Navios, rebocadores, veleiros e inovação aberta
Stephanie Blum - Janeiro 2022 - Navios, lanchas, rebocadores e inovação aberta

Navios, rebocadores, veleiros e inovação aberta


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Imagine lado a lado no oceano um navio, um rebocador e um veleiro.

Não há dúvidas que o navio é muito maior que os demais. Ele tem motores mais potentes, um staff mais numeroso e – em uma possível colisão - destruiria facilmente tanto o rebocador quanto o veleiro.

Também, em uma emergência, o navio provavelmente tem recursos suficientes para aguentar mais tempo à deriva até que o resgate chegue, sem falar no conforto de quem está a bordo.

Mas se for preciso mudar de rota rapidamente para explorar uma novidade avistada, quem você acha que consegue trocar a direção mais rápido? E para fazer uma manobra bem delicada em um ambiente apertado - como por exemplo um porto - quem se daria melhor? Dessa maneira fica fácil entender como cada embarcação tem seus pontos fortes e fracos.

Pense agora nesse exemplo considerando o navio como uma grande empresa, o veleiro como uma universidade ou instituição de pesquisa e o rebocador como uma startup.

Principais Diferenças

As universidades exploram temas diversos. De pesquisas básicas à temas aplicados, milhões de cientistas procuram respostas mundo a fora em várias direções. Estão por dentro das agendas de congressos, dos últimos papers publicados, de artigos científicos em desenvolvimento e de resultados iniciais de experimentos em laboratórios. Novidades científicas são com eles mesmos! Mas essas instituições não conseguem ficar muito tempo sem receber recursos, dependem disso para que suas pesquisas possam sobreviver, assim como um veleiro depende muito do vento.

As startups são bem mais flexíveis do que grandes empresas, por isso tem muito mais facilidade para mudarem de direção conforme o mercado reage – ou seja: conseguem pivotar seu modelo de negócio - e são especialistas em resolver um determinado problema muito bem, pois são ultra especializados em alguma dor. Também são mais rápidas na tomada de decisão – porque, além de muito mais ágeis, elas têm menos camadas no organograma até chegar no big boss. Assim como os rebocadores, as startups têm motores potentes e alta capacidade de manobras - apesar do seu pequeno porte.

A grande empresa é a mais preparado para "cruzar um oceano" - superar tempos de escassez e sobreviver em tempos difíceis (como uma pandemia) - coisa que nem a startup nem um centro de pesquisa fariam com facilidade. Escala importa! Há pouco risco e um certo conforto em poder andar em linha reta, mas leva-se bastante tempo e recursos para construir tanto uma grande corporação quanto um navio.

Na hora das dificuldades, a forma como cada embarcação enfrenta as adversidades também não é única. Enquanto um navio é mais resistente - enfrentando ondas (ou “marolinhas”, segundo alguns moluscos cefalópodes mais farsantes) - e aguentam o tranco, os barcos menores são mais ágeis para contornar as ondas de formas criativas. Aqui o indiozinho tem que saber remar para a canoa não virar!

Há também diferenças entre cada um dos comandantes dos 3 tipos de embarcação, cada um deles tem prioridades diferentes em termos de habilidades mais relevantes: Conexão com o mercado e seus analistas, experiências, gestão de grandes times, conhecimento técnico, conhecimento teórico / científico, criatividade, velocidade de reação a adversidades, etc. Isso tem forte impacto na cultura do lugar, criando três ambientes muito diferentes.

Líderes com habilidades díspares fomentam culturas diversas.

Um cientista, por exemplo, precisa ter toda a sua tese bem embasada, dados precisos, provas concretas sobre as hipóteses feitas. A velocidade não é o indicador mais importante, a busca é pela novidade comprovada. O ambiente é de teste, mas tudo tem uma explicação lógica. Ele só chega em uma conclusão quando a confiabilidade medida é muito alta e quando há um grupo de controle comparável. Há diversos protocolos e o nível do rigor esperado nos experimentos é muito alto em cada etapa do processo - ou você acha que podemos arriscar a vida de pessoas ao se testar um avião ou uma vacina? Pode haver um time pequeno ou grande, mas todos tem uma função especializada.

O founder de uma startup precisa ser muito aberto à tomada de riscos. Ele Faz testes A/B, erra rápido e conserta rápido, usa os dados que tem e assume o que não tem. Passa por um processo de descobrimento com menos rigor científico na hora dos testes e desenvolvimento para ganhar agilidade e se compromete com o resultado quase imediato. Há menos tempo e mais risco.

O CEO de uma grande empresa precisa passar credibilidade para o mercado, faz planos estratégicos para daqui 5, 10 anos. É avesso ao risco, pois não quer (e não pode) falhar. Diferentemente das startups, o custo de falha de uma empresa de grande porte (e de seu líder) é muito alto, e tende a receber uma punição quase imediata do mercado. Importa muito conseguir passar a imagem de uma empresa madura e que sempre acerta e de um líder que é capaz de entregar os milestones previamente acordados, sem surpresas.

