“O Dilema das Redes”
Este documentário da Netflix, lançado este ano (2020), dirigido por Jeff Orlowski, reúne ex-funcionários e executivos de grandes empresas de tecnologia como Google, Twitter e Facebook para falar sobre os perigos que as redes sociais oferecem. A produção toca em temas polêmicos ligados às redes sociais e colocam estes como responsáveis por algumas situações vividas atualmente, como a polarização política. Mas será que são as redes sociais e seus algoritmos que fazem isso? Os algoritmos têm vontade de escolher o que você está vendo?
O documentário trata de temas como “o vício em redes sociais ou smartphones”, como as empresas procuram alimentar este vício para que os usuários fiquem cada vez mais conectados. Eles discutem como as empresas pensam em tudo para manter o usuário conectado, desde as cores, disposição de botões e fotos e envio de alertas. Se formos olhar ao longo da história, isso não seria nenhuma novidade, qualquer mídia de veiculação de anúncios procura uma forma de manter a atenção do interlocutor para poder anunciar e, assim, a empresa poder existir. O rádio, televisão, jornais, revistas sempre pensaram desta forma, qual o tamanho das fotos, onde encaixar uma foto, uma imagem, qual manchete colocar nas capas, qual voz do locutor combina mais com o horário matinal, qual combina com o horário da madrugada, para um noticiário, é bom ter um apresentador sério e formal(esse estereótipo mudou hoje), para um programa de auditório, um mais despojado. Qual atração traz mais audiência, qual o melhor horário para tal programa e tal anúncio. Nada disso é novidade para o mercado de comunicação, as redes sociais apenas estão utilizando técnicas já desenvolvidas há muito tempo, porém, com um impacto um pouco maior, pela praticidade da tecnologia, pela facilidade e rapidez de acesso.
A imagem acima retrata um cotidiano bem conhecido há vários anos, pessoas dentro de ônibus ou trens vidradas em seus jornais. Muitos pais ou avós, devem ter convivido com a rotina de acordar de manhã e ler o jornal enquanto tomava café (cena típica de filmes Hollywoodianos), quantas outras pessoas não corriam pra casa para poder pegar o horário do JN ou da novela das 8. Quantos não se programavam para poder assistir ao programa do Chacrinha, de repente convidando até familiares. Quantas vezes não nos deparamos em organizar a agenda para poder assistir tal filme, ou um programa, que passaria na TV no horário específico?! Qual a diferença disso para o celular? Apenas que a tecnologia deixa essas notícias ou programas com um acesso bem mais rápido e fácil. Hoje o celular traz as informações com mais rapidez e, junto com elas, o contato com os amigos, familiares ou colegas com quem você quer conversar ou tem algum interesse em comum. Lembra quando você falava da sua mãe “nossa, ela fica horas no telefone com fulano”, ela não podia ficar ligando toda hora, então aproveitava todo o assunto naquela ligação, hoje você consegue ler este artigo e já passar para alguém, consegue conversar com as pessoas na hora que as coisas acontecem, saber o que aconteceu com os outros naquele momento.
A tecnologia se desenvolve em cima dos comportamentos e situações do cotidiano a fim de facilitá-las, como os novos empreendedores costumam repetir em mantra “qual a dor do cliente que nós podemos resolver?”, as redes sociais também fluíram nesta linha, procuraram facilitar a comunicação e convivência entre as pessoas, utilizando de um comportamento já existente. As redes sociais fornecem apenas os meios, o ambiente, o conteúdo é todo criado por seus usuários.
Outro tema que o documentário trata muito é sobre o algoritmos de indicações das redes sociais, algoritmos que indicam pessoas, filmes, postagens e assuntos para o usuário e como as redes procuram manter os usuários conectados. O documentário traz de uma forma, e vejo muito este pensamento, como se os algoritmos selecionassem as coisas “ruins” para mostrar para o usuário quando, na verdade, o algoritmo utiliza um método para selecionar o que é relevante para o usuário, baseando-se no que ele interage.
Os sistemas de recomendação, em geral, utilizam uma destas 3 técnicas de filtragem:
- Filtragem baseada em conteúdo: uma filtragem baseada no interesse e perfil do usuário, comparando conteúdos que o próprio usuário interagiu. Por exemplo: eu assisti 2 filmes de ação e 1 de comédia, então o sistema entende que eu gosto destes tipos de filmes e vai me indicar outro filme de ação, em segunda opção, uma comédia.
