Novelas dizem tudo do momento político
Por que você um jornalista, uma pessoa tão crítica (será?) e de boa formação cultural assiste novelas? Eu sou noveleiro e acompanho as minisséries e séries e, geralmente, da Rede Globo. Motivação 1 - o melhor do audiovisual ficcional brasileiro está na tevê. Não necessariamente, na emissora da família Marinho. Em 1979, assisti na Bandeirantes a novela "Cara a Cara", um excelente folhetim contando de forma convincente uma trama. Em 1990, Pantanal, na Rede Manchete, da família de Adolpho Bloch, dispensa comentários.
Motivação 2 - as novelas dizem muito do imaginário brasileiro e, não é exagero, muitas das vezes geram imaginário.
Há pelo menos 3 décadas, aquilo que se convencionou denominar ficção no folhetim novelesco brasileiro passa por uma transformação. Não há mais predominância de uma história com fortes personagens e sim prevalecem personagens, muitos dos quais se sobrepõem ao que seria o núcleo principal da novela. Basta notar que em A Força do Querer os personagens Ritinha (Isis Valverde) e Rui (Fiuk), do núcleo principal da novela, perderam intensidade e brilho para o dueto azeitado pelos personagens satélites Abel (Tonico Pereira) e Edinalva (Zezé Polessa) - ambos nem aparecem na foto acima, imagem de uma das chamadas da novela em redes sociais.
O Ibope é uma explicação para essa mudança de rumo no andamento do folhetim. As emissoras pesquisam o tempo todo o gosto do telespectador, para manter a fidelidade cotidiana da audiência. E o telespectador decide. É uma forma de interação possível para que a telenovela do dia a dia permaneça viva no imaginário dos telespectadores diariamente. Assim depois do telejornal de notícias (JN), mastigando corrupção política com fundo policial, a audiência se ligue na novela das 9 horas.
Minha amiga, a jornalista Gisele Peralta, chamou a atenção em uma postagem sua (acessível no link acima) de que a Rede Globo deu uma baita guinada em sua programação nesta semana. No ar simultaneamente 3 produções de época: Tempo de Amar, às 18h30; Cidade Proibida, série que estreou ontem e será exibida às terças-feiras, Filhos da Pátria série que começou semana passada, também exibida às terças, e que já tem programada sua segunda temporada.
A reflexão de Gisele é absolutamente pertinente, ou seja, ontem, terça-feira (26/09), eu, um apaixonado por tevê - isso não quer dizer que 207 milhões de brasileiros sejam como eu - fui bombardeado por conteúdo de época. Chato? É de lascar.
Porém da Plin Plin e cia é bom que se espere de tudo em tempos de regime de exceção. Entramos em um funil até a eleição de 2018, anunciada para daqui a pouco mais de 1 ano. Em 1989, quando votei para presidente pela primeira vez, era a novela Vale-Tudo que mostrava o empresário Marco Antonio (Reginaldo Faria), em fuga, dando uma banana para o Brasil, de dentro de uma aeronave. Cena parecida com aquela que assisti enojado quando Joesley Batista levou recentemente, também de avião, sua linda família para a segurança nos The United States of Americ. Joesley voltou com a certeza de que tinha comprado sua liberdade e, de quebra, tinha gente graúda da República em suas mãos,
Meu palpite, porque noveleiro gosta é de palpitar, é que a Globo quer distrair a audiência. Por que? Eu entendo que este apelo da emissora da família Marinho à teledramaturgia de época se deve a uma circunstância própria do momento sociopolíticoeconomico vivido pelo Brasil: logo distração para este povo, enquanto a gente vê aonde vai dar esse Golpe que a gente ajudou a dar. Nesta perspectiva, as séries e novela de época podem brincar sem risco de serem pegas na mentira.
Em Cidade Proibida, o detetive particular Zózimo (Vladimir Brichta) é um galã atrapalhado rolando sobre escrivaninhas, sofás e camas com lindas mulheres - ontem foi com Lídia, personagem de Cláudia Abreu. O primeiro episódio mostrou uma atmosfera de Film Noir e ambientada nos anos 50, com figurinos de época guardando corpos esculturais.Enredo sem profundidade, com personagens caricatos: a prostituta apaixonada pelo galã, o delegado pouco confiável e o malandro cheio de bossa que sobrevive de golpes em mulheres. "Nenhuma novidade nova".
Filhos da Pátria promete humor fácil ao ridicularizar o que é ridículo no Brasil: nossa capacidade de vender dificuldades e, no mesmo pacote, arrumar facilidades superfaturadas.
Se passa após as proclamação da independência, condição que até hoje não desfrutamos. Fernanda Torres é Teresa e Alexandre Nero interpreta Geraldo Bulhosa, funcionário público do Passo Imperial que vive em ambiente de corrupção (Foto: Globo/Estevam Avellar).
Tempo de Amar estreou na segunda e promete tirar suspiros. A novela das 6 da tarde nos remete ao tempo que não volta nunca mais. Quando uma mulher não poderia ousar definir o que desejava, quanto mais afrontar seu destino pré-estabelecido.
Mas vamos com calma. Isso tudo a Globo embalou em singeleza, troca de olhares de atores bonitos, e numa paisagem de paralisar o olhar para nos levar ao começo do século passado.
Os comentários ficaram para a beleza do estreante em novelas globais Bruno Cabrerizo, que interpreta o mocinho Inácio (Foto: João Miguel Júnior/Globo).