Não existe quem consiga reunir sozinha todas as vantagens desses três meios em uma só embarcação. Mas será que dá para navios, rebocadores e veleiros trabalharem juntos com tantas diferenças culturais e com uma visão tão diferente sobre inovação? Com certeza! Os últimos podem minimizar ineficiências que o navio tem e dar uma injeção de inovação na cultura mais tradicional. E isso chamamos de inovação aberta.

O início da inovação aberta e os programas das grandes empresas

Inovação aberta é um termo que foi cunhado por Henry Chesbrough, ex-professor de Berkeley, em 2003. Ele defendia que as organizações precisam olhar para fora em busca de novos caminhos para gerar inovação ao invés de depender inteiramente de seus departamentos de P&D.

Usando nossa metáfora, podemos dizer que um grande navio não consegue sozinho dar conta de navegar por aí explorando cada cantinho do mundo e trazendo conhecimentos. Uma embarcação de grande porte não pode desviar de sua rota para ver corais, golfinhos e baleias e nem pode correr o risco de encalhar se parar em uma ilha no meio do Pacífico. Na hora de manobrar em espaços apertados, também pode ser impossível se mover com destreza e flexibilidade para atracar.

Inovação aberta é poder usufruir dos benefícios destes 3 mundos: A robustez e os recursos do navio, a técnica necessária para trazer novos conhecimentos do veleiro e a facilidade de manobrar do rebocador. A estruturação de programas de inovação aberta pode ter resultados incríveis para todos os lados. Existe uma simbiose entre a necessidade e a capacidade que esses personagens podem oferecer e receber se trabalharem juntos, os programas são positivos a todos os participantes dessa parceria.

As vantagens dessa combinação?

Pesquisadores e empreendedores ganham uma plataforma de teste em ambientes reais e podem validar se sua pesquisa / produto / serviço de fato atendem às necessidades que eles viam no começo de suas jornadas. Também usufruem de especialistas e executivos em toda a cadeia e um possível primeiro cliente para seu portfólio. Além disso, com as despesas pagas pela corporação, o risco de quebrar (ou nesse caso, afundar) cai. Mais do que isso: recebendo “smart money” as startups evitam diluir seu equity! A alternativa de conseguir dinheiro pode sair bem cara ao se abrir mão tão cedo de parte da sua empresa para investidores - a hora certa ainda vai chegar!

A inovação aberta também abre espaço para que empresas tenham acesso ao que existe de mais novo nas bancadas de laboratório e no mercado, engaja os colaboradores no tema de inovação e podem fazer parcerias exclusivas para acelerar seus projetos. É garantir o acesso a resultados interessantes de forma barata e, dependendo do acordo, ter participação na patente criada em colaboração, ter alguma exclusividade na hora da compra da tecnologia ou mesmo direito ao first refusal. Isso sem contar com a imagem positiva para a empresa que faz fomento à ciência e se aproveita da pauta para engajar com público mais jovens. É ser cool por osmose.

A co-criação de produtos e serviços virou uma estratégia tão importante de crescimento para empresas e isso se tornou tão relevante que dezenas de empresas criaram programas ou até mesmo áreas de inovação aberta.

A ideia parece óbvia, mas a implementação não é tão fácil. Resta aos gestores de inovação aberta organizarem como operacionalizar de forma eficiente essa parceria (trabalho que venho fazendo há mais de dois anos em empresas como BRF e Mondelez). O objetivo principal do gerente de inovação aberta é conectar a empresa - o grande navio - com o ecossistema de inovação - rebocadores e veleiros para resolver desafios internos com agilidade e soluções “fora da caixa”.

 Com parceiros em alto mar, é possível seguir viagem mais facilmente.



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Stephanie é bacharel em matemática aplicada pela USP e Mestre em Innovation Management & Entrepreneurship pela Brown University. Especialista em inovação aberta, apaixonada por empreendedorismo científico e escreve às segundas-feiras.

 

Matheus Galhardo

Valuable Young Leaders | Innovation | Process Management | Digital Transformation | Strategy | Financial at IPM Educação

2 a

Excelente! 👏🏻👏🏻👏🏻

Marcos Daniel Goes

Consultor e Empreendedor de Transformação Digital e Inovação | Fundador da Haze Shift | Especialista em Liderança Remota e Facilitador Certificado LEGO® SERIOUS PLAY®

3 a

Parabéns por ilustrar de forma tão bacana analogias e conceitos Stephanie Blum! Olha só Roberta Bernine e Ana Maria Oliveira

Muito didático, Stephanie! Amamos aqui 💛 Já queremos cocriar um artigo pro nosso blog =X #temosinteresse

Marcelo Hessel

Innovation | Creativity | Partnerships | Communication | Strategy

3 a

Stephanie, uma analogia perfeita. Eu diria que estamos no mesmo barco, mas vou adaptar para: estamos no mesmo oceano. Texto incrível ! Abordagem precisa!

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