O confronto publicitário entre SEARA e SADIA: concorrência desleal?
O processo de acirramento da concorrência entre os grupos JBS e BRF pelo mercado de processamento de proteína animal, tanto em âmbito internacional, quanto nacional, apesar de recente, não é de hoje: vem se desenvolvendo desde meados de 2013, quando a JBS – que se destacava (com folga) no segmento de carnes bovinas e mantinha o abate de frangos apenas para abastecimento do mercado dos Estados Unidos, basicamente – adquiriu a marca SEARA, responsável pela linha de carnes suínas e de frango do frigorífico MARFRIG, que, não obstante ter chegado a ser, à época, o 2º maior player deste segmento, já não tinha mais fôlego para exercer pressões no mercado.
O JBS, portanto, havia entrado efetiva e significativamente no mercado brasileiro de processamento de carnes de frango e de porco, ameaçando a liderança da BRF, conquistada desde o seu nascimento, resultante da polêmica fusão entre Sadia e Perdigão (estruturada em 2009 e aprovada, com restrições – vendas de ativos e suspensão temporária do uso da marca Perdigão em determinados segmentos por 3 a 5 anos, a depender da mercadoria – pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE em 2011, quando do julgamento do Ato de Concentração nº 08012.004423/2009-18). Vale ressaltar que a BRF não detinha participação relevante no mercado de processamento de carnes bovinas, amplamente dominado pelo JBS.
Pois bem. Desde então, a BRF e o JBS colocaram como meta o aumento de seus shares no market de proteínas avícolas e suínas; e, frise-se: se a fatia de mercado conquistada pertencesse ao concorrente imediato, o resultado seria ainda mais comemorado!
Nesse contexto, vale dizer, diversos são os mecanismos possíveis de serem implementados com vistas ao aumento de participação de um agente em determinado segmento econômico: i) pode-se apostar em tecnologias aplicáveis à cadeia produtiva, a fim de otimizá-la e, com o incremento de eficácia, compensar os gastos realizados com esses investimentos tecnológicos na produção, para, posteriormente, ganhar escala em relação aos concorrentes – ou, até mesmo, criar capacidade ociosa, para seu uso em momento mais oportuno no futuro – do que resultará em uma diminuição do custo produtivo, refletindo-se em aumento de margem lucrativa ou redução do preço do produto final; ii) pode-se, ainda neste viés tecnológico, aperfeiçoar o produto oferecido, diferenciando-o dos ofertados pela concorrência, ou, criar uma outra linha produtiva, correlata horizontalmente, ou integrada verticalmente a atual (sugerindo ao cliente que opte pelas marcas pertencentes ao player), de forma que justifique a opção do consumidor pelo seu produto e não pelo do concorrente; iii) ou, dentre vários outros exemplos que poderiam ser dados, pode-se apostar em uma das mais fortalecidas táticas empresariais nos dias de hoje: o marketing.
No que toca às agências publicitárias responsáveis pelas campanhas de SEARA e SADIA, marcas detidas, respectivamente, por JBS e BRF, está sendo travada uma verdadeira guerra! Na melhor acepção possível do termo (se isto é possível), é claro.
Recentemente, fora lançada propaganda da SEARA que, (in)diretamente, faz menção a sua maior concorrente. Aproveitando-se da coincidência entre as letras componentes dos nomes de ambas as marcas, os marqueteiros do JBS “alfinetaram” a SADIA, em síntese, afirmando que o presunto (objeto da publicidade em questão) que começa com “S” e termina com “A” é, obviamente, SEARA!
É claro que a campanha, apesar de divertida, não foi bem recebida pelo grupo BRF. Fora proposta, na Justiça Estadual do Estado de São Paulo, ação judicial visando derrubar aludida propaganda, da qual derivou decisão liminar determinante da suspensão de sua veiculação, por se tratar de “concorrência desleal”, segundo o magistrado responsável por referido litígio.
Essa liminar, no entanto, findou por ser revogada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de Agravo de Instrumento, interposto pela SEARA.
Igualmente, denúncia com base na mesma problemática (questão do "S" e do "A"), formulada pela Sadia em face da Seara junto ao CONAR - Conselho de Autorregulamentação Publicitária (organização não-governamental que visa impedir propagandas enganosas e/ou abusivas), restou arquivada à unanimidade.
Contudo, a dúvida, para nós, consumidores, permanece: até que ponto é válido e permissível este tipo de campanha? Um marketing de guerra, nestes moldes, consiste em concorrência desleal? E, em se tratando de concorrência desleal, cumpre ao CADE se imiscuir no assunto, com vistas à proteção da ordem concorrencial no Brasil?
