"Nada se cria, nada se perde": também na vida profissional

O clássico ensinamento de Lavoisier está longe de se limitar apenas às ciências; na verdade, também oferece lições para a vida de que tudo se transforma (ou reaproveita). Aprender a se observar e avaliar o que é positivo ou o que pode ser melhorado faz parte da constante transformação pela qual passamos ao longo das nossas experiências.

Nessa fase inicial de transição de carreira em que me encontro, enquanto me preparo para assumir um novo desafio profissional, não poderia ser diferente. Uma das etapas chave foi mergulhar num processo de autoconhecimento e refletir sobre quais habilidades e características minha vivência como advogada me capacitaram para atuação na área de Compliance. Escolhi compartilhar cinco delas:

🔍 Análise crítica: Acima de obedecer regras ou diretrizes, abrange capacidade de interpretar e avaliar informações de forma profunda. Tanto para atuar em defesa da empresa ou tomar medidas judiciais face a um prejuízo, quanto elaborar pareceres mediante consulta do cliente, o advogado diariamente analisa, de forma pormenorizada, documentos que lhe são disponibilizados como prova e avalia se suprem esse propósito, regulamentos para identificar eventual descumprimento normativo ou potenciais riscos, de que maneira é possível satisfazer um interesse comercial e transmite sua conclusão.

Para um profissional de Compliance, é uma habilidade essencial, já que faz parte de seu cotidiano se questionar não apenas se as práticas estão alinhadas com a regulamentação da atividade, como também se há algum ponto de exposição, se há algo que pode ser explorado ou aperfeiçoado, se os controles internos são eficazes para prevenir riscos ou detectar não conformidades. O pensamento crítico é o que permite antecipar problemas e propor soluções que agregam valor à empresa.

📅 Acompanhamento normativo: Atentar ao advento de novas normas legais ou regulatórias é indispensável para a prática jurídica. Afinal, uma mudança normativa pode não só compelir o cliente a adotar novos procedimentos e rever determinadas condutas, como também a equipe jurídica a traçar estratégias distintas daquelas que adotou no passado para demandas semelhantes.

Manter-se atualizado e acompanhar o processo legislativo e as pautas das autoridades reguladoras é cotidiano para o profissional de Compliance, visto que o advento de um novo regulamento pode implicar, por exemplo, ter que revisitar a gestão de riscos da empresa, repensar novas formas de explorar aquela atividade econômica e/ou elaborar uma nova política.

🔀 Multidisciplinaridade: Antes de se adentrar à parte jurídica, é fundamental entender os fatos controvertidos da demanda. E, na maior parte dos litígios, isso significa adentrar à matéria técnica que permeia a relação entre as partes, o que exige compreensão de pontos que são estranhos à formação do profissional do Direito. Para que isso seja possível, é necessário realizar reuniões com o cliente, pesquisar artigos e manuais de fontes confiáveis e, em muitos casos, discutir o caso com assistentes técnicos, para alinhar estratégias legais de acordo com a especificidade da demanda.

A multidisciplinaridade é ponto focal da equipe de Compliance, já que, para ser parceiro de negócio e identificar oportunidades, bem como para a elaboração de políticas e procedimentos, concepção de controles internos e processos de monitoramento, análise e gestão de risco adequadas e, até mesmo, para condução de investigações internas, é indispensável trocar com outras áreas da companhia, entender o ramo da atividade e encontrar soluções em conjunto.

👥 Treinamento: Preparar integrantes mais novos para atuar na equipe, muitas vezes em contato com os clientes ou representar seus interesses em diligências internas ou audiências, e entender os sistemas internos é algo contínuo. Como advogada mais experiente na equipe, era necessário integrar e treinar advogados júniores e estagiários, uma atividade constante e que, por sua vez, exigia classificar pontos de acordo com a sua relevância ou sensibilidade, para determinar a frequência ou a atenção das instruções, a fim de mitigar falhas.

O treinamento é um pilar crucial de um Programa de Compliance, já que seu sucesso depende diretamente da sua implementação prática pela empresa. É por meio desses treinamentos que colaboradores compreendem as políticas e seus impactos, para que saibam como agir de acordo com os valores da companhia; aprendem a identificar potenciais riscos e desvios de conduta, permitindo que sejam resolvidos antes de se tornarem maiores; e são incentivados a participar ativamente da mitigação de possíveis irregularidades.

🗣️ Comunicação clara: Grande parte do trabalho do advogado é dar voz ao seu cliente, principalmente perante as autoridades judiciárias e administrativas. Significa entender quem é o seu público e transmitir a mensagem de acordo, para que haja a compreensão exata do ouvinte.

Na área de Compliance, isso se prova relevante para que informações das mais simples até mais complexas sejam acessíveis a diferentes públicos. A falta de clareza na comunicação compromete o trabalho em conjunto entre as diferentes áreas da empresa, o que, para a efetividade de um Programa de Compliance, é extremamente sensível.

A nossa vida profissional pode assumir diferentes caminhos conforme seguimos a trajetória natural, mas é importante reconhecer que nenhum deles nos anula.

Tudo se transforma.