O Brasil e seu verdadeiro problema
Não é a prisão em segunda instância versus a presunção da inocência; em nosso país, a sociedade está a serviço do Estado, e não o Estado a serviço da sociedade. E, enquanto for assim, não sairemos da lama
Ontem, 4 de abril de 2018, foi dia de entender o Brasil. Ao menos para mim, não teve a ver com o julgamento no Supremo Tribunal Federal, ou com as reações exacerbadas à decisão tomada pelos togados, mas com uma palestra do economista (e homem renascentista) Eduardo Giannetti, a que assisti no Fórum Meio & Mensagem.
Giannetti começou sua apresentação dizendo que a Operação Lava-Jato é um dos fatos mais importantes da nossa história recente, comparável à redemocratização e à conquista da estabilidade econômica, a medida que escancara deformidade de nascença do nosso país e nos dá uma oportunidade de corrigi-la.
A deformidade é, de fato, monstruosa: enquanto, na maioria dos países, a sociedade criou o Estado para servi-la, aqui foi o Estado que criou a sociedade para servi-lo. A Coroa portuguesa inventou uma sociedade local para esta lhe gerar riqueza. Até hoje é assim: o Estado brasileiro trata a sociedade como um senhor feudal trata seus vassalos e, não à toa, fica com 40% do PIB. (É muito, mas ele poderia ficar com 40% do PIB se servisse a sociedade; só que não serve, ou não teríamos esse indicador medieval de 50% das residências sem coleta de esgoto, entre tantos outros.)
Conforme Giannetti, há dois vetores garantindo que a sociedade continue a servir o Estado, e não o contrário: (1) os governantes que querem se perpetuar no poder e (2) segmentos da sociedade que se aproximam dos governantes em busca de atalhos privilegiados para o crescimento – empresas em destaque, tais como Odebrecht e JBS (e outras tantas que o Antonio Paoloci queria delatar, mas ninguém pareceu interessado em ouvir).
A Operação Lava-Jato estaria acordando a sociedade para o fato de que ela não tem sido servida. E também, ainda que mais lentamente talvez, para o fato de que não há um capitalismo de verdade no Brasil, aquele cujas empresas aceitam passar pelas agruras de praxe e buscam criar valor gerando qualidade com eficiência e gerando inovação.
Ainda tem gente, claro, achando que o problema de partida é apenas a corrupção por falta de caráter, e vinda de um partido só. Não é: o problema é a mentalidade dominante de que a sociedade está a serviço do Estado. Isso é tão verdade que os mesmos juízes da Lava-Jato que celebramos não querem abrir mão de privilégios como auxílio-moradia apesar de morarem em casa própria.
Há ainda o problema de chegada. A Operação Lava-Jato sozinha é insuficiente para corrigir tamanha deformidade. A reação da população aos fatos da Lava-Jato será sentida nas eleições – e nas de 2018 em especial – e, se tiver havido mudança de mentalidade, saberemos.
[O melhor de tudo, neste Fla-Flu insuportável, é que ninguém pode dizer que o Giannetti é um sujeito de extrema direita, porque classifica de indecente a desigualdade que existe no Brasil (quem nasce bem se dá bem; quem nasce em condições precárias, já era), saúda o programa Bolsa-Família como poucos e acredita em cidadania tributária e tributação progressiva (segundo a qual devem pagar mais impostos aqueles que ganham mais, em vez de sermos o paraíso dos impostos indiretos). E ninguém pode dizer que o Giannetti é um sujeito esquerdista tampouco, porque acha a reforma da Previdência um imperativo, defende a queda dos juros e critica as empresas por não saberem competir no modo capitalista.]
E qual o efeito prático de um Estado que faz a sociedade servi-lo? Leva os indivíduos a se pendurarem nele para fugirem do papel de vassalos. Todos querem ser senhores feudais, afinal. E esse Estado estendido acaba com a sociedade, que fica “viciada” em privilégios, mesmo os mais “inocentes”, como o uso da universidade pública e gratuita por quem pode pagar, ou a judicialização da saúde (que leva o governo a bancar tratamentos caríssimos para a classe média e alta, porque a classe baixa nem consegue iniciar um processo na Justiça).
Corrupção, portanto, é só uma pontinha de um iceberg, como o 4 de abril deixou claro. A sociedade avassalada, e insconsciente dessa sua condição, compromete muito mais o futuro do Brasil do que a corrupção em si. A importância da Operação Lava-Jato está em escancarar isso para o mundo. O julgamento no STF foi relevante por não desautorizar a OLJ, por não enfraquecê-la. E as eleições deste ano serão fundamentais para entendermos suas consequências em escala – saberemos se a tão necessária mudança de mentalidade está acontecendo ou não.
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6 aGiannetti é 10 !!!
Sócia do Grupo Cia de Talentos, Conselheira de Administração, Conselheira Fiscal, Mentora, Membro Comitê de Pessoas
6 aInteressante essa visão... A sociedade a serviço do Estado! Está aí uma verdade intrigante... Resta saber se os candidatos que vierem serão merecedores de nosso voto.... Será?