NENHUM EMPREGO À MENOS
O QUANTO ANTES MELHOR...
Izner Hanna Garcia
A pandemia ocasionada pelo COVID19 é um fato inaudito para a humanidade.
Antes que se diga que houveram ‘n’ pandemias no passado (muitas piores) os fatos realmente novos desta pandemia estão: (i) na extrema interconexão das economias mundiais; (ii) a velocidade em que esta economia interligada transmite sua sinergia; (iii) o alto endividamento global que marca a fragilidade de todos (governos, empresas e famílias).
Fazendo uma ‘lista’ destas questões vê-se que uma análise econômica assemelha-se a uma análise de epidemiologia.
O fato alertado por Nassim Taleb no seu último livro (Anti-Frágil) mostrou-se mais que uma profecia: o mundo não pode parar e, justamente, a pandemia atingiu este cerne: o mundo parou.
Os flagelos financeiros econômicos podem ser enumerados à exaustão e, na verdade, “para todo lado que olha”, só se vê problemas.
Neste contexto global há algumas singularidades.
EUA, tendo sua moeda e dívida como referência mundial, é um país em situação diferenciada visto que pode ‘imprimir dinheiro’ e o sistema global absorve esta impressão. Aliás, diga-se, toda esta crise ‘abre uma janela’ financeira para que possa, justamente, imprimir mais dinheiro visto que o grande endividamento global gera uma demanda por dólares já que, obviamente, países e empresas se endividam em dólar. Por outro lado, se os EUA têm a grande vantagem financeiro, sua economia baseada basicamente no setor de serviços, sofrerá grande impacto.
China, embora não tenha o domínio mundial financeiro, tem fatores relevantes que a ajudam: um sistema autoritário que lhe permite dirigir o país, um sistema econômico que não depende tanto do setor de serviços como os países ocidentais, reservas internacionais (em dólares) impressionantes, uma grande parcela da sua população “fora do mundo”, em uma economia desconectada, disciplina fiscal e grande presença no comércio global. E, claro, custo de produção e vida muito mais baixos que o mundo ocidental.
Rússia um ponto fora da curva. Um sistema indefinível, fechado sob a mão forte de Putin e da plutocracia que detém o poder, mantendo-se na vanguarda das tecnologias bélicas, já ‘fechada’ sob o embargo que os EUA leva à cabo, sabe sofrer.
Afora estes países restam os demais países.
Europa: Alemanha, como sempre, mais ‘organizada’ e capitalizada está em condições melhores. Contudo, está na Europa, cercada por países que estão muito mal como Itália, França, Espanha, etc.
América Latina? Ah, América Latina. Argentina e Brasil cortejando uma disrupção econômica e política. Venezuela o caos que todos conhecem, ainda mais com o petróleo nestes preços. Os países andinos em crise.
Enfim, há um problema sério, global e diferenciado.
Não se trata de uma quebra financeira, não se trata de uma seca em uma região ou de uma guerra.
Para usar uma analogia: é como se os motores em uma decolagem apagassem.
Por que decolagem?
Porque a economia global – de novo governos, empresas e famílias – estavam (antes da crise) altamente endividados. Vivemos, principalmente à partir da década de 80 em diante, a era da dívida. Todos devem. Muito. Cada vez mais. Deve-se o salário, a casa, o carro, a viagem de férias, o capital de giro das empresas, o maquinário de produção e, claro, os orçamentos dos governos.
Ora, quando se tem um patamar tal de dívida é como se estivesse-se em uma decolagem, com os motores na rotação máxima, para levar toda esta ‘massa’ ao ar e, então, ao voo de cruzeiro.
Esta é a gravidade da crise: o mundo não pode parar.
Mas parou.
Bem, e daí? Este é o diagnóstico. O que fazer?
A primeira coisa é compreender o problema.
Se se compreende o que e porque está acontecendo algo a busca da solução fica mais fácil.
Neste sentido podemos ter lições de outras epidemias: a peste negra foi tão mortal porque demorou-se muito a entender que a transmissão dava-se pelos ratos.
