Não menos que o dobro

Não menos que o dobro


Mulheres públicas têm se permitido, com cada vez mais frequência, expor seus revezes. Não importa o que as motiva a fazer isso, cada qual com suas razões. Arrisco a dizer que, em alguns casos, é uma consequência da vida exibida nas redes sociais, que naturaliza o ato de compartilhar, inclusive, as dificuldades pelas quais passam.

A verdade é que, por trás da exposição da intimidade dessas mulheres, há questões muito profundas que, provavelmente, identificaremos em muitas de nós. Ainda que não tenhamos sido traídas, abusadas, enganadas, é quase inevitável que todas nós, em algum momento da vida, nos conformamos com menos do que merecíamos. E, o que é pior, não nos demos conta ou achamos isso normal.

No geral, mulheres se contentam com pouco. Acreditam que não estão à altura das suas conquistas. Não estão suficientemente qualificadas aos cargos que desejam. Não podem ter tudo, e no tudo inclua-se trabalho, família, vida pessoal etc. Porque sua auto percepção é inferior àquilo que se enxerga nelas. E, como disse no início, seguimos nos conformando com pouco, muito pouco.

Quantas e quantas vezes temos mulheres em posições inferiores às que, claramente, deveriam ocupar? Que aceitam a postergação de uma promoção?  Uma remuneração aquém ou desproporcional ao que entregam? Um feedback sem fundamento e enviesado? Quantas não carregam o piano para “alguém” tocar, e brilhar? 

Não vou entrar no âmbito das relações pessoais, seja porque essa é uma rede profissional, seja porque não haveria espaço para discorrer sobre as ciladas emocionais em que mulheres caem com parceiros muito aquém do que merecem. É suficiente ver o fenômeno se repetir inúmeras e inúmeras vezes com profissionais, no ambiente de trabalho, para confirmarmos que ele é real.

Porque no fundo, no íntimo, no âmago de uma mulher, ainda que supostamente bem sucedida, há uma voz que a questiona, que a sabota, que a descredibiliza perante si mesma.

Conscientemente, tentamos nos desconstruir. Afastar séculos de desmerecimento e coadjuvância, para nos tornarmos protagonistas e vencedoras. Inconscientemente, a forma mais sabotadora de manifestarmos dúvidas em relação a nós mesmas é aceitarmos menos do que merecemos. No trabalho, na vida.

O que mulheres famosas, poderosas talentosas, com coragem para expor suas vulnerabilidades, têm para nos ensinar é valioso. Na primeira camada a humanização. Elas nos mostram que dificuldades todas enfrentam, que não existem seres invencíveis e que o importante é saber ultrapassar os obstáculos que a vida nos impõe.

Nas camadas mais profundas, entretanto, elas nos entregam de bandeja a mais clara evidência de que, até elas, se contentam com muito menos do que merecem. Até o momento em que decidem não se contentar mais.

Provocam - ou deveriam provocar - a reflexão sobre o que desejamos, merecemos e conquistamos. E, se possível, sobre como perder o medo, a vergonha, a insegurança de querer mais, de aceitar elogios e reconhecimento, de ter ambição e de dizer basta a tudo aquilo que não nos preenche por completo.

Teremos nossos próprios desafios e jamais deixaremos de errar. A sabedoria, acredito, está em aceitar isso e aprender, pelas experiências das outras, as lições que nos ajudarão a evitar os mesmos erros, nossos e delas. Quem sabe até evoluir, aceitar-se, perdoar-se e seguir em frente com mais de leveza e confiança.

Já escrevi que, para a mulher, ambição, aos olhos de muitos, é predicado que mais atrapalha do que ajuda. Exatamente o inverso do que acontece com os homens. 

Há, entretanto, uma ambição da qual não podemos e não devemos nos afastar jamais: não aceitar o lugar onde querem nos colocar, em detrimento à posição em que merecemos estar.

De tudo o que depreendo das experiências compartilhadas, por famosas ou anônimas, no mundo real ou virtual, fica a lição de não se contentar com pouco. Afinal, se você é mulher e alcançou algo, seja lá o que for, esteja certa de que merece não menos que o dobro. Pode acreditar nisso.

 

 

Barbara Alves

Especialista em Sustentabilidade I Pós-Graduação em Sustentabilidade e ESG I Taças & Turbinas

5 m

Que texto fantástico! Comentando para alcançar outras mulheres em minha rede!

Eliana Leite

Advogada associada na Abe Advogados | Advogada e consultora tributária

6 m

Desde sempre, a mulher se contentou com pouco... Há algum tempo, não conseguia verbalizar isso... Hoje, ao menos conseguimos conversar entre nós, tentar verbalizar, entender, colocar a boca no trombone sem medo (ou com medo mesmo) do que virá, porque as críticas virão, elas sempre vem, já que nós, em tese, não temos voz e não merecemos o lugar em que estamos, ou pelo qual estamos lutando para estar, por puro merecimento, porque somos boas o suficiente e porque sim. Obrigada por mais um texto que nos contempla, nos acolhe e nos faz lembrar de que juntas somos mais fortes.

Roberta Chebat

Advogada | Regularização Fundiária | REURB | Direito Urbanístico | Direito Imobiliário | São Paulo

6 m

Excelente! 👏

Thabata Menezes

Mãe | Consultora de Saúde e bem-estar | Qualidade de vida | Diversidade, Equidade e Inclusão | ESG

6 m

Maravilhosa como sempre!

Very true. Texto primoroso, Glau!

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