A nossa Copa do Mundo

A nossa Copa do Mundo

Copa do Mundo mexe mesmo com o coração de todo mundo, com perdão da redundância. Quem teve a oportunidade de assistir o segundo jogo do Mundial, Egito contra Uruguai, pôde observar uma cena emocionante: Mohamed Salah, jogador estrela do Egito este ano, sentado no banco de reservas assistindo seu time se afastar, depois de tanto esforço, da sonhada vaga no maior campeonato de futebol do mundo.

Ainda se recuperando de lesão no ombro, Salah iniciou a partida no banco de reservas e, embora muitos tinham a esperança de vê-lo em campo ao menos no segundo tempo, acabou sendo poupado pelo treinador, ciente da importância do camisa 10 no decorrer do torneio. Assim como Salah, muitas vezes nos vemos impotentes em frente a situações da vida. Nos sentamos no banco e observamos, com enorme pesar, nosso futuro ser decidido por mãos, ideias e lances fora do nosso alcance. Congresso, Senado e Câmara tornam-se a mais exata personificação desse sentimento. Seja por meio de textos veiculados em portais ou no noticiário da televisão, a nossa maior esperança é torcer para que aqueles que nos representam de fato nos conheçam e representem bem, lutem pelo nosso time.

Fato é que, uma vez a cada dois anos, é a nossa deixa de sair do banco e decidir nossa jogada. As urnas se tornam nosso campo e as escolhas nossa melhor estratégia. Bons jogadores, entretanto, também erram. Más decisões influem consequências, que, entretanto, podem ser de alguma forma revertidas. Se o lance não deu certo, se o treinador não se entregou como esperado, ainda está em nossas mãos a capacidade de virar o jogo, mesmo que do banco.

No último 14 de junho, na Argentina, por exemplo, centenas de milhares de mulheres puderem assistir, na grande tela, a decisão de um congresso majoritariamente masculino e branco sob seus corpos. É injusto e impotente, mas não é em vão. Mesmo aquelas que se manifestavam contra a legalização do aborto, projeto que estava sendo votado no dia, deviam alguma coisa à alguém que, em algum momento na história, não aceitou assistir o jogo apenas do banco de reservas. Mulheres que hoje dizem que outras mulheres não têm direito sobre elas mesmas devem também agradecer pelas fortes jogadores que, lá atrás, lutaram pelo direito dessa manifestação.

Seja na política, no futebol ou na vida, bons jogadores também perdem. A Argentina, entretanto, conseguiu uma pequena vitória. Mesmo que influenciada por jogadas políticas que visam estancar a sangria da economia falida do país, conseguiu o suficiente para levar a votação do projeto ao Senado. Um pequeno passo para o homem, um grande passo para a igualdade — ou ao menos o começo dela.

A expressão de Salah, sentado no banco de reservas lutando, internamente, pelo seu país, é a mesma que atravessou o semblante de mulheres de todo o mundo ao perceberem que, mesmo não estando em campo, ainda existe uma chance para nós.

Copa do Mundo, afinal, mexe com o coração do mundo.

* Crônica desenvolvida durante a disciplina de Laboratório de Jornalismo Impresso, na Universidade de Caxias do Sul.

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