Novo ciclo, novo ambiente

Por Cecília França - Revista Mercado em Foco

 Em um país que se desdobra para vencer uma das suas piores crises institucionais, a preocupação com o que acontecerá dois anos à frente pode ficar em segundo plano. Mas o futuro chega, mesmo quando é ignorado. Para qualquer gestor, a capacidade de antevê-lo é fundamental. A Mercado em Foco decidiu ouvir especialistas e traçar os cenários possíveis para a atuação do novo presidente da ACIL, Claudio Tedeschi, que vai governar a entidade até meados de 2018. Ele mesmo comenta os panoramas projetados pelos entrevistados, faz suas próprias previsões e adianta como irá lidar com uma conjuntura de transição muito peculiar.

 Cenário político

O governo de Michel Temer começa com boa aceitação do mercado e condições para reerguer a economia. Porém, politicamente, está “endividado”, pois coube ao presidente em exercício “fazer muitas ofertas e promessas para garantir o impeachment”, conforme opina o Doutor em Ciência Política e professor de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Emerson Cervi.

“É preciso ver se ele conseguirá assentar todos os interesses. Do ponto de vista institucional, será frágil”, completa. No entanto, Temer terá mais condições de governabilidade do que sua antecessora, tanto por sua maior experiência política - que inclui a presidência da Câmara dos Deputados por três ocasiões - quanto pelo perfil de liderança que exerce no PMDB.

“Temer é político tradicional. Tem as características e experiência que faltam a Dilma”, coloca Cervi.

O professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Clodomiro Bannwart, acredita, por sua vez, que o presidente em exercício sofrerá os efeitos colaterais do impeachment, tendo os movimentos sociais e o PT, ainda que enfraquecido, como oposição.

“Eles podem voltar a fazer o que sempre fizeram bem feito, o papel de oposição, que pode fragilizar o governo Temer. O cenário que eu vejo é de turbulência e não de pacificação, do ponto de vista político, para 2017 e 2018”, ressalta.

Ambos também enxergam pouca viabilidade para a realização de reformas. Bannwart acrescenta que analistas não apostam em uma Reforma Política efetiva proveniente do Congresso Nacional, mas da sociedade.

“As grandes mudanças que tivemos na legislação eleitoral, por exemplo, foram por meio de iniciativa popular. Uma lei de 1999, para o fim da compra de votos, depois em 2012, a Lei da Ficha Limpa”, relembra. Para o professor, as entidades de classe têm papel importante na articulação da sociedade, por terem mais força que o cidadão comum isolado, desde que não afetadas por paixões partidárias.

Cervi também acredita que o presidente interino não terá tempo para promover reformas estruturantes. “Ele fará um governo de transição, não mais, com favorecimento de alguns setores com políticas de curto prazo. Não dá para exigir mais do que isso”, defende.

Quanto à possibilidade de novas manifestações populares nas ruas contra a corrupção, Bannwart acredita que poderão se esvaziar, a depender dos rumos da economia, ainda que Temer tenha nomeado ministros citados na Operação Lava Jato.

“Acho que essa acomodação da população está muito vinculada à questão econômica, ela pesa muito nesse direcionamento da população no quesito política”, constata.

Eleições municipais

A turbulência do cenário político nacional já impacta, diretamente, no pleito municipal, dificultando previsões, diz Bannwart. Embora as alianças locais nem sempre sigam a lógica nacional, o fato de partidos antes coligados com o PT apoiarem agora o PMDB (caso do PP, representado localmente por Marcelo Belinatti) deve ter reflexos. Isto pode, por outro lado, ser positivo para os líderes locais.

“A eleição municipal está afetada por essa ‘maionese’ que está em Brasília. Isso dá um pouco mais de maleabilidade para que as configurações no cenário local se refaçam de outras maneiras. Pode permitir uma autonomia maior dos líderes locais”, explica. Cervi salienta que o sistema político brasileiro vem passando por um processo de perda de espaço dos partidos grandes nos últimos anos e isso deve se aprofundar em 2016.

“Em linhas gerais, os partidos grandes (PMDB, PSDB e PT) têm perdido espaço para um conjunto de partidos médios. Isso se dá tanto nas eleições nacionais, quanto nas municipais. O que devemos ver em 2016 é uma continuidade do avanço dos partidos médios em detrimento dos grandes e dos nanicos”, prevê.

Cenário econômico

A economia brasileira vive um caos acentuado por políticas equivocadas do último governo, que fizeram despencar os investimentos, elevaram a inflação e o desemprego. É uma queda livre. De um crescimento de 7,5% em 2010 para um recuo de 3,8% no Produto Interno Bruto (PIB), em 2015. Uma melhora consistente nos índices pode ser esperada para os próximos dois anos, desde que o governo Temer inicie as reformas.

Ao menos duas são consideradas essenciais: a tributária e a previdenciária. Economistas ouvidos pela Mercado em Foco acreditam que, embora ambas sejam urgentes, a primeira tem maior possibilidade de ocorrer no curto prazo. Alexandre Porsse, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ressalta que o sistema tributário brasileiro precisa corrigir os problemas de regressividade e simplificar e desburocratizar tributos.

