O arcabouço fiscal e o inevitável crescimento do Estado
O teto de gastos
A Câmara aprovou, neste último dia 23, o novo regime para o controle das contas públicas, chamado de arcabouço fiscal. Agora a proposta será encaminhada para o Senado. Mas o que é o arcabouço fiscal e como ele poderá afetar as nossas vidas?
Para compreender o arcabouço fiscal, devemos considerar o teto de gastos instituído em 2016. O teto estabelecia limites das despesas da União atrelados à inflação. Em outras palavras, o governo poderia gastar o mesmo que gastou no ano anterior, contando apenas com a correção pela inflação.
Isso significa dizer que os gastos aumentavam apenas em termos nominais, mas estabilizava em termos reais. Essa medida foi uma importante âncora, pois se mostrava bastante rigorosa quanto ao crescimento dos gastos governamentais. Porém, com a recente pandemia e a PEC dos precatórios, o teto passou a ser questionado.
Assim surgiu a demanda por uma nova regra fiscal, que ficou conhecida como arcabouço fiscal.
Arcabouço Fiscal
O arcabouço fiscal estabelece o limite no crescimento dos gastos pelo crescimento da receita nos últimos 12 meses a contar de junho. Ou seja, se o governo arrecadar mais, terá mais espaço para gastar.
Para balizar esse equilíbrio entre despesas e receitas, a nova regra acompanhará as metas de resultado primário definidas pela LDO (Lei de Diretriz Orçamentária), adicionando um regime de bandas de 0,25% para conferir maior flexibilidade de gasto governamental.
Conforme a LDO, as metas de resultado primário para os anos 2024, 2025 e 2026 serão, respectivamente, 0,0%, 0,5% e 1,0% do PIB. Ou seja, com a meta para 2024 em 0% do PIB, a variação permitida pelo arcabouço fiscal será -0,25% e +0,25% do PIB; já para 2025, a meta é 0,5%, com bandas de 0,25% e 0,75%, e assim sucessivamente.
Saber o funcionamento dessas bandas é essencial para a compreensão do próximo passo: quanto o governo poderá gastar nos próximos anos. Se o resultado primário do governo estiver dentro das bandas estabelecidas, significa que ele cumpriu a meta.
Nesse caso, o governo poderá gastar até 70% do que arrecadou nos últimos 12 meses até julho. Ou seja, se a arrecadação subir 2%, as despesas poderão aumentar até 1,4%.
Mas caso o resultado primário fique abaixo da banda inferior, o limite de gastos será de 50%. Dito de outro modo, caso a arrecadação suba 2%, as despesas poderão crescer em até 1%.
A proposta ainda sugere um piso e um teto de gastos para que o governo possa atuar de forma mais ativa na economia, sobretudo para lidar com os ciclos econômicos. Nesse sentido, foi proposta uma segunda regra que permite o crescimento anual das despesas do governo em termos reais.
Essa segunda regra foi chamada pelo governo de “mecanismo anticíclico”. A ideia é que mesmo em cenários recessivos e que apresentem queda na receita, o governo possa ampliar suas despesas em, no mínimo, 0,6%. Já em cenários prósperos, o governo poderá gastar mais, chegando até 2,5%.
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Digamos, então, que o aumento da receita primária tenha sido de 6% de um ano para outro. Pela regra dos 70%, o governo poderia aumentar as despesas em 4,2%. Porém, o limite desse aumento deve respeitar o teto de 2,5% para que o governo possa criar reservas para momentos adversos.
Agora pensemos em um cenário em que a receita caia de um ano para o outro. Ainda assim haverá uma evolução no gasto por conta do piso estabelecido. Esse crescimento mínimo será de 0,6%. Conforme argumenta o governo, esse mínimo serve para o atendimento de demandas sociais.
Argumentos favoráveis
Argumentos desfavoráveis
Opinião
De fato, o arcabouço fiscal é muito mais complexo que o teto de gastos. Há muitos pormenores: bandas para resultado primário, aumento das despesas pela receita em 70% ou 50% a depender do cenário, piso de gastos, mecanismos anticíclicos e assim por diante. São muitos detalhes que podem dificultar a sua execução.
Também não há previsão alguma de corte de gastos, apenas aumento. Em um cenário fiscal deficitário, a única maneira de fechar a conta é através do aumento da receita, o que significa, em outras palavras, que teremos aumento carga tributária mais adiante. Por mais que o governo negue, sabemos que essa chance é real.
Aqui entra o fator político, pois o governo não pode simplesmente deixar transparecer que haverá aumento de impostos quando a proposta ainda tramita no Congresso. Aumentar impostos é sempre uma medida impopular e o governo precisa de acenos positivos para a aprovação da proposta. Mas uma vez sancionada, a história pode mudar…
Um outro ponto é a incerteza jurídica que o Estado brasileiro transmite. O teto de gastos foi sancionado em 2016 e já em 2022, com a PEC da transição, foi sinalizado que seria substituído. Portanto, tivemos apenas 6 anos de experiência, sendo que 2 foram completamente atípicos devido ao período pandêmico.
Em minha visão, o período de vigência do teto foi muito curto e uma mudança tão drástica nas regras fiscais não ajuda o Brasil no quesito previsibilidade. Qual a garantia de que o Estado brasileiro não mude convenientemente a regra futuramente? Sem contar que a não penalização pelo descumprimento da regra, conforme prevista pelo arcabouço, conduz inevitavelmente ao descaso fiscal.
Sem um mecanismo punitivo em caso de descumprimento da meta de resultado primário, o governo simplesmente fica com caminho livre para não obedecer o arcabouço que ele mesmo propôs. Todos os agentes econômicos – governantes inclusive – atuam segundo incentivos. Qual o incentivo que o arcabouço fiscal fornece para corte de gastos, diminuição da carga tributária e regras fiscais mais simples? Nenhum…