O Céu no Andar de Baixo, 2010, 15' Filme de Leonardo Cata Preta
O céu sob as lentes de um menino. Ele tem duas opções: olhar para cima ou para baixo. Num dos seus registros fotográficos, já rapaz, o inusitado tem lugar e pode mudar, sem querer, sua rotina. Este é o mote do curta de animação “O Céu no Andar de Baixo”, escrito, dirigido e produzido por Leonardo Cata Preta, que também assina a animação com Marcone Loures e Adriane Pureza. As vozes são de Eduardo Moreira, a música de Daniel Nunes e o desenho de som de Ronaldo Gino. 35 mm.
Exibido e premiado em diferentes festivais e mostras, como o Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, em sua 14ª edição; o 21º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema e a Mostra Brasilis – 9º Curta Santos, o filme conta a história de Francisco, que sofre de uma doença rara no pescoço, reservando-lhe a condição de só olhar para o céu ou para o chão. Desde os doze anos de idade, ele faz registros dos fatos importantes de sua vida com fotografias do céu, seu ângulo preferido, pois lhe parece mais bonito e menos hostil. O de baixo, que o faz ver melhor onde pisa, também traz à luz um mundo mais feio e sujo, compartilhado com seu fiel companheiro Pereba, um cão vira-lata por quem se afeiçoou ainda na infância.
A voz em off do narrador que tanto apresenta quanto interpreta os personagens remete a outro curta-metragem, também de 15’, um documentário que faz uso de diferentes recursos gráficos e fotográficos para contar uma história (ou descrever um fato para muitas famílias ainda presente ou muito real) à luz da História e, com isso, fazer uma denúncia social. Trata-se do filme “Ilha das Flores” (1989), de Jorge Furtado, com narração de Paulo José. Também o curta de Cata Preta mescla técnicas digitais de animação 2D, que ora lembram colagem, dada a superposição de imagens, presente em outros de seus trabalhos, como “Da Tripa, Coração (TucA)”, animação de 2014, com música de Arnaldo Antunes. Em ambos os trabalhos do realizador mineiro, imagens evocativas – de filmes e cineastas, como Tim Burton, Miyasaki, Furtado – conferem certa marca do seu trabalho: sombras, meias listradas em pares de pernas alongadas, peixes, aranhas. Em um, a música; no outro, a narração dão o tom, imprimem o ritmo da história, também atravessada por momentos de silêncio e uma equilabrada e funcional trilha sonora.
O amor nasce de sementes distraídas que brotam ao acaso.
Imagens em paralelo, desenho e microfilmes, traços que beiram o grotesco: a opção (ou opções) do diretor e roteirista reflete (m) e faz refletir sobre a vida de quem vê a vida de cabeça para baixo ou para cima, ou ainda de pernas para o ar. Um jovem negro, que usa aparelho ortopédico e é avesso às demais pessoas em função da aversão que muitas também lhe dispensam, descobre-se, num lance inusitado, apaixonado por uma vizinha. As emoções desse primeiro encontro evocam outro impressionante trabalho, desta vez do mundo das artes plásticas, do qual Cata Preta também faz parte. A aranha que toma forma a partir de uma calcinha remetem a Louise Bourgeois e seus desenhos, litografias e esculturas, notadamente Maman (1999), instalada em diferentes cidades do mundo (Paris, Londres, Rússia, Nova York, Rio de Janeiro)
Não por acaso “O Céu no Andar de Baixo” recebeu elogios e prêmios da crítica e do público por onde passou. Melhor roteiro, animação, fotografia, trilha sonora, filme, diretor, menção honrosa figuram entre os principais. Sutil, delicado, por vezes ácido ao personificar objetos e partes do corpo, como os pés, lança um olhar curioso sobre as diferenças e como lidamos com elas, sobre ser e estar no mundo, sobre o que vemos e o que nos olha. Se as raízes são a zona obscura do amor”, “a copa da frondosa árvore é a boa ventura do amor”.
Luciana Sousa (Francisca L. S. da Silva) é mestre em Literatura Comparada pela UFC. E-mail: luveredas@yahoo.com.br