O DEPOIS DA EDUCAÇÃO

O DEPOIS DA EDUCAÇÃO

 Mirela Jeffman dos Santos[1]

 

A qualidade do ensino superior está em pauta há alguns anos no contexto brasileiro. Governantes, órgãos reguladores e sindicatos se ocupam em discutir critérios capazes de definir a qualidade de uma instituição de ensino e dos cursos por ela oferecidos. Ao serem avaliadas, as instituições de ensino superior são submetidas a um criterioso processo que analisa, entre outros pontos, a sua estrutura física como: laboratórios, bibliotecas, salas de aula, sala de professores, salas de estudo, espaços de convivência... Indicadores considerados extremamente relevantes para proporcionar a construção do conhecimento e que têm estado ociosos nos últimos meses. A pandemia causada pelo COVID-19 levou as instituições de ensino no Brasil e no mundo a fecharem as suas portas físicas e abrirem, de uma vez por todas, as suas portas virtuais. Para aqueles que ainda não haviam se adequado às tendências da era digital, esse momento não deixou espaço para o adiamento. Para aqueles que ainda não estavam familiarizados com as ferramentas digitais, o cenário exigiu rápida e eficiente adaptação. Chegou o momento de, finalmente, dar atenção à didática do ensino superior na era digital, repensando o formato de aulas e, consequentemente, as avaliações.

Esse novo cenário – talvez não mais tão novo – nos oferece a oportunidade para repensar a nossa proposta pedagógica, ressignificar o nosso entendimento de aula e – por que não? – revisar os nossos critérios de avaliação. Não se trata mais de utilizar os recursos tecnológicos como um apoio ao ensino presencial. Não estamos falando de inserir ferramentas digitais nas nossas aulas. O momento agora é de viver o meio digital e aproveitar todos os seus benefícios para planejar uma aula interessante fora do ambiente universitário, longe dos laboratórios e bibliotecas, sem contato presencial. Não significa somente estar alfabetizado com as linguagens, ferramentas e contextos digitais e sim estar aberto às contribuições que estes novos espaços podem proporcionar (VILA, 2012). Para muitos, pode ser uma tarefa tranquila e amigável. Para outros, desafiadora e perturbadora. Independente disso, é importante refletirmos sobre o que estamos fazendo e de que forma estamos fazendo.

Parar para pensar, uma atividade tão escassa nos dias de hoje, tornou-se fundamental para que os processos de ensino e aprendizagem continuassem em movimento nesse período. Pensar não somente sobre os procedimentos a serem adotados em sala de aula. Planejar não somente as aulas à distância. E sim, pensar e repensar sobre o nosso ser e fazer pedagógico. Refletir sobre que professor eu sou, o que significa ser professor nesse cenário, que competências eu pretendo desenvolver nos meus estudantes, que conhecimentos eu quero construir, que papel eu tenho como educador nessa nova realidade. Questões aparentemente simples, mas que incitam um olhar profundo para a nossa atividade como educadores.

O planejamento da ação docente deveria ser uma atividade natural para o educador tão importante quanto o momento da aula. No entanto, muitos docentes não se permitem esse momento de reflexão e, muitas vezes, acabam replicando as suas aulas a cada semestre. A réplica não se refere apenas ao que tange o conteúdo, mas engloba também os procedimentos realizados em aula, as atividades propostas, as dinâmicas conduzidas e a maneira como os conteúdos são trabalhados. No cenário da pandemia, não foi raro ouvirmos colegas manifestarem a sua frustração ao afirmarem que a sua matéria é incompatível com o formato à distância e que é inviável trabalhar o conteúdo dessa forma. Esses, respeitosamente, são docentes que não estão habituados a repensar as suas aulas, a buscar maneiras diferentes de fazer as coisas, a questionar os procedimentos adotados, a adequar a sua proposta à turma ou ao momento. De modo semelhante, alguns estudantes vieram compartilhar que “não estão tendo algumas aulas” e alegaram que recebem apenas materiais para leitura e questões para responder. Os professores responsáveis por essa proposta, novamente de forma respeitosa, não estão se permitindo inovar, criar, se abrir para o ambiente virtual e para todas as funcionalidades que ele pode oferecer. Não podemos desconsiderar que os nossos estudantes, ainda que em um ambiente virtual, permanecem interessados em construir o conhecimento de forma significativa (MOREIRA, 2006).