“A distribuição da carga tributária no Brasil é setorialmente distorcida pelo lado da produção e onera principalmente as famílias mais pobres pelo lado do consumo. No curto prazo essa seria a reforma mais relevante, porque contribuiria para estimular o crescimento mais rapidamente”, afirma.

Dentre os elementos que devem compor essa reforma, Azenil Staviski, professor do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), destaca a simplificação do modelo de contribuição.

“Se você perguntar para os empresários sobre o que seria uma reforma fiscal mais justa, talvez eles até não reclamem do peso da carga tributária, mas da complexidade do sistema. Temos o País com o maior volume de impostos, taxas e contribuições”. A solução seria uma reforma profunda, estrutural, que simplifique um sistema que cria despesas excessivas para as empresas.

Quanto à Previdência, Porsse afirma ser urgente a revisão dos sistemas de contribuições e o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria. Ele explica que, em 2022, a proporção da população em idade ativa começará a cair.

“Projeta-se que, em 2030, o número de idosos será superior ao de crianças, representando cerca de 30% da população. Em 2050, mais de 50% da população será de idosos”, acrescenta. As atitudes necessárias para preparar o sistema previdenciário para este cenário precisam ser tomadas agora já que a retomada do avanço dos setores produtivos nacionais depende dessas mudanças. Os economistas avaliam que o setor de serviços, essencial à economia do País e de Londrina, sentirá uma reação a partir da reconquista do poder de consumo das famílias, deteriorado pela inflação, que deve fechar o ano em 7%, de acordo com as últimas previsões.

“Ainda que o crescimento da renda demore um pouco mais a ser retomado, uma mudança positiva no quadro de expectativas pode favorecer o consumo”, destaca Porsse.

Despesas

Diante do inchaço da máquina pública nos últimos anos, Staviski diz que o corte de despesas deve estar na ordem do dia do governo interino. Ele compara: “O setor público deve fazer o que o cidadão e as empresas fazem. Quando uma família tem desequilíbrio financeiro, ela precisa buscar ganhar mais ou cortar gastos que sejam possíveis de corte. Quando nos referimos a governo, pensamos em cortes supérfluos, que não sejam educação, segurança e saúde. Tem gargalos para se cortar”, destaca.

Sobre o corte de oito ministérios, promovido por Temer no ato de sua posse, em maio, o economista vê com bons olhos, desde que as pastas mantidas sejam realmente atuantes e proponentes de políticas para a solução de problemas.

Alexandre Porsse ressalta que aos governos estaduais cabe a mesma tarefa de ajuste fiscal, já que muitos também promoveram aumentos de despesas permanentes nos últimos anos, extasiados com o ciclo de crescimento e de aumento de receitas.

“O ajuste fiscal também deve ser uma agenda dos governos estaduais e infelizmente alguns têm preferido fazê-lo por meio de aumento de impostos em detrimento do corte de despesas”, lamenta.

Cenário para a infraestrutura

Londrina é a segunda maior cidade do Estado e está inserida na região Norte, de grande relevância para a economia paranaense. Por isso, especialistas em infraestrutura lamentam tanto o fato de não haver ligações por rodovias duplicadas até a capital, Curitiba, ainda hoje. Igualmente, não há conexão por rodovias similares com o interior paulista, o segundo maior mercado do País.

Os motivos para o isolamento decorrem, na opinião de Fábio Alves da Cunha, geógrafo e professor do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina (UEL), de questões políticas e do equívoco dos contratos de privatizações de rodovias firmados no governo Jaime Lerner. Para ele, a falta dessa estrutura freia o desenvolvimento local.

“O desenvolvimento passa pela infraestrutura, porque não adianta você ter industrias se não tiver os meios de comunicação, principalmente estradas, ferrovias, aeroportos, para viabilizar esse deslocamento de mercadorias”, destaca. Como resultado de uma política equivocada, temos trechos curtos de rodovias duplicadas, quase 20 anos após as concessões, além de arcarmos com os pedágios mais caros do País. Isto colabora para o afastamento de investidores, em virtude da oneração do transporte.

Luiz Figueira de Mello, ex-presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (Ippul), ressalta que o município funciona como uma capital do Norte do Paraná e do Sudoeste de São Paulo, exercendo uma função de atração, de desenvolvimento, e isso não pode estar isolado. Ele defende a criação de uma agência de desenvolvimento regional como solução que poderia ser encampada pela sociedade civil organizada.

“As cidades polos atraem não só oportunidades, negócios, mas pessoas. Então é necessário que elas se voltem para o seu entorno, promovam, articuladamente, esse desenvolvimento regional”, afirma. “Seria uma entidade privada, de interesse público, com cada município fazendo a sua parte”, completa.

Cunha concorda que os projetos estruturantes devem ter um olhar regional, no sentido de atender demandas do aglomerado urbano de Londrina, que iria de Jataizinho a Apucarana. Para ele, a instituição da Região Metropolitana (RML) não contemplou essas carências, sendo mera formalidade.

