Não tente transformar a Cultura da sua empresa, agora.

Não tente transformar a Cultura da sua empresa, agora.

Percebo uma certa histeria no mercado corporativo sobre o assunto em meio ao cenário de crise. A pandemia, sem dúvida, acelerou e vai continuar acelerando algumas transformações que andavam preguiçosas na sua empresa, por exemplo, a transformação digital, mas o tema Cultura Organizacional não é uma delas.

A maioria dos conceitos de Cultura que você já viu ou encontrará em uma busca no Google diz que se trata de um “conjunto de crenças, emoções e hábitos explicitados por meio de valores, normas, rituais, símbolos e decisões dos indivíduos dentro de um sistema". Claro que a Cultura é um fator importante para o desenvolvimento das pessoas e dos negócios. Não vou negar. Porém, sempre foi supervalorizada e, em meio à crise provocada pela Covid-19, não deve ser o foco do processo de aprendizagem organizacional.

Tem uma coisinha mais relevante no momento.

Minha hipótese é a de que quem lidera as empresas deveria aproveitar esta complexidade presente nos ambientes de negócios para promover uma pequena transformação no jeito de olhar, pensar, sentir e tomar decisões em todos os níveis hierárquicos. A oportunidade é descobrir como desenvolver pessoas que tenham a capacidade de apreciar o que está posto, os desconfortos da realidade. Indivíduos mais empreendedores e que se comportam com menos fragilidade.

Muito se cobra das pessoas sobre "aumento de resiliência", mas percebo que esta crise é diferente. Estamos vivendo um evento de era, ou seja, as mudanças são sociais, econômicas, políticas, filosóficas, enfim, estruturais. É provável que o conceito de Cisne Negro descrito pelo estatístico (entre outras habilidades profissionais) Nassim N. Taleb esteja acontecendo agora: não havia como prever o que estamos vivendo, os impactos são enormes (e desconhecidos) e vamos inventar um jeito de dizer que poderia ser previsto. Aumentar a resiliência dos indivíduos não será suficiente, já que o que estamos vivendo não vai passar.

De volta ao bom e velho(!) Google, você vai encontrar conceitos que definem a resiliência como "a propriedade de voltar ao estado normal, sem se quebrar ou romper, após sofrer algum tipo de pressão, adversidade". Na teoria, uma pessoa resiliente é flexível o suficiente para ser esticada até o limite, mas quando a pressão acaba ela volta ao normal.

Há dois anos tive a felicidade de ler três livros que, aparentemente, não tinham correlações: Modernidade líquida do (sensacional!) Zygmunt Bauman, A economia dos desajustados das autoras Alexa Clay e Kyra M. Phillips e o Antifrágil do Nassim N. Taleb (já citei acima o outro que também recomendo).

O primeiro livro trouxe reflexões profundas sobre as mudanças que vivemos há algum tempo em todos os aspectos da vida humana e que, caminhando como gado, uma boa parte de nós não percebe.

O livro sobre os desajustados me provocou a continuar buscando e valorizando esse "tipo de gente". Criativos, inquietos, dinâmicos e dissidentes. Todos marginalizados por culturas lineares, centralizadoras e hierárquicas.

Por fim, o conceito de antifragilidade do Taleb fortaleceu minha convicção de que pessoas que aprendem a se beneficiar dos problemas, dos solavancos, das incertezas provocadas por uma crise são fundamentais, pois encontram novas formas de se comportar e produzir algo relevante para si mesmas e para os outros (e para as suas empresas, claro!). Enquanto a resiliência deixa marcas com jeitão de traumas, a antifragilidade deixa mais autoconfiança e aprendizados.

Minha intenção não é ser prepotente ou hipócrita, mas compartilhar uma convicção sobre um olhar interessante a respeito da vida. Não é simples mudar o próprio mindset e o jeito de fazer as coisas. Contudo, compartilho um vídeo e meus aprendizados até aqui, em dois itens, para você aproveitar melhor a sua jornada.

