O alfinete chinês

Almir Pazzianotto Pinto

 

                               Tendo necessidade de alfinetes para trabalhos de costura, mas encontrando dificuldades para procurar lojas de aviamentos – hoje quase desaparecidas – minha senhora recorreu à ajuda eletrônica. Conseguiu comprá-los pela internet.

                               Quinze dias passados foram entregues no apartamento duas pequenas caixas de plástico, cada uma com 100 alfinetes. Fiquei curioso. Examinei o conteúdo do papel impresso colado ao envelope e li: “Made in China. 100PCs. Color Round Head Sewing Pins. 38mm. Glass Ball Positionings Pins. DIY Dressmaldng Jewelry Deco Sewing Accessories#Collor:E”. Pagou R$ 20,00, mais os impostos no valor de R$ 9,00.

                               Não se surpreenda, paciente leitor. Chegamos à perfeição. Diante das dificuldades enfrentadas pelo industrial brasileiro, sobrecarregado pela trama de formalidades burocráticas, pesados impostos, juros extorsivos, encargos trabalhistas, previdenciários, e tempestades de incertezas jurídicas, não conseguimos concorrer com a velha China na produção de alfinetes.

                               Se no passado produzíamos alfinetes e agulhas, não sei. Lembro-me, entretanto, da fábrica Vigorelli, de máquinas de costura, estabelecida em Jundiaí, já desaparecida, como milhares de outras, incapazes de suportarem a concorrência de produtos importados da China, Japão, Singapura, Coréia do Sul, Bangladesh, Índia, Paquistão.

                                Pesquise na internet e encontrará à venda brincos, pulseiras, colares, talheres, meias, chinelos, caixas plásticas, bolsas, camisas polo, lingerie, utensílios para cozinha, furadeiras elétricas, gorros, lâminas para barbear, capas para sofás, tapetes, tesouras, guarda-chuvas, sombrinhas, agasalhos, chapéus, baterias e milhares de outros itens que poderiam ser produzidos aqui, com matéria prima e operários brasileiros.

                               Acredito que produzir alfinetes independe da tecnologia de última geração. Se alguém resolver investir, instalando pequena fábrica, bastarão o arame, galpão na periferia, e modesto maquinário adquirido no exterior. Antes, porém, de conseguir fazer a primeira venda, o empreendedor satisfez obrigações com registros oficiais diversos, impostos, taxas, alvarás, vistorias, licenças, salários, férias de 30 dias mais um terço, 13º salário, horas extras com adicional de 50% ou 100%, FGTS, Previdência Social, adicional insalubridade, convênio médico, vale transporte, vale refeição. Deverá manter equilíbrio entre empregadas e empregados, e observar as exigências relativas a admissão de aprendizes e portadores de necessidades especiais.

Para evitar o risco de violar a Constituição, e milhares de leis trabalhistas, previdenciárias e tributárias, federais, estaduais e municipais, dependerá de bons advogados e de escritório de contabilidade. O departamento de recursos humanos deverá ter à disposição edição atualizada da CLT, com toda legislação suplementar, jurisprudência do TST e do STF, e Normas Regulamentadoras aprovadas pelo Ministro do Trabalho.

Neste país, ser industrial exige extrema coragem. Seria a explicação para o fato de importarmos quase tudo que poderia ser feito aqui, com boa qualidade e preços competitivos? A importação de alfinete parece-me injustificável, a menos que seja impossível fabricá-lo com preço correspondente ao do produto chines. Meu relógio de pulso Casio, usado diariamente, é “made in Thailand”, pode ser adquirido por R$ 217,00. O automóvel, com 15 anos de uso, é japonês. A almofada térmica, utilizado para aliviar as dores na coluna, de fabricação chinesa. Chineses são, também, a capa de chuva, o tênis para caminhadas, o aparelho de barbear elétrico, o rádio de cabeceira, o pijama, o cachecol, a gravata, o suéter.

