O Drama do Amor e da Honra entre Pais e Filhos
Relacionamentos Inteligentes
Por Homero Reis ©
Ah, o amor inabalável entre pais e filhos, tão cheio de ternura, compreensão e... bem, quem sabe um pouco de sarcasmo? Vamos encarar, a ideia de que laços sanguíneos significam laços de afeto é tão antiquada quanto escrever telegramas ou escutar discos de vinil. Hoje em dia os valores são outros e as construções afetivas são construídas a partir de outras lógicas. O fato é: as relações afetivas paterno-filiais existem, mas não da forma como existiam em um passado recente, concordemos ou não. Saber atuar no cenário dos relacionamentos nos dias de hoje é difícil e o tempo está sempre contra nós porque tudo muda numa velocidade que não permite que nada se solidifique: valores se alteram, tudo é permitido, os limites se dissolvem no ar juntamente com tudo aquilo que dávamos por certo há poucos instantes. O melhor que se tem desse contexto é que pais e filhos estão totalmente confusos ou perdidos e, o que é pior, cada um acha que está “mais certo” do que o outro, sem dar ao outro o espaço necessário para entender o que está acontecendo.
Dia desses um pai me disse assim: “nessa questão dos relacionamentos com meus filhos, pare o mundo que eu quero descer. Não os entendo e sei que não sou entendido. Às vezes tenho a sensação de que somos estranhos que habitam o mesmo espaço. O que eu esperava ter com meus filhos está longe de ser o que temos e, tenho certeza de que eles também pensam assim. A questão é que a gente sente isso mas não faz nada para mudar. A gente não consegue se explicar, o outro não consegue entender e tudo continua do mesmo jeito”. De fato, a realidade é muito diferente das expectativas. Mas deixe-me lhes dizer como tenho vivido isso. Comigo não tem sido muito diferente dos pais (e filhos) com quem tenho conversado. Aliás, não tem sido diferente nem em inúmeras conversas com minha terapeuta. A gente acaba vivendo num fluxo normal com algumas pitadas de esquizofrenia social, pequenos dramas e tragédias eventuais, mas nada que nos mobilize de fato para promover uma reflexão ativa sobre o tema dos amores e afetos entre pais e filhos. É assim que inicio esse texto, que espero, possa lhe ser útil. Quero refletir sobre os relacionamentos paterno-filiais numa jornada trágica-cômica (ou pode ser ao contrário), através dos meandros tortuosos da parentalidade e da descendência, onde o amor é questionável, as brigas são frequentes, os conflitos são o prato do dia e o respeito já deixou de ser servido. Não quero ser categórico. Nesse mar de incertezas existem algumas ilhas.
Começo com umas declarações clássicas, “raras, mas que acontecem sempre”, que tenho escutado cada vez nos círculos que frequento. É claro, escutado das mais diversas formas e com muitos disfarces. Coisas do tipo: "Eu sou assim porque sou seu filho; não pedi para nascer; ela é igual à mãe; você não sabe de nada; você não manda em mim; não sou eu que vai realizar o seus sonhos". Essas declarações presumem que a genética e a circunstância sócio-parentais são as mais fortes concorrentes a culpadas por todas as falhas de comportamento, caráter e dificuldades relacionais que vivemos. Claro, as falhas nos afetos e nos relacionamentos não tem nada a ver com a maneira como você foi criado, suas influências externas, seus ciclos expandidos de influências recíprocas ou suas próprias escolhas. Não, é tudo culpa dos nossos queridos progenitores, que convenientemente se tornam os bodes expiatórios de todas as nossas imperfeições e dificuldades afetivas. "Ah, mãe, se eu sou preguiçoso é porque herdei isso de você, aprendi isso em casa, certo? Somos espelhos um do outro”. Outra: “sou assim porque você vive me enchendo o saco”. É como se a sociologia doméstica fosse um álibi perfeito para todos os dramas comportamentais. E quando se trata de pais, há sempre aquela acusação clássica: "Você não me acrescenta nada. Deixa que eu me viro". Ah, sim, porque claramente os pais existem apenas para serem almoxarifados emocionais, fornecendo amor, apoio e conselhos ininterruptos sem nunca esperar nada em troca. Como se a mera existência deles não fosse o suficiente para nos dar uma base