- Filtragem colaborativa: este tipo de filtragem utiliza dados de outros usuários com interesses semelhantes para fazer a indicação. Exemplo, eu li este artigo e marquei com ‘gostei’, o algoritmo vai pegar outras pessoas que gostaram e ver que eu e outro usuário também vimos o filme X, então ele vai pegar o livro Y que o outro usuário comprou e me indicar.
- Filtragem híbrida: utiliza as duas técnicas acima, ele utiliza o perfil do usuário para encontrar perfis semelhantes na rede e criar uma matriz de usuários semelhantes, aplicando o filtro nesta matriz de usuários semelhantes.
Os algoritmos utilizam estas técnicas independente dos assuntos, então se você assiste muitos filmes de ação e compra ursos de pelúcia, as redes sociais e serviços de streams vão te indicar filmes de ação e propagandas de ursos de pelúcia. Se você acredita que a Terra é plana, vê vídeos sobre este tema, lê sobre este tema e só interage com quem também acredita nisso, a rede vai te indicar filmes e pessoas que também acreditam nisso, por outro lado, se você pesquisa sobre empreendedorismo, lê, vê vídeos sobre esse tema, entra em grupos sobre o tema nas redes, vai receber propagandas e indicações de pessoas empreendedoras, livros e filmes a respeito disto. Se você é ativo em ONGs, consome esse tema, terá indicações de ONGs, de pessoas ligadas à ONGs. O seu perfil, o seu conteúdo é baseado no que você consome.
Então, as redes sociais procuram sim prender a atenção dos usuários e direcionar publicidades para o que eles apresentam interesses, mas é uma coisa que já acontecia antes. Existe uma disciplina chamada Pesquisa Operacional, comum em cursos de administração e gestão, que visa pesquisar e prever soluções para problemas ou predizer comportamentos, foi aplicando regras desta disciplina que os supermercados passaram a adotar aqueles produtos menores, de preço baixo e alto poder de compra por impulso próximo aos caixas, produtos voltados para crianças nas prateleiras de baixo, ao alcance delas, produtos de alto lucro na altura dos olhos e os de baixo preço e nicho específico, nas prateleiras abaixo. Este direcionamento comercial sempre existiu em tudo.
Todo este direcionamento comercial que vemos nas redes sociais e no mundo virtual já existia offline, as propagandas de sapato no seu feed após você pesquisar sobre tênis no navegador ou algum aplicativo com a conta vinculada. As postagens sobre comida ou cursos de gastronomia após você curtir postagens de receitas ou seguir personalidades ligadas à gastronomia ou àquele programa de chefs. Isto já era aplicado quando se tentavam criar jornalzinhos com carnes e cerveja próximo ao fim de semana, a propaganda de arroz ou feijão no intervalo do jornal na hora do almoço. Existe um case clássico de cruzamento de dados onde o Walmart cruzou informações de vendas e descobriu uma relação curiosa que quem comprava fraldas na sexta a noite, também levava cerveja, encontraram um número expressivo de vendas com esta relação, então resolveram colocar a cerveja perto das fraldas e isto aumentou as vendas destes dois produtos em 40%. Pesquisas posteriores mostraram que, estes clientes eram homens que saiam para comprar fraldas na sexta à noite para o final de semana ou alguma emergência e aproveitavam para levar latinhas de cerveja, também para o fim de semana. Depois deste “achado”, o Walmart passou a fazer diversas outras análises e relações, trocando posições de mercadorias e isso influenciou outras empresas que também passaram a fazer esta relação e procurar prever o comportamento de seus clientes e maximizar suas vendas.
Então, precisamos tomar cuidado ao analisar algoritmos e ações online como se elas não existissem antes, ou tentar demonizar a internet e a tecnologia, como se ela fosse responsável por determinadas atitudes que já aconteciam, ou que ela é apenas uma ferramenta e não a criadora da ação. Os algoritmos de indicação, os produtos nas prateleiras dos supermercados, aquela propaganda de arroz no intervalo do seu telejornal do meio dia, são apenas técnicas para atrair o consumo baseadas no comportamento das pessoas, então o que fazer pra mudar isso? Que tal entender como isto funciona e trabalhar psicologicamente para não cair nestas estratégias de marketing?! Que tal trabalhar conceitos comportamentais e ensinar as pessoas a pesquisar sobre temas e não ficar esperando que uma rede social ou um navegador de internet indiquem o que você precisa ler ou assistir sobre aquele tema?! Que tal voltarmos nossa atenção para nós, nós somos responsáveis pelo que fazemos, somos responsáveis pelo que lemos, assistimos, aprendemos (ou não) e pelo que consumimos, a internet é só uma ferramenta, um meio.
Referências bibliográficas
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