O PIB brasileiro vem sendo impulsionado pelo agronegócio e exportação de minérios em estado bruto, sobretudo ferro e cassiterita. A desindustrialização não pode ser debitada aos empresários. Responsáveis são o custo Brasil, a inflação, as elevadas taxas de juros, a insegurança jurídica provocada milhões de conflitos fiscais, previdenciários e, sobretudo, trabalhistas, estimulados pela assistência judiciária gratuita.

O pequeno alfinete chinês, de cabeça vermelha, simboliza o nosso atraso.

............................................

Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. OrbisNews. Ed. jornalista Fausto Camunha. 11/11/2024.

 

 

Carlos Otero de Oliveira

Diretor de relações trabalhistas na Sucocítrico Cutrale Ltda

1 m

Se acrescentar os custos das ações trabalhistas , individuais, coletivas ou civis públicas e riscos de autuações administrativas dentro desse contexto de análise, sem polemizar quanto suas pertinências ou não, apenas pelos números constatados de milhares de ações anuais, também evidencia o quanto distante estamos de uma segurança jurídica em nosso país.

Paulo Sergio João

at PAULO SERGIO JOÃO ADVOGADOS

1 m

E agora, meu caro Ministro, se for aprovada a redução da jornada, com menor número de dias trabalhados, os alfinetes serão encontrados somente na China mesmo!

Elizabeth Leao

Advogada | Juíza Federal Aposentada | Conselheira | Escritora

1 m

Excelente reflexão, Ministro. Sempre lúcido e assertivo em suas colocações. Parabéns!

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Almir Pazzianotto Pinto

  • A eterna luta do homem contra a máquina

    A eterna luta do homem contra a máquina

    Almir Pazzianotto Pinto No capítulo dedicado à morfologia da história, Arnold Toynbee aponta, como primeiras invenções…

    1 comentário
  • Estabilidade versus Fundo de Garantia

    Estabilidade versus Fundo de Garantia

    Almir Pazzianotto Pinto Em congressos promovidos periodicamente por academias de direito do trabalho, ressurgem…

    1 comentário
  • A violência como rotina

    A violência como rotina

    Almir Pazzianotto Pinto O assassinato do jovem universitário pelo policial militar é apenas mais um, em interminável…

    1 comentário
  • O colapso das ferrovias

    O colapso das ferrovias

    Almir Pazzianotto Pinto Nos altos escalões da República nada se diz sobre o colapso da malha ferroviária, um dos pontos…

  • Em defesa do Instituto Agronômico de Campinas

    Em defesa do Instituto Agronômico de Campinas

    Almir Pazzianotto Pinto Reconheço em Tarcísio de Freitas, um dos líderes do movimento de renovação política do País, a…

  • Vitória da segurança

    Vitória da segurança

    Vitória da segurança Almir Pazzianotto Pinto Ouço cientistas políticos e jornalistas se esforçando à procura de…

  • A responsabilidade do eleitor

    A responsabilidade do eleitor

    Almir Pazzianotto Pinto No próximo dia 9,32 milhões de eleitores decidirão o destino de São Paulo. Estará em jogo o…

  • Sociedade por cotas de responsabilidade ilimitada

    Sociedade por cotas de responsabilidade ilimitada

    Almir Pazzianotto Pinto Um dos resultados da globalização consiste no implacável aumento de concorrência por novos…

    1 comentário
  • Eleições Municipais – O fenômeno Pablo Marçal.

    Eleições Municipais – O fenômeno Pablo Marçal.

    Almir Pazzianotto Pinto Desconheço algo mais imprevisível do que resultados eleitorais. A história está repleta de…

    2 comentários
  • “Ousar ou perecer”

    “Ousar ou perecer”

    Almir Pazzianotto Pinto O sugestivo título encabeça artigo do professor Bolívar Lamounier, estampado na página A4 de O…

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos