O diabo não é sábio porque é o diabo
O diabo não é sábio porque é o diabo, o diabo é sábio porque é velho, diz um ditado espanhol, e ele serve bem para os dias de hoje no mercado brasileiro, eu explico.
Há uns 30 anos atrás em São Paulo ter um flat era um grande negócio, era boa fonte de receitas, as unidades vendiam bem e tinham alta taxa de ocupação, percebendo isto os incorporadores correram para comprar terrenos e subir seus apart-hotéis, como também eram chamados, o que aconteceu então? A oferta foi tanta que o mercado micou, era muito flat para poucos interessados, as novas unidades não vendiam, os flats começaram a ter alta taxa de vacância, sem ocupação houve muita dificuldade em arrecadar as taxas de manutenção e as unidades começaram a deteriorar em ritmo acelerado. Demorou muito tempo para este mercado se recuperar.
Pois bem, quando isto aconteceu os incorporadores imobiliários mais atentos, antes de comprar um terreno em uma determinada região, começaram a investigar na Secretaria Municipal de Urbanismo de São Paulo as autorizações para novos empreendimentos naquele local, e deste maneira começaram a regular seus investimentos, se uma área apresentava alta taxa de projetos aprovados, não haveria porque investir naquela área dado que o fenômeno de excesso de oferta se repetiria deprimindo os preços dos lançamentos, claro que se poderia aproveitar uma oportunidade incrível de aquisição de terreno mas neste caso, a área entrava para o estoque da incorporadora, esperando momento mais propício para edificar. Como diria Adam Smith, a mão invisível estava agindo na regulação do mercado.
Se acompanhar um mercado local é mais fácil, dado que é um ambiente relativamente controlado, na economia de um país, ou no mundo de uma maneira em geral, isso é impossível. Veja, após a COVID havia o risco de uma desaceleração muito grande no mercado mundial causada pela quebra da cadeia de suprimentos, fábricas fechadas, logística mundial em crise... para evitar isso muitos países inundaram o mercado com a oferta de dinheiro, gerando muita liquidez para que a economia não parasse, porém houve uma reação clássica, o repique inflacionário causado pelo excesso de liquidez e certa falta de produtos. Novamente os bancos centrais agiram, mas desta vez aumentando seus juros, em uma tentativa de enxugar a liquidez excessiva no mercado causada por eles.
Em um mercado de muita liquidez e crédito farto, é fácil empreender, os erros não são tão doloridos, os mercado é comprador, o consumidor pode comprar o que precisa e as vezes o que não precisa, é uma espiral de oferta e consumo virtuosa para o empresário. Porém quando o mercado vira e os juros sobem, a liquidez evapora, as taxas de concessão de crédito disparam e a inflação come o poder de consumo das pessoas. É neste cenário que hoje nos encontramos.
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Como consequência o que vimos no Brasil e no resto do mundo? Primeiro estourou a bolha das empresas menos rentáveis, neste cenários estão as startups, estas empresas muitas vezes se caracterizam por propor modelos disruptivos de negócios e que em um processo de "cash burn" (ou seja, o lucro agora não importa) a empresa queima dinheiro dos investidores buscando o crescimento acelerado, fazendo aquisições, pivotando o produto, tudo na esperança de conquistar tamanho mercado que, mais do que dar lucro, trará o ganho de escala e uma base sólida e larga o suficiente de consumidores para fugir dos riscos iniciais dos negócios que crescem a duras penas e sofrem demais com as variações do mercado e da economia.
Logo após as startups, que naturalmente pela natureza de seu processo seriam as primeiras a sentir a falta de liquidez no mercado e a queda da demanda, vieram as big techs, Microsoft, Google, Meta e por aí afora, o Brasil recentemente entrou nessa onda, e estamos vendo pessoal bom e especializado ser dispensado as pencas.
Ruídos e casos específicos a parte, eu gostaria de dizer aos jovens que vejo em pânico ou indignados com as demissões, "calma, isso vai passar". É que este processo que estamos passando é natural e como todo processo humano e econômico, cíclico. Já em 1942, o economista austríaco Joseph Schumpeter surgiu com o conceito de destruição criativa: um processo de destruição e posterior reconstrução, com outro arranjo dentro da sociedade, que leva ao progresso econômico. Os ciclos de crescimento, ajuste, crescimento, ajuste.... são parte do mercado, é nesta depuração que as coisas que realmente importam voltam mais fortes e sólidas e os modismos viram apenas.. modismo mesmo.
Empresas, carreiras, tudo está submetido ao vai e vem de forças antagônicas e na maior parte do tempo fora do controle das pessoas. O que se dá de "favas contadas" como diria minha avó, é que a cada ciclo econômico de riqueza, há o inevitável repique reverso com perda de renda e empregos, puro Keynes. Quando meu pai abriu sua empresa levou de cara o choque do petróleo de 79, depois a crise do México em 1982, quando o país latino decretou moratória e levou todos os países emergentes para o buraco, em 1995 tivemos a bolha das .com e novamente o mercado foi varrido, e por ai vai. Quando abri minha primeira empresa, a Selic estava 3% e captar dinheiro no mercado era uma moleza, todo mundo tinha crédito, olha hoje, o cenário é completamente diferente e está se matando um leão no almoço e outro no jantar, só para manter as portas de muitas empresas abertas. Até no segmento de franquias, tradicionalmente sólido, há uma crise sem precedentes, levando muitos empreendedores ao desespero.
Bem, e quais seriam as boas novas então? As boas novas é que como sempre as empresas que fizerem a lição de casa sairão mais fortes e capazes, novas idéias surgirão, novas modas, novas vontades, o marketing vai achar novos mercados e nós empreendedores vamos correr para atender estas demandas, gerando empregos e renda. Então meu jovem, acho que até melhor do que dizer, "vai passar" vou parafrasear Nélson Rodrigues e dizer, não sofra tanto é apenas "a vida como ela é".