Países periféricos (como Brasil) devem compreender que os diagnósticos e remédios econômicos e financeiros vigentes até aqui não podem ser usados na situação atual.
Não se trata de ser irresponsável em termos tributários e em disciplina fiscal mas sim, justamente, ao contrário: ser responsável dentro de uma situação extrema e inversa.
Os números que vislumbra-se para a economia brasileira apontam uma verdadeira tragédia: desemprego em massa (lembrando que a economia brasileira gravita em torno de 75% do setor de serviços), fechamento de comércios, setor industrial arrasado, setor sucroalcooleiro massacrado, a Petrobras (somada a crise do petróleo) pisoteada e etc.. Tudo isso gerando queda da massa salarial e diminuição da ‘massa de consumo’ em uma retroalimentação viciosa.
Os pontos finais desta crise: o setor bancário (que irá carregar toda a inadimplência) e os governos (federal, estaduais e municipais) que terão uma grande queda de arrecadação, tornando os seus já frágeis equilíbrios fiscais em números de horror.
Alguns estados já começam a atrasar salários, o que é só o prenúncio do que virá.
Neste contexto, absolutamente inaudito, está-se em risco não só a economia mas também a Nação e a estabilidade (precária) institucional.
O que fazer?
É imperioso reconhecer-se a gravidade da situação. O Covid19 não é uma gripezinha e a crise não é uma “quebrinha” do sistema.
O quanto antes (e o tempo e velocidade aqui importam) o Brasil deve compreender que os manuais de economia não valem nada agora. Um país que já não vinha ‘lá tão bem’, com anos de recessão ou crescimento pífio, não pode, agora, querer uma disciplina fiscal.
Seria como uma pessoa, tendo um infarto, o médico da emergência ao invés de atuar no tratamento imediato passar a discorrer ao paciente (infartando) sobre a importância do exercício, os perigos do sobrepeso e do cigarro.
Não há tempo e espaço para isso.
Se o Brasil está obeso, é fumante e sedentário, agora, tendo um infarto, não se pode fazer outra coisa senão as medidas extremas para manter o paciente vivo.
Reformas estruturais, disciplina fiscal, reestruturação do Estado e tudo o mais deve ficar para outro momento, quando o paciente escapar do infarto.
Ainda com alguma reserva (mesmo com todas as saídas de capital e com as intervenções no câmbio) o Governo Federal deveria patrocinar uma política financeira de simplesmente impressão de moeda de forma a simplesmente subsidiar toda a base da economia indistintamente.
Setor sucroalcooleiro está em dificuldade? O BNDES empresta. O setor de serviços? O BNDES empresta. A indústria automobolística? O BNDES empresta. Os lojistas de shoppings? O BNDES empresta. Os restaurantes? O BNDES empresta. As companhias aéreas? O BNDES empresta. E etc... O BNDES EMPRESTA.
Mantendo as reservas cambiais o Governo Federal deveria imprimir (de maneira agressiva e abrangente) moeda.
Inflação?
Bem, o Brasil conviveu com a inflação por décadas e não acabou.
Ademais, com toda a crise, haverá um ‘gap’ em que a economia pode absorver toda impressão sem gerar inflação visto o tamanho da queda que já vivenciamos.
A meta deveria ser: nenhum emprego a menos.
Para se garantir empregos deve-se garantir empresas e governos.
Paralelo a esta intervenção direta o governo deveria adotar uma redução substancial das alíquotas de impostos (já que se valerá da impressão monetária e assim não terá problema de financiamento do seu orçamento) para estimular a atividade produtiva e tornar o país ‘menos caro’.
E depois, para frente?
Para frente ver-se-á o que fazer.
Mas o país manterá emprego e empresas e governos.
Se o Brasil conseguir manter sua massa de empregos e, assim, sua massa consumidora, este ativo (considerando os 210 milhões de habitantes) já é em si um grande ativo internacional.
Izner Hanna Garcia, advogado, pós graduado Fundação Getúlio Vargas, autor de Ilegalidades nos Contratos Bancários e outros.