Os nossos estudantes comparecem à aula, seja de forma presencial ou virtual, com o intuito de analisar, interpretar, refletir, criticar... e não para receber um conjunto de informações que já estão disponíveis no meio digital. O acesso à informação tornou-se muito facilitado, e está disponível nos mais diversos formatos e linguagens. O bombardeio contínuo de dados é uma consequência natural da evolução tecnológica. Por isso, a informação terá sentido somente para aqueles que tiverem a capacidade de transformá-la em conhecimento (SABATÉ; SABATÉ, 2012). Por isso, o papel do professor precisa ser reavaliado, especialmente nesse contexto, no qual a transmissão do saber perde seu espaço para uma proposta mediadora e instigadora. O educador passa a ser responsável por construir um ambiente de compartilhamento de conhecimento e experiências, independente se físico ou virtual, tornando-se membro desse grupo. Os estudantes não deixaram de ser ativos apenas porque estão atrás da tela de um computador. Todas as suas necessidades, curiosidades e motivações permanecem, podendo, inclusive, se revelar mais afloradas nesse período.

Nesse desafiador momento para a educação, também estamos observando os entraves em relação às atividades de avaliação. Alguns professores, com ar de decepção, comentaram que a realização de tarefas avaliativas é inviável, uma vez que não se pode controlar o comportamento do estudante, podendo o mesmo consultar livros, artigos e sites da web para “descobrir” as respostas das perguntas que lhe foram apresentadas. Ora, esses recursos, físicos e digitais, sempre estiveram disponíveis ao estudante, independente do formato de aula e ainda, permanecerão disponíveis no exercício da sua atividade profissional depois de formado. Será que não é limitar demais à atividade avaliativa ao controle e à memorização de conteúdos? Até que ponto essa proposta avaliação, de fato, avalia o desempenho do estudante?

As fontes de informação (livros, artigos, websites, enciclopédias físicas e virtuais) estão amplamente disponíveis e os nossos estudantes comparecem à aula para aprender algo que vá além daquilo que se pode facilmente encontrar na internet ou na biblioteca. Por quê avaliar de modo a ignorar tudo isso? A reflexão do professor precisa contemplar também as atividades avaliativas. O educador precisa encarar a avaliação como um processo contínuo na prática pedagógica, que visa promover melhorias no ensino e na aprendizagem, transformando a realidade da sala de aula de forma colaborativa e integradora. A avaliação é muito mais do que a atribuição de um grau ao desempenho do estudante. Não se pode perder o foco do seu real propósito: identificar se o aprendizado ocorreu de forma satisfatória. Com base no seu resultado, caminhos são redefinidos, procedimentos são reestruturados e propostas são adaptadas para que se alcance o objetivo com êxito. Se as competências desenvolvidas nos estudantes são a reflexão, a análise e a crítica, por quê insistir em avaliar a memorização e a reprodução? Por quê elaborar instrumentos avaliativos cujas respostas podem ser localizadas na internet? Por quê não trazer a complexidade das aulas para as avaliações?

E a discussão pode ainda ser estendida: por quê precisamos estar fisicamente juntos em laboratórios, bibliotecas ou salas de aula para garantir que estamos de fato ensinando ou aprendendo? Será mesmo que a magnitude da estrutura física de uma universidade reflete a sua qualidade? Como realmente é possível avaliar a qualidade no ensino superior? O cenário aparentemente ameaçador causado pelo COVID-19 nos trouxe valiosa oportunidade para repensar a educação e enfatizou ainda mais a nossa necessidade de reinvenção e modernização. Quem não estava preparado, precisou se qualificar e se aprimorar por uma exigência do contexto. Já se fala que o mundo todo será diferente, que a humanidade será dividida em antes e depois do confinamento. Que o depois da educação seja livre das amarras que travam o ensinar e o aprender, seja repleto de criatividade e com muito espaço para refletir, repensar, planejar, replanejar, construir e desconstruir.

 

REFERÊNCIAS

MOREIRA, Marco Antonio. A teoria da aprendizagem significativa e sua implementação em sala de aula. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006.  

SABATÉ, M. Concepció Torres; SABATÉ, Joan Andreu Torres. Conocimiento, tecnología y pedagogía. In: Sociedad del Conocimiento y Educación. Lorenzo García Aretio (Editor) Madrid: Uned, 2012.  

VILA, Julio Vera.  Hacia una teoría de la educación para nuevos modos y nuevos contextos de aprendizaje. In: Sociedad del Conocimiento y Educación. Lorenzo García Aretio (Editor) Madrid: Uned, 2012.  


[1] Doutora em Administração. Professora Universitária. Personal & Professional Coach. mirelajs@gmail.com





Jacqueline Viegas

Consultora | Instrutora | Auditora | CPC-A | Sistemas de Gestão | Inventários de GEE

4 a

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