Na busca por respostas, as perguntas é que guiam o caminho.

Na busca por respostas, as perguntas é que guiam o caminho.

Escrever ou ser letrista parece que é para poucos que já nascem para isso, certo? Não é verdade. Pelo menos foi o que aprendi com a Cris Lisbôa, jornalista, pesquisadora de comunicação e linguagem e referência no ensino de criação em escrita. Cris também é professora e guia no clube que faço parte.

Ok, mas como que faz para aprender a escrever? “Escrevendo, escriba”, disse Cris Lisboa. “Porque se algum dia tu começar a escrever e souber exatamente o que estás fazendo, a dica é um banho frio para passar esse porre”.

A melhor forma de se aprender é fazendo. O caminhar, o discurso tem a ver com sincronicidade de seus pensamentos e valores com suas falas e suas ações. Caminhar o seu discurso. É prática. Assim desde criança aprendemos e seguimos aprendendo: tentando, fazendo, errando, refletindo e melhorando.

Respirei fundo, olhei e vi que eram 2h45 da manhã. Na hora já lembrei que meu Casio preto mostrava o horário no Brasil. Faltava ainda uma conexão e o horário que mostrava no bilhete era o horário local. Então, o objetivo era buscar essa informação no relógio mais próximo para saber que horas eram aqui, onde estou agora.

Tava vestida com um daqueles conjunto de moletom que a calça combina com a blusa, tudo marrom escuro com uma linha amarela, meio mostarda na verdade, que ia da manga da blusa à barra da calça. Uma linha, a distância entre um ponto e outro. Eram 11h15 da manhã, oito horas e meia na frente do Brasil. Será que tem jeito de estar realmente na frente no tempo? Quanto tempo o tempo tem?

O tempo para os povos indígenas é uma divindade sagrada encarregada de manter a lei dos ciclos: as estações da terra e as estações do céu. As estações da Terra podem ser medidas pelo Sol e as estações do céu, pela Lua. O tempo faz a ligação do ritmo – que é coordenado pelo coração – com a ação e a inação. Palavras que li no livro A Terra dos Mil Povos de Kaká Werá Jecupé, uma referência na literatura indígena e um amigo.

A conexão seria em três horas, eu tinha tempo. Voltei para a mesma poltrona que sentava quando olhei para o meu relógio Casio pela primeira vez. Era uma daquelas poltronas que reclinam o encosto, uma espreguiçadeira daquelas que estão sempre ocupadas nos aeroportos movimentados. Com o corpo quase na horizontal, respirei fundo e tirei da mochila meu celular, fone de ouvido e uma pergunta.

Foi nesse momento que a senhora ao meu lado me perguntou: “O que que te trouxe até aqui?” Na hora não sabia se ela se referia à espreguiçadeira ou o fato de estar aguardando uma conexão em pleno aeroporto de Addis Ababa, na Etiópia. Você que já leu esse texto até aqui, pare e pense: O que te trouxe até onde você está hoje? Quais foram as últimas revoluções que você fez nos últimos seis meses? Quais revoluções você fez ontem? O que você faz com o seu tempo hoje?

A palavra adulto não é, necessariamente, a primeira coisa que vem à cabeça quando pensamos na educação. Mas a verdade é que nós nunca paramos de aprender e eu acredito fortemente que se trata de um processo contínuo e revolucionário. Aprender a se fazer perguntas generosas, a habitá-las, atravessá-las e deixar vir novas, é a parte importante dos processos educacionais realmente transformadores voltados para adultos.

Ou seja, não apenas fazer as perguntas, mas garantir o exercício de fazê-las, lembrando que parte importante desse exercício é também escutar. Daí nascerão questões novas e assim sucessivamente.

O exercício de sermos pessoas generosas com as perguntas que fazemos é como respirar conscientemente, pois tanto respirar quanto perguntar, a gente faz todos os dias. O curioso é que em ambos os casos, se estamos atentas, respiração e “pergunta-ção”, se me permitem a licença poética, tornam-se fonte de onde tomamos ar, fôlego.

Inspira, expira, respira. Isso é um convite para você compartilhar ainda hoje um pergunta generosa, um respiro consciente. Para você mesma ou para outro alguém, mas não deixe de fazer.

O tempo voou e escutei no alto falante central que era hora do embarque para Nairobi. Abri a mochila novamente e guardei a pergunta, o fone de ouvido e o meu celular. Olhei para a senhora e disse: Boa viagem, boas perguntas e que as batidas do seu coração sejam realmente as coordenadas para o tic tac do seu relógio.

Artigo publicado na Ecoa  UOL - Universo Online .

Francesca Folda

Journalism | Social Impact | Innovation

2 a

English version, please! ❤️

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos