O colapso das ferrovias


 Almir Pazzianotto Pinto

 

                        Nos altos escalões da República nada se diz sobre o colapso da malha ferroviária, um dos pontos fracos da nossa precária infraestrutura, responsável pela baixa produtividade do Brasil.

                        A rede se estende de forma descoordenada ao longo de 30.129 quilômetros (km), distribuídos entre 22 Estados e o Distrito Federal. A maior parte se destina a transporte de cargas, como minério de ferro. É reduzido o número de quilômetros explorados para deslocamento de passageiros. A maior extensão se registrou na década de 1960, quando alcançou 38.287 quilômetros. Na Mensagem ao Congresso Nacional relativa ao ano de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek declarava existirem 37.100 quilômetros, “sendo 2.880 km em bitola de 1,60 metro, 33.120 km, em bitola de 1,00 m, e 1.060 km, em bitolas inferiores a um metro” Também relacionava aas ferrovias em fase de construção (pág. 418).

Passados mais de 60 anos, a quilometragem se reduziu em aproximadamente 7 mil quilômetros, mantendo-se a diversidade de bitolas. Em todo o Brasil, são quatro as medidas entre os trilhos. Temos 4.057 quilômetros em bitola larga, ou irlandesa, de 1,6 metro; 202,4 quilômetros em bitola padrão, ou internacional, de 1,435 metro; 23.489 quilômetros em bitola de um metro; e 396 quilômetros em bitola mista. Em pequenos trechos turísticos, sem expressão comercial, são encontradas bitolas de 0,6 metro e 0,763 metro.

Durante a maior parte do Segundo Império e ao longo da Primeira República, as ferrovias garantiam o transporte do café para os portos do Rio de Janeiro e de Santos. A partir dos anos 70, com prejuízos crescentes, bitolas diferentes, falta de interligação com sistemas regionais, ausência de plano ferroviário de amplitude nacional, a malha ferroviária entrou em declínio, beneficiando rodovias e frotas de caminhões movidos por motores a gasolina ou óleo diesel.

Em 27 de setembro de 1825 inaugurou-se na Inglaterra a primeira linha férrea, entre as cidades de Stockton e Darlington. No Brasil, em 31 de outubro de 1835, passados apenas dez anos, o regente Diogo Antônio Feijó assinou o Decreto nº 101, projetando a criação de ferrovias destinadas a ligar o Rio de Janeiro, capital do Império, a Ouro Preto, capital da província de Minas Gerais, Salvador e Porto Alegre. O projeto não foi concretizado. Morreu no papel. Em 26 de junho de 1852, dom. Pedro II procurou retomar a iniciativa com o Decreto nº 641, cujo destino foi o mesmo.

A primeira ferrovia brasileira foi obra de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, “seguramente a maior figura do Segundo Reinado, compreendida na sua essência progressista e emancipadora”, na autorizada opinião de Lídia Besouchet. “A inauguração da Estrada de Ferro Mauá ocorreu em 30 de abril de 1854, 22 meses e 18 dias após Mauá haver obtido autorização de Dom Pedro II para sua incorporação. O trecho inaugurado ia do Porto de Estrela, passando por Inhomirim, à estação do Fragoso, num total de 14 quilômetros e 500 metros” (Mauá e seu tempo, Editora Nova Fronteira, RJ, 1978, pág. 69).

O Brasil é paupérrimo em ferrovias. Compare-se a nossa malha com a dos Estados Unidos (293.564 km); a da China (124 mil km); a da Rússia (87 mil km), ou do Canadá (77 mil km).  A montanhosa Itália, com área de 301.302 quilômetros quadrados, inferior à do Maranhão, possui 16.627 km de modernas vias férreas, 70% eletrificadas, com trens de passageiros que trafegam à velocidade de 300 quilômetros por hora, os mais rápidos da Europa.

A histórica negligência em ralação ao transporte ferroviário impede a existência de vias férreas modernas, de extensão nacional, com trens de alta velocidade. Excelente livro sobre o assunto foi editado pela Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), para comemorar 45 anos de existência da entidade. Em melancólica frase, a Abifer reflexe a situação das nossas ferrovias: “A indústria ferroviária brasileira instalada no Brasil vivencia hoje uma dramática ociosidade de 80% na área de cargas e de 100% na área de passageiros, com reflexos negativos na geração de empregos qualificados que nossa indústria proporciona e que lhe têm sido subtraídos”. Quem desejar conhecer um pouco mais sobre este segmento industrial, hoje menor do que era na década de 1960, nele encontrará valiosa fonte de informações.

É deplorável que a ligação de Brasília com São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Belém, dependa de empresas aéreas, ou do transporte rodoviário. É inexplicável que, no planejamento da nova Capital, inaugurada em 1960, tenha sido ignorada a importância estratégica das estradas ferroviárias.

O transporte rodoviário é o principal modal logístico do país. Temos 1.721.092 km de rodovias,  12,4% pavimentadas, por onde circulam 65% das cargas movimentadas. A prioridade dada às rodovias não justifica, porém, o abandono das ferrovias, que deveriam ser vistas como meio de transporte prioritário de cargas pesadas e de passageiros à longa distância, como acontece nos países desenvolvidos.

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Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. “O Estado”, 6/11/2024, pág. A6.

 

 

 

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