“Tenho vários estudos a respeito disso. A Região Metropolitana tem uma institucionalidade que não bate com a espacialidade do fenômeno metropolitano”, explica Cunha. A RML começou com oito municípios e hoje inclui 25, muitos deles distantes do raio de atuação de Londrina.

Integração

Mello defende que a integração regional incentive projetos relevantes, como o Arco Norte, do qual foi um dos idealizadores, em 2005. A iniciativa prevê a criação de um aeroporto internacional de cargas no distrito de São Luiz, em Londrina, gerando um “arco” de desenvolvimento econômico desde Apucarana até Jataizinho.

“Ele criaria uma logística, parque industrial, atratividade de empresas internacionais que necessariamente exigem essa conectividade com o mundo externo. Empresas, inclusive, na área de transformação do produto agrícola regional”, destaca Mello. A iniciativa, no entanto, encontra dificuldades de viabilização por sua complexidade.

Cunha acrescenta outro projeto interessante que contemplaria a interligação regional: o Trem Pé Vermelho. A proposta prevê a exploração da ferrovia entre Londrina e Maringá para o transporte de passageiros.

O professor ressalta o benefício que esse transporte traria caso fosse implantado juntamente ao Superbus, que passará por 37 ruas e avenidas de Londrina e deve ter toda a sua infraestrutura montada até 2018. “O Trem Pé Vermelho daria para ligar a Zona Leste, passando por parte do Norte e Oeste. E daí poderia conectar com o Superbus, que é interessante e necessário”, conclui Cunha.

Transições nos horizontes do biênio

A recente mudança no comando do governo federal injetou uma dose de ânimo no setor produtivo, a partir do anúncio de medidas econômicas capazes de resgatar a confiança no País. Para quem já viveu crises anteriores, o movimento era esperado. “A economia é um corpo que reage tentando se salvar. E a gente já viu isso no Brasil, eu já vivi isso”, relata o novo presidente da Associação Comercial e Industrial de Londrina (ACIL), Cláudio Tedeschi.

A entrada de um presidente experiente politicamente como Michel Temer e de uma equipe econômica reconhecida pelo mercado vieram acompanhadas de sinalizações urgentes, como a intenção de cortar gastos e pensar a Reforma da Previdência.

“Todas as medidas que devem ser tomadas são de horizonte. Você não vai tirar o direito que está adquirido, mas vai fazer com que a Previdência, daqui a 20, 30 anos, esteja dentro da economia possível de se sustentar”, defende. O comandante da ACIL espera de Temer uma postura econômica mais liberal, capaz de incentivar a entrada de fluxo de capital externo, alavancando infraestrutura e desenvolvimento.

“No mundo, estima-se que existam US$ 7 trilhões de investidores internacionais procurando oportunidades; se você mostrar que está fazendo a lição de casa, que vai equilibrar as contas, que tem confiabilidade na sua base legal, boa parte desse fluxo vem para o Brasil”, estima.

Tedeschi avalia que o desajuste econômico vivido hoje deriva, ainda, da Constituição de 1988, que estabeleceu muitos direitos, criando responsabilidades que oneraram o Estado. O empresário aponta também impedimentos políticos para o desenvolvimento de uma gestão competente no Brasil, como a “absurda” existência de 33 partidos políticos. Ele defende uma limitação por representatividade.

“Não é só questão de número, reflete na péssima gestão pública que temos. Você sendo eleito com vários partidos te apoiando fica obrigado a dividir os cargos, não tem unidade na administração”, expõe. Tedeschi aponta a gestão do prefeito de Londrina, Alexandre Kireff, como um exemplo de como se pode administrar sem alianças restritivas (Kireff foi eleito em 2012 com chapa pura, pelo PSD).

“Seria uma pena se o próximo prefeito voltasse a um grau alto de populismo e desorganizasse tudo que foi feito no sentido de ter uma administração mais eficiente, mais justa, com boa aplicação dos recursos”, declara.

Soluções locais

Tedeschi participa da vida política de Londrina há anos, de forma voluntária. A experiência fez com que o empresário conhecesse várias soluções econômicas possíveis de serem adotadas localmente. No mandato à frente da ACIL, ele pretende, por exemplo, reforçar o programa Compra Londrina, um incentivo para que órgãos públicos municipais, estadual e federais comprem de fornecedores locais.

“Estimamos um potencial de R$ 1,5 bilhão. Se boa parte disso girar na economia local tem um impacto violento, inclusive na arrecadação de impostos”, explica. Tedeschi também defende o incentivo às potencialidades locais, como o setor de Tecnologia da Informação (TI), a área médica e o agronegócio.

Ao mesmo tempo, pensa que a região deve unir esforços no sentido de garantir obras infraestruturais, como a ampliação do aeroporto, a duplicação de rodovias até Curitiba e a viabilização de grandes projetos, como o Arco Norte e o Trem Pé Vermelho.

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