiada de um mafioso, sem saber que o depoimento foi jogado no lixo na instância superior. Para Anderson, era patente o desprezo de Moro pelas regras básicas do direito, bem como seu afã em atropelá-las.

Não estamos sós. Anderson começa o ensaio constatando que os Brics –China, Índia, África do Sul e Brasil– enfrentam enormes dificuldades, mas que a crise é maior aqui. E o encerra dizendo que o ciclo latino-americano de crescimento está por um fio. Um mundo novo vem aí. Ninguém sabe como será ele. Mas não parece divino.

MÁRIO SÉRGIO CONTI

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