Neocolonialismo
Tenho lido posts no Facebook afirmando que a escravidão no Brasil foi mais perversa do que nos Estados Unidos, uma manifestação de neocolonialismo. Foram, sim, 4 milhões de escravos segundo os historiadores brasileiros, enquanto nos Estados Unidos foram 400 mil, o que os leva a concluir que a escravidão no Brasil foi muito mais severa e mais persistente. Será? No Brasil, houve miscigenação desde o início, inclusive entre os libertos negros e os brancos. Nos Estados Unidos, leis raciais proibiam o uso dos mesmos espaços públicos por negros e brancos, bem como o casamento entre as raças. No Brasil, os escravos podiam ganhar dinheiro (escravos de ganho ou de aluguel no Rio de Janeiro), podiam mover ação contra os senhores e havia advogados dativos para defendê-los. Os negros libertos podiam ter propriedade. Tudo isso talvez só acontecia em pequena escala, mas era possível a luta por garantir essas liberalidades da escravatura no Brasil. Teve escravidão sim, mas não se desenvolveu aqui nem a segregação nem o ódio ao negro. Nos Estados Unidos havia proibição de qualquer relacionamento sexual entre brancos e negros porque estes tinham que procriar novos escravos por causa do custo de importar escravos da África. Ficar dizendo que a escravidão foi muito pior aqui no Brasil é simplesmente uma distorção ou uma mentira histórica. Quantos foram os libertos nos Estados Unidos? Aqui muitos obtiveram a alforria de seus senhores, ou de seus ganhos próprios ou das irmandades de negros; alguns voltaram para a África levando a cozinha baiana, a música e o português falado no Brasil. Aqui também puderam seguir seus cultos e bater. Tudo isso conquistado em grande parte pela luta dos escravos que eram a maioria da população! Aqui não tivemos guerra civil para libertar os escravos. Aqui não se desenvolveu uma categoria "White Trash" de brancos que se sentiam fracassados e que alimentaram e persistiram no ódio aos negros até hoje. Nunca houve KluKluxKlan no Brasil! Tivemos muita miscigenação. Tivemos um grande movimento social abolicionista que juntou brancos e negros. Isso prova que não é a quantidade de escravos vindos da África que marca a perversidade da escravidão. Não é a quantidade; é a qualidade da relação e as leis promulgadas durante ela. Temos, sim, uma enorme desigualdade e muito preconceito contra favelados e brancos, pardos e negros pobres, especialmente os dois últimos que afetam os procedimentos da repressão policial contra o tráfico de drogas e outros crimes contra a propriedade. Homicídios continuam muito pouco investigados, com grande impunidade como consequência.
Isso se repete na Europa com relação às atitudes em relação aos migrantes. A Pesquisa Social Européia (European Social Survey - ESS) - uma pesquisa semestral das sociedades européias e atitudes das pessoas desde 2002 - descobriu que não é a quantidade de migrantes que gera sentimentos anti-migrantes. Posturas contra a imigração são mais fortes em países com poucos migrantes. Da mesma forma, no nível individual, há uma forte correlação negativa entre o contato pessoal com os migrantes e as atitudes pessoais.
A análise dos dados mostrou que processos societários mais gerais moldam mais as atitudes: o nível de confiança mútua e nas instituições do Estado, a percepção da coesão social, a insegurança pessoal no emprego e nas condições de vida. Os "indivíduos que rejeitaram os migrantes, de forma extrema e homogênea, não diferiram nas características demográficas do resto da população. A diferença entre eles estava em suas percepções subjetivas de controle: eles sentem muito mais que têm dificuldades financeiras, estão alienados da política, carecem de confiança e mantêm valores individualistas focados na segurança. Em suma, as pessoas que se sentem politicamente destituídas, financeiramente inseguras e sem apoio social são as que mais se tornam extremamente negativas em relação aos migrantes". Vera Messing e Bence Ságvári no Social Europe.
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