A nossa percepção da Realidade
A percepção que o ser humano tem da realidade é uma das mais fascinantes e complexas questões humanas. Desde tempos imemoriais, filósofos, teólogos e pensadores têm contemplado a natureza da realidade e o papel dos sentidos humanos na sua compreensão. A realidade, aquilo que existe, depende nos nossos sentidos, ou nós é que estamos limitados aos nossos sentidos para perceber a natureza da realidade? A realidade é o que é, e cabe a nós utilizarmos tudo o que temos para percebê-la.
De acordo com Aristóteles, os cinco sentidos - visão, audição, olfato, paladar e tato - são as nossas janelas para o mundo físico. Eles nos oferecem um panorama da realidade, permitindo-nos interagir e responder ao ambiente. No entanto, como Platão observou nos seus diálogos, confiar exclusivamente nos sentidos é falho.
O mundo das formas perfeitas, segundo Platão, é inacessível aos sentidos, mas é mais real do que o mundo físico que percebemos. Para ele, as coisas no mundo sensível são apenas cópias imperfeitas das formas perfeitas e eternas existentes nesse outro mundo. Nós nunca vemos um círculo perfeito no mundo físico. Sempre que desenhamos ou vemos um círculo, ele tem imperfeições. No entanto, entendemos o conceito e podemos raciocinar sobre um círculo perfeito. Para Platão, isso indica que o círculo perfeito existe no mundo das formas. No mundo físico, muitas vezes testemunhamos injustiças. Mas reconhecemos a injustiça porque temos uma ideia do que é a justiça verdadeira e perfeita. Essa ideia perfeita de justiça existe e é real no mundo das formas. Se olharmos para um cavalo, por exemplo, percebemos que não há dois cavalos exatamente iguais. No entanto, conseguimos reconhecer todos eles como cavalos. Isso sugere que há uma forma perfeita de "cavalo" no mundo das ideias.
Para Platão, as formas são eternas e imutáveis. Elas são o padrão pelo qual julgamos e compreendemos tudo no mundo sensível. E, embora não possamos percebê-las diretamente com os nossos sentidos, podemos acessá-las através da razão e da reflexão. Ao valorizar o mundo das formas acima do mundo sensível, Platão estava enfatizando a importância da razão, do raciocínio, do intelecto, do pensamento abstrato e da busca pela verdade eterna, em vez de se contentar com as aparências transitórias do mundo físico.
Fica claro que o intelecto vai além dos sentidos. Como Santo Agostinho argumentou, há verdades imutáveis e universais - como as verdades matemáticas - que não são percebidas pelos sentidos, mas são compreendidas pelo intelecto. O intelecto também nos permite refletir, raciocinar e compreender conceitos abstratos, como justiça e moralidade. Ou seja, existe uma realidade que vai além dos cinco sentidos básicos e são acessíveis somente com o intelecto. Essas realidades, portanto, não são acessíveis aos seres irracionais.
No entanto, se o intelecto vai além dos cinco sentidos primitivos, existe uma outra capacidade humana que está acima do intelecto: o amor.
Aristóteles discute várias formas de amor em sua ética. Ele descreve o "philia" (amizade) como um tipo de amor que se baseia na reciprocidade e no desejo do bem para o outro. Ele também reconhece o "eros" (amor romântico) e o "storge" (amor familiar). Para Aristóteles, o amor verdadeiro e a amizade são fundamentais para a realização e a felicidade humana.
Em suas "Confissões" e outros trabalhos, Santo Agostinho descreve sua busca pelo amor divino e pela verdade. Ele percebeu que seu coração estava inquieto até encontrar descanso em Deus. Para Agostinho, o amor divino é a força que nos puxa em direção a Deus e nos ajuda a transcender nossos desejos terrenos. O amor, neste sentido, é tanto uma graça de Deus quanto uma resposta humana ao divino.
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O amor, como São Tomás de Aquino apontou, é uma forma transcendental de perceber a realidade. Não se trata apenas de uma emoção ou sentimento, mas de uma forma profunda de conhecimento. Por meio do amor, somos capazes de perceber realidades que estão além do alcance tanto dos sentidos quanto do intelecto. O amor nos permite entrar em comunhão com o outro, com o divino e com a essência mais profunda da realidade.
O amor, em todas essas perspectivas, serve como uma lente através da qual podemos ver a realidade de forma mais profunda e significativa. Ele nos conecta aos outros, ao divino e à verdade mais profunda da existência. O amor purifica nossos desejos, eleva nosso entendimento e nos direciona ao bem supremo. Ele age como uma bússola moral, guiando-nos em direção ao que é verdadeiro, bom e belo. Ao experimentarmos o amor genuíno, seja por outra pessoa ou por uma busca da verdade, somos levados a um entendimento mais profundo da realidade e de nosso lugar nela.
A busca pelo entendimento da realidade é uma escada, onde cada degrau que subimos, eleva o nosso entendimento sobre aquilo que existe, sobre a realidade. Os cinco sentidos nos permitem perceber o maravilhoso mundo físico, material, mas ainda é míope perto do que o intelecto nos permite perceber. Somente com o intelecto é que podemos perceber a Beleza, a Justiça, a Álgebra, a Lógica, e todas os raciocínios que são exclusivamente humanos. No entanto, somente o amor é que explica tudo aquilo que os sentidos não captam, e tudo aquilo que o puro intelecto não compreende.
É por essa razão que toda discussão sobre a existência de Deus se torna inadequada e até mesmo ridícula quando se argumenta na esfera dos cinco sentidos (Deus não existe, pois não posso vê-lo, ouví-lo, tocá-lo, etc), ou quando se discute apenas intelectualmente, ainda que nesse campo São Tomás de Aquino tenha resolvido a questão com as suas cinco vias de prova de existência de Deus. A única possibilidade para se entender a existência de Deus se dá quando o homem vai além dos cinco sentidos animais, avança além do puro intelecto e passa a amar. É só o amor que dá acesso ao início da compreensão da realidade divina.
Quem não usa os seus cinco sentidos de forma adequada, não percebe o mundo físico. Quem não usa o seu intelecto de forma adequada, também não percebe o mundo das formas, o mundo matemático. E quem não ama verdadeiramente, de forma ordenada e adequada, também não tem a menor chance de acreditar na mais alta e mais refinada realidade, aquela que é a mais real e eterna: Deus.
Mesmo com a combinação dos sentidos, intelecto e amor, ainda permanece a humilde aceitação de que nunca poderemos compreender totalmente a vastidão da realidade divina. Como Santo Agostinho escreveu em suas "Confissões", Deus é uma realidade que está além da total compreensão humana, uma realidade que é ao mesmo tempo imanente e transcendente.
Mas como bem disse São João Paulo II, "O amor explicou cada coisa. O amor resolveu tudo para mim."
Excelente. 🎯👏🏻
Técnico em aplicação
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