O último ídolo

O último ídolo

A minha cidade no interior da Bahia só viu sua primeira quadra de tênis ser construída no ano de 2023. Como esperado, portanto, a minha história com esse esporte fantástico teve seu início bastante adiado.

Foi apenas em 2019, já morando em São Paulo, que peguei pela primeira vez uma raquete de tênis para treinar. Fiquei impressionado com quão difícil é esse jogo e com quanto ele te desafia técnica, física e mentalmente. Projetei a quantidade de horas e treinos que teria que dedicar para começar a tão somente “passar a bolinha”. Os anos que ainda teria pela frente para, talvez, jogar razoavelmente bem (o que, infelizmente, não irei conseguir). Mesmo assim, foi “paixão ao primeiro treino”! Já não tinha como voltar atrás. Virou a minha melhor obsessão.

Aumentaram o número de aulas, as centenas de vídeos de jogos e torneios do passado, os livros clássicos sobre o jogo e seus principais atores, os cursos sobre tênis (incluindo o sensacional "O Fino do Tênis" do Fernando Meligeni ), as clínicas, vieram os primeiros jogos, os primeiros torneios amadores, as finais (perdidas e, para minha surpresa e êxtase, também vencidas) e a descoberta de ídolos.

Para se ter um ídolo, é preciso manter algo de espírito infantil/adolescente, a inocência de quem ainda projeta ideais e se coloca numa posição de aprendiz. Os “calos da vida”, que vêm com os anos, criam uma barreira quase que intransponível para esse tipo de sentimento. Mas começar um novo esporte (e justo esse) com 36 anos me fez voltar a essa posição juvenil e redescobrir uma “ilusión” que não sentia há bastante tempo.

E foi nessa jornada que surgiu aquele que será, talvez, o último ídolo: Rafael Nadal. A compreensão do esporte como somente sendo possível com a entrega máxima, a valorização das pessoas queridas e do tempo com elas, a força mental, o exemplo de atitude (1.250 raquetes usadas sem quebrar uma sequer, para citar apenas um) e a humildade de reconhecer que ninguém vence sozinho, com a desconstrução do mito do “vencedor self-made” (que não existe, mesmo num esporte individual) são alguns dos valores e sentimentos que formam o ídolo. Será que estamos falando apenas de um esporte mesmo?

O meu período morando entrañables 5 anos na Espanha (e ainda mais em Barcelona, próxima de sua Manacor) ajudou na predileção inicial. Mas foi a sensação que ele transmitia a cada partida e esse exemplo fora da quadra que consolidaram a admiração. De repente, você se pega novamente, como uma criança, sentindo aquele “frio na barriga” ao ver um jogo pela televisão. Os números são superlativos e haverá outros que igualem ou superem. Mas os sentimentos que Nadal conseguiu transmitir e cativar são únicos e é muito provável que, a essa altura da vida, não volte a sentir.

É certo que, infelizmente, vivenciei apenas os últimos anos. Mas que momentos! O US Open de 2019, a final quase perfeita de Roland Garros 2020, as madrugadas de Australian Open e o “Milagre de Melbourne” em 2022 (em que foi impossível conter o choro). Que bom que ainda cheguei a tempo de ver, pessoalmente no estádio, sua última grande exibição na Philippe Chatrier na semifinal de 2022, assim como seu último jogo (tão emotivo) em 2024 nessa mesma quadra, onde será um rei eterno. Ah, se aquele segundo set tivesse caído do nosso lado! Mas o “se”, como ele bem disse em uma de suas icônicas entrevistas, não existe no esporte (de novo, é mesmo apenas um esporte?).

 A sua despedida não poderia ser de outra maneira. Uma terça-feira comum, numa competição de equipe em que era mais um (se é que isso é possível) e ensinando muito do que demonstrou ao longo de toda sua carreira: mais importante do que a vitória, é se dedicar ao máximo e tentar até o final. Vimos lampejos do gênio, a derrota que forma parte da vida do atleta e a emoção do ser humano, que quer ser lembrado “apenas como um menino de uma pequena vila de Mallorca que perseguiu seus sonhos”. Missão cumprida. O fim de ciclo que ninguém queria chegou.

Moltes gràcies, Rafa!



Thiago Luís Sombra

Former State Attorney and Clerk at Superior Court of Justice | Investigations, Tech and Public Law Partner at Mattos Filho

1 m

Assino embaixo

Rodrigo Arthur Egual de Carvalho

Sócio no Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados

1 m

Belo texto, João! E viva o Nadal!

Pablo Murcia Rabadán

Counsel (Corporate / M&A) - Clifford Chance

1 m

¡Gran artículo João!

Eduardo Marques Souza

Sócio no Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados

1 m

Ótimo texto, João. Apesar de se tratar de um mero especialista que rapidamente cairá no esquecimento! 😅

Tomás Neiva

Sócio @ Mattos Filho | Venture Capital, M&A

1 m

Sensacional, João!

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