O Brasil e a transformação digital: o país do futuro está logo ali
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A transformação digital – que é maior do que a digitalização – oferece ferramentas com potencial de consolidar a democracia em nível e velocidade inimagináveis.
Por Diogo Brunacci*
Em um momento em que se questiona os efeitos do mau uso de plataformas de tecnologia, por meio da disseminação de fake news e desinformação, por exemplo, uma outra revolução tecnológica pode acelerar em muitas décadas as condições de civilidade no país. A transformação digital tem capacidade de permitir ao Brasil atingir rapidamente padrão de serviços públicos semelhante ao encontrado em nações mais avançadas, consolidando seu processo de democratização por meio do aumento da confiança entre os cidadãos e o Estado.
Considerando que o apoio à democracia é mais empírico do que filosófico, as pessoas precisam experimentar os benefícios da liberdade, da responsividade e da efetividade para aumentarem seu comprometimento. Isto é, na medida em que o cidadão tem tranquilidade para questionar o poder público sobre seus problemas, sente que governantes e representantes são sensíveis a eles e confia que o Estado buscará solucioná-los dentro de boas relações de custo x benefício, a confiança na democracia cresce.
A transformação digital – que é maior do que a digitalização – oferece ferramentas com potencial de consolidar a democracia em nível e velocidade inimagináveis. A pandemia, curiosamente, forneceu provas do que é possível fazer: a telemedicina permitiu que milhões de pacientes pudessem ser acompanhados sem a necessidade de se deslocarem até hospitais e consultórios. O cadastramento de pessoas para receber o Auxílio Emergencial gerou alívio e descobriu pessoas que não estavam no mercado de trabalho formal e nem nos programas sociais, abrindo novo horizonte para que outras políticas possam ser desenhadas. Aplicativos de delivery permitiram a continuidade dos negócios de diferentes estabelecimentos comerciais.
A modernização digital é uma realidade que se impõe aos governos com oportunidades e com riscos. Um deles é a comparação inevitável que o cidadão fará entre a experiência e os serviços oferecidos pelos setores privado e público. Se a distância for muito grande, ao invés de aumentar a satisfação e a confiança no governo, o resultado pode ser o inverso, com pressão adicional contra o sistema político. Embora haja múltiplas iniciativas ocorrendo no mundo, não há uma rota de sucesso definida e as chances de mudanças positivas são proporcionais às de frustração social caso o resultado seja a reprodução de deficiências atuais no mundo digital.
Além da digitalização
A simples digitalização de protocolos e da burocracia, por exemplo, é um tipo de erro que precisa ser evitado. Embora seja um passo necessário, trata-se apenas do início da jornada, que é muito maior. Outro problema é superestimar a capacidade do Estado de desenvolver todas as soluções tecnológicas necessárias para resolver os problemas do cidadão. Nenhum governo conseguirá ter à sua disposição quantidade de programadores nem próxima da que as grandes empresas de tecnologia conseguem recrutar e reter. É mais produtivo e econômico apostar em parcerias do que em concorrência ou estruturas paralelas.
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Não precisamos reinventar a roda. Já existem casos de adoção e implantação, pelo próprio setor público, de forma global, uma ampla gama de aplicativos SaaS (software como serviço) extensivamente usados no mercado.
Por isso, o primeiro passo para acertar é a criação de um ambiente de colaboração e horizontalidade que permita a cada parte interessada – governo, cidadãos e empresas – desempenhar seu papel da melhor forma possível. Mais que receitas de bolo, deve-se concentrar em um ambiente de diálogo, confiança, e inovação capaz de promover toda potência da transformação digital. A qualidade do ambiente regulatório é fundamental para avançar.
O ponto final será a formação de uma cultura digital, como definiu estudo recente feito pelo Grupo de Transformação Digital dos Estados e do DF (GTD), rede criada pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Tecnologia da Informação e Comunicação (ABEP) e o Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração Descentralização (CONSAD). As características dessa cultura são um processo decisório descentralizado, o foco na utilização da tecnologia para resolver problemas sociais, abordagem integrada dos órgãos – acrescentaria a ampliação da parceria com o setor privado – e uma cultura organizacional sem medo da mudança.
O país está alinhado com o debate realizado no mundo, adotando princípios estabelecidos pela OCDE – o país ocupa a 16ª posição em ranking de governo digital que estuda 33 países. A principal recomendação é ter um órgão especializado responsável por estimular e coordenar a transformação entre diversos órgãos e níveis de governo. Esse papel é exercido hoje pela Secretaria de Governo Digital (SGD), responsável pela política de utilização de um portal único para concentrar todos os serviços digitais do governo federal e orientação dos marcos regulatórios.
Como pontos fortes da experiência brasileira, pode-se destacar, além do uso de referências internacionais como guia, a já existência de casos exitosos, legislação avançada – especialmente de segurança de dados –, bases de dados extensas que podem já dar origem a políticas públicas sofisticadas e o comprometimento das lideranças políticas. Como fatores que precisam ser melhorados estão a fragilidade fiscal – mas que no país é um forte estímulo para a modernização digital –, a cultura cartorial, que sugere a criação de protocolos digitais ao invés de verdadeira modernização digital, e uma participação ainda tímida da sociedade e do setor privado.
Em linhas gerais, e vai aqui uma constatação que não se restringe ao Brasil, os governos precisam seguir na busca da redução da lacuna entre o uso inovador de TI, que seus cidadãos passaram a experimentar, com a nova rotina do comércio eletrônico. Essa ação tem o papel-chave de evitar ainda mais o desprezo e a desconfiança com governos e administrações públicas, no provimento de serviços de grande importância à vida do cidadão.
O principal objetivo, contudo, e que se apresenta como uma grande oportunidade, é a consolidação e o fortalecimento da autoridade democrática. Trata-se de um ciclo que se retroalimenta. Os valores coletivos e as garantias individuais produzem um ambiente democrático de inovação. As soluções derivadas daí alimentam melhores serviços públicos e o aumento da confiança do cidadão nas instituições. Ter esse ciclo como prioridade e política de Estado é a maneira mais rápida de alcançar o país do futuro que, com os passos corretos, nos espera logo ali.
*Diogo Brunacci é Diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas, Oracle América Latina