1. Autoconhecimento

Se eu tivesse só uma coisa para fazer na vida, isso descobri há poucos anos, faria tudo para me conhecer melhor. A forma como penso, quais são as emoções (com nomes mais adequados) no meu dia a dia, como prefiro fazer as coisas, como meus vieses impactam minhas decisões, enfim, como me relaciono com tudo ao meu redor. Recomendo estar mais presente consigo mesmo, respirar mais fundo e experimentar enxergar as coisas de um outro jeito. Também faz muito bem pedir feedback, ter coragem para escutar (não só com seus ouvidos) o que as pessoas pensam sobre você e, por último, tentar perceber seus gatilhos e padrões de comportamento. É provável que consiga até fazer melhores escolhas emocionais. Tenho certeza de que você vai se divertir.

2. Busca pelo desconforto

Colocar-se em lugares desconfortáveis por escolha. Experimente fazer algo que nunca imaginou fazer ou não teve coragem até aqui. Quando digo desconforto pode ser algo simples, por exemplo, ficar em silêncio. Conversar com "pessoas difíceis"(você se acha fácil?), ler livros com temas desconhecidos, fazer um curso de mergulho, pular de paraquedas ou falar em público (mesmo que para uma plateia virtual). Pare de reclamar de tudo e aprenda a se beneficiar do caos.

Bem, nosso cérebro está programado para ser preguiçoso. Sobrevive tranquilamente com poucas informações, julga rapidamente e toma decisões sem ânimo.

Gosto de perguntar às pessoas se realmente elas estão vivas. Adotei esse hábito depois que li uma obra de Immanuel Kant 20 anos atrás. No meio da minha leitura ele sentenciou que "a preguiça e a covardia são os principais motivos que impedem o avanço da humanidade".

Você está vivo?


Cauê Vicente

Simplifico a educação corporativa para que você cresça nessa carreira com consistência | Mentor de Educação Corporativa | Sócio da Movidaria

4 a

Boa reflexão e duas belas referências, meu caro! O principal vetor de movimento/aprendizado da humanidade é, foi e sempre será o contexto. Como espécie, somos dotados de uma capacidade singular de adaptação aos contextos (já que, comparados a outras espécies animais, estamos longe da extinção). Nesse sentido, também penso que resiliência não é o fator determinante para o nosso "avanço". Arrisco citar outras "habilidades" mais essenciais para o daqui em diante: Vulnerabilidade (ter brechas pra poder ser impactado pelo que está acontecendo e pela imprevisibilidade do que está por vir); Perplexidade (reconhecer que não sabemos o que está acontecendo - fator primordial para surgir alguma necessidade de aprender); Inventividade (fruto de angústia inata do Humano, é uma das determinantes para não estarmos mais acendendo fogo com duas pedras).

Bárbara Diefenthaler Calloni

Aproximo Pessoas e Negócios através da Cultura de Aprendizagem | Desenvolvimento Humano e Organizacional | Maternidade & Carreira | Sócia da Movidaria

4 a

Excelentes reflexões e conexões! Fico me perguntando se existe UM momento para transformar a cultura de uma empresa ... partindo do conceito de que cultura é aquilo que se cultiva (não sei se existe autoria para este conceito mas é o que eu gosto de usar), acredito muito no poder da antifragilidade para aprender em qualquer contexto.

Marília de Oliveira

B2B - Gestão de Projetos - Relacionamento e Parcerias Estratégicas - Facilitação e Interface

4 a

Gostei também das dicas de leitura. Vou trazer algumas para meu universo de aprendizado. Obrigada pelo texto, muito bom 

João Paulo Palma Beolchi

Líder de inovação no Hospital da Luz / cirurgião geral

4 a

Espetacular Alcir !!! Matutando aqui .... Observe seu sistema 1 e desconfie do seu sistema 2!

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