Comecemos do inverso: nem sempre um ato de “concorrência desleal”, no sentido do conceito aqui discutido, demandará a interferência do órgão antitruste (CADE), responsável pela defesa da competição/concorrência.
Cumpre ao CADE, nos termos da Lei nº 12.529/2011, manter a ordem econômico-concorrencial, protegendo, imediatamente, os mercados e, mediatamente, os consumidores.
Somente será possível falar em infração concorrencial, à luz da legislação antitruste, quando uma conduta, por exemplo, tiver efeitos negativos à competição, restringindo-a ou eliminando-a. Não é, portanto, qualquer rusga entre concorrentes que evocará a interferência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Se, por exemplo, dois players estão se digladiando em campanhas publicitárias, visando um aumento de market share, desde que um não abuse, por exemplo, de sua eventual posição dominante, capaz de mudar, de forma unilateral, significativamente os rumos do mercado em que está inserido, isto não interessará ao órgão antitruste. Tanto é que nas previsões de condutas anticompetitivas, do art. 36 da Lei nº 12.529/2011, não se visualiza algo que, explicitamente, encaixe-se nesta questão de publicidade desleal.
Via de regra, portanto, tais discussões são atinentes a outra esfera, a de possíveis infrações à propriedade industrial, a qual será desenvolvida a seguir, delimitando-se o conceito de “concorrência desleal” aplicável ao imbróglio entre SEARA e SADIA.
A Lei nº 9.279/1996, também conhecida como Código de Propriedade Industrial, traz em seu art. 2º, V, que a proteção aos direitos de propriedade industrial (como as marcas, por exemplo), efetua-se mediante a repressão à concorrência desleal.
Mais à frente, no art. 195 da mesma lei, tratou-se de definir, taxativamente, as hipóteses (criminalizadas) de concorrência desleal. O inciso que remete à discussão aqui desenvolvida é o IV, que assim dispõe: “usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos.”
Ora, de fato, existe a brincadeira com as marcas, propondo-se até, inicialmente, uma confusão entre elas. Todavia, isto é imediatamente esclarecido, na própria campanha, inclusive! Não nos parece que tenha havido imitação ou uso de sinais gráficos pertencentes a outrem; afinal, o utilizado foi, meramente, a primeira e última letra da marca concorrente, que são idênticas à da marca proponente da propaganda: “s” e “a”, de SEARA e de SADIA.
Vedar uma campanha como a referida nos parece forçar demais os limites da legislação; extremar as restrições da publicidade empresarial é tornar ainda menos saudável a competição existente entre os players.
É irrazoável pensar que qualquer potencial consumidor dos produtos das marcas em questão não note a brincadeira – e com ela se divirta.
A campanha fará com que as vendas da SEARA aumentem? Pode ser que sim, pode ser que não... Como em qualquer outra! E se aumentarem – conforme dados da Nielsen, no segmento de presunto, a participação de mercado da Seara saltou de 5,2% para 11,1% em um ano no Estado de São Paulo – isto, com certeza, não será porque os consumidores estão adquirindo mercadorias da SEARA enganados, pensando se tratar de produtos da SADIA, e sim porque os esforços, seja de marketing, tecnologia ou logística, empreendidos estão surtindo efeito.
O importante é perceber que, apesar da implícita, mas, perceptível, referência ao concorrente, não há deslealdade e, sim, criatividade.
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9 aExcelente texto! A criatividade tem que compor o processo competitivo. Para Schumpeter, o empresário (ou empreendedor) deve convencer o consumidor, de modo a sobreviver no mercado. Os concorrentes devem entender que não são "intocáveis". A legislação trata de proteger a competição e não os competidores! Mesmo assim, a Lei de PI não pode ser levada para esse extremo. Que a BRF cobre seu marketing e clame por propagandas mais criativas! Abraço!
Advogado e Consultor. Membro da Comissão de Direito Bancário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Secretário-Geral da Comissão de Direito Bancário da OAB/PE.
9 aBom texto. A propaganda é criativa, nada mais que isso. A primeira vez que ouvi pensei "Sadia", mas o "saia do automático" foi muito original. O referido dispositivo legal (artigo 195, IV da Lei 9.279-96) não pode ser interpretado extensivamente.
CEO & Partner Experience Club Nordeste
9 aExcelente ponto de vista!!! O LIDE Futuro Pernambuco promoverá um mentoring com o atual CEO do Grupo JBS no dia 01 de outubro. Como eles tem investido em marketing para vencer a maior concorrente será objeto de discussão entre os filiados e o proprio Wesley. Abracao Luciano
Partner
9 aMuito bom! Parabéns!
Sócio proprietário na Lopes & Nébias Advogados Associados
9 aExcelente, Léo.