O caminhar para o abismo intelectual

O caminhar para o abismo intelectual

A destrutiva correlação entre a inteligência humana e a inteligência artificial


Meus amigos, trago este entendimento conceitual e filosófico sobre o desafio da inteligência humana frente a maior ameaça que nossa evolução já enfrentou, a inteligência artificial.

E para iniciarmos, faz-se necessário conceituar quatro aspectos extremamente relevantes na análise:


1º – A inteligência – Para Piaget, um dos mais importantes pensadores do século XX, a inteligência é algo dinâmico e que surge da construção de estruturas cognitivas que, à medida que vão sendo construídas, vão se estabilizando no cérebro em um processo contínuo. É neste processo que vamos construindo nosso conhecimento.

Para Yves Béhar, um dos maiores designers da atualidade, a inteligência corresponde à adaptação mental mais avançada, isto é, o instrumento indispensável dos intercâmbios entre o sujeito e o universo quando os circuitos de tais intercâmbios necessitam se tornar relações mais complexas e estáveis.

Talvez seja possível concluir que estímulos cognitivos com maior ou menor complexidade determinam o desenvolvimento da inteligência.


2º – O dogma – É a imposição de uma verdade pelo subjugo do pensamento. O mundo moderno impõe cada vez mais a escolha voluntária de dogmas, visto que há séculos a comunicação massificada é feita para manipular, criando uma falsa sensação de liberdade de escolha, cujo resultado é sempre a imposição de uma verdade prévia e intencionalmente escolhida. Essas escolhas limitam o pensamento crítico e criam distorções baseadas em vontades, em vaidades ou em delírios sociais. Enquanto nosso livre arbítrio era manipulado apenas comercialmente, os impactos sociais eram menores.

A partir do momento que passamos a escolher apenas entre verdades previamente escolhidas para redefinirmos o ser humano em suas condições fisiológicas e sociais, nos tornamos nossa própria ameaça.

 

3º – O conforto – Indicativo de tranquilidade, aconchego, segurança psicológica e praticidade, indica uma característica geneticamente codificada no DNA do ser humano, sendo essa característica a busca pela melhor estratégia para uma sobrevivência de sucesso.

A adoção de algo novo costumeiramente acontece pela métrica do conforto, e posto isso, a afirmação que adotamos tecnologia pelo conforto passa a fazer sentido. Geoffrey Moore, em seu livro Atravessando o Abismo, apresenta um modelo com cinco estágios de adoção com base nas características psicológicas das pessoas: inovadores, apressados, maioria curiosa, maioria confortável e retardatários. Observa-se que quanto mais jovem é a pessoa que está decidindo sobre algo novo, mais rápido ela adota. Vejam como os jovens adotam tecnologia e entendimentos pré-moldados de forma dogmática, sem pensar criticamente, uma adoção pelo meio social e eventualmente pela necessidade de pertencer a um grupo.


4º – A certeza – Ter certeza de algo é muito confortável, até dogmático, pois não há o esforço da reflexão, e se não há reflexão então não se corre o risco de errar, de desconstruir, de tirar camadas, de desbastar o pensamento até o cerne. Através da certeza cessa-se a curiosidade, o descobrimento, o progresso.

O antagonismo dessa limitante condição é a própria incerteza, que não devemos temê-la, mas sim valorizá-la como condição necessária ao equilíbrio e avanço do próprio ser humano. Sempre que misturamos a incerteza com um conjunto de perguntas valorosas, de alguma resultante deriva o progresso do homem.

 

A conexão entre os aspectos

De forma suscinta, não é difícil perceber que o desenvolvimento da inteligência é condicionado à complexidade cognitiva que o indivíduo é submetido, ao tempo que ele busca, dentre as possibilidades conhecidas e em novos caminhos que se mostram conforme seu conhecimento evolui, a sua melhor estratégia para que se tenha sucesso em suas decisões e prospere. Através dessas decisões mostradas como assertivas, o indivíduo constrói uma relação estável, tornando o esforço, para futuras decisões semelhante, cada vez menor.

 

IA como ferramenta de desconexão

Vou humanizar uma estratégia de IA para simplificar o entendimento.

Disse acima que a inteligência pode ser uma resultante dos estímulos cognitivos que um indivíduo é submetido, em IA isso é representado por seus algoritmos.

Também disse que o ser humano adota verdades por imposição do meio, em IA isso é representado pelos fatos e valores constantes, ou estáticos, que são imputados, como referência, pelo desenvolvedor ou pelo usuário.

Na sequência, disse que o conforto é a busca pela melhor estratégia de sobrevivência ou de continuidade, em IA isso é o Machine Learning, ou Aprendizado de Máquina.

E por último, onde a IA supera em muito a essência do ser humano, temos a condição de assertividade ou certeza, que jamais um algoritmo de IA pode ter, pois isso é antagônico ao conceito de aprendizado de máquina, e dessa forma, a IA continua a explorar uma relação previamente encontrada, retroalimentando, reanalisando e apresentando, a cada término de processamento, novas ou melhores possibilidades.

 

A desconexão e o início da caminhada

O ponto falho da nossa estratégia biológica de formação da inteligência, comandada integralmente por nosso cérebro e suas sinapses, reside no fato de facilmente aceitarmos relações previamente construídas sem o esforço cognitivo, que não exploram a complexidade e a incerteza como combustíveis para o aumento da capacidade fisio e neurológica.

Já perdemos a capacidade do cálculo mental rápido, já perdemos a capacidade de geolocalização e construção mental de rotas, estamos perdendo a capacidade de gerar conhecimento baseado em relações entre informações e estamos perdendo a capacidade da escrita.

O abismo de nossa existência atual começa a ser visualizado quando trazemos para nosso dia a dia a IA, uma ferramenta que toma decisões mais assertivas, mais rápidas e melhores que as nossas, que faz com que nossa vida seja mais produtiva em quase todos os aspectos, menos um: a de aprendermos com o processo que nos leva ao erro, e assim evoluirmos. E estamos mais do que renunciando a isso, estamos delegando a responsabilidade pelo erro, deixando a IA errar e aprender enquanto nós, seres humanos, hipócrita e confortavelmente achamos que esse conhecimento nos pertence, e não vemos que somos apenas mais um insumo.

Excelente artigo Ricardo!

Ótimo artigo, onde as diversas questões que compõem o quadro de IA estão muito bem colocadas. Obrigado Ricardo S. Becker pela lúcida e competente analise.

Trevor Douglas Oliveira

Consulting & Project Leader at Becker GRC Consulting

1 a

Sensacional, parabéns pelo artigo!

Ricardo dos Santos

Consultor PJ e Professor Universitário na Faculdade Senac

1 a

Parabéns pelo Artigo, principalmente em suas considerações finais que faz todo sentido: “E estamos mais do que renunciando a isso, estamos delegando a responsabilidade pelo erro, deixando a IA errar e aprender enquanto nós, seres humanos, hipócrita e confortavelmente achamos que esse conhecimento nos pertence, e não vemos que somos apenas mais um insumo.” Parabéns Becker!

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