sólida para a vida. “Não preciso de você para nada”, escutei um filho dizer enquanto deleitava-se com o fato de ter sido financiando nos estudos, na sustentação da vida, no teto sobre sua cabeça, na comida na mesa, na enfermidade e na certeza de o “leite nasce na geladeira, assim como no videogame, na viagem à Disney”. Sim, realmente os pais não acrescentam nada, exceto, você sabe, tudo. É incrível como às vezes usamos a desculpa de "eu sou assim porque sou seu filho, ou porque nasci nessa (ou naquela) família", como um passe livre para todos os dramas nos relacionamentos como se nossos pais fossem uma fábrica de defeitos e nós simplesmente escolhêssemos aqueles que mais nos convêm. “Você sempre foi tão cabeça-dura e teimoso!" Como se pudéssemos, magicamente, alterar nossa genética, cultura familiar ou a maneira como nos educaram para evitar que herdássemos características indesejadas. Claro, porque se há algo que os pais adoram fazer é escolher os piores traços de personalidade para passar adiante. Então, onde isso nos deixa na grande questão do amor entre pais e filhos? Bem, talvez não seja tão simples quanto uma linha reta de afeto incondicional. Talvez seja uma dança complicada de expectativas não atendidas, ressentimentos mal direcionados, falta de conversa e amor verdadeiro que persiste, apesar de tudo. Porque, no fundo, mesmo quando estamos resmungando sobre “como nossos pais são antiquados, inadequados e desatualizados” e os acusando de serem egoístas porque tudo se trata deles, há um vínculo indelével que nos une, não importa o quanto tentemos negá-lo. E daí que, apesar de toda a ironia e sarcasmo, há uma verdade subjacente que não se pode ignorar: o vínculo entre pais e filhos, embora muitas vezes complicado e repleto de conflitos, é profundamente significativo. Mesmo quando estamos ocupados reclamando sobre os hábitos ultrapassados deles, de serem egoístas e de só pensarem em si, há um amor genuíno que persiste, um amor que transcende as diferenças e os desentendimentos. Isso é difícil de entender, mas de fato existe.
Mas, de repente, a maturidade chega. Às vezes mais cedo, às vezes mais tarde. Só se espera que não chegue “tarde demais”. A maturidade desempenha um papel crucial nos relacionamentos entre pais e filhos. (Haja paciência para espera-la acontecer). É natural que os filhos, especialmente a partir da adolescência, com ênfase no início da idade adulta, questionem a autoridade de seus pais e busquem afirmar sua própria identidade e independência. Isso muitas vezes leva a conflitos e desafios, na medida em que os jovens adultos lutam para encontrar seu lugar no mundo e definir suas próprias crenças e valores.
Sabe-se que no início da vida as relações são de dependência. Os filhos dependem dos pais e, por isso, vendo-os suprir todas as suas necessidades, os veem também como heróis. Com o tempo a figura heroica se desfaz em si mesma e surge o outro ciclo: o ciclo da independência. Nesse momento, os filhos no início da vida adulta, já se julgam sabedores de tudo e conhecedores dos meandros da vida e de sua mecânica. Criticam os pais, desejam ser “filhos de outros”, tem soluções para tudo, declaram conhecimento profundo sobre coisas complexas que desafiam a humanidade desde os primórdios. Nunca vi pessoas mais cheias de certezas do que jovens adultos. Mas, o bom disso tudo, é que tudo passa. Nada melhor do que alguns tombos para se entender que nada é tão óbvio como parece. Depois de um tempo chega o tempo da interdependência. Nesse novo ciclo, os filhos que conseguiram conquistar a “maturidade” descobrem o valor de seus pais e entendem o que eles foram, são e poderão continuar a ser até que a vida se encerre. Minha torcida é para que isso não aconteça tarde demais. Porque é isso que escuto de muitos filhos: devia ter convivido mais, devia ter conversado mais, devia ter sido mais paciente, “devia ter amado mais, chorado mais, ter visto o sol nascer...” como diz aquela música dos Titãs. Devia... devia... devia. Então, por que não o fazem?
Creio que é aí que entra a questão da honra. Honrar pai e mãe é um preceito imperativo na cultura judaico-cristã e uma ideia profundamente enraizada em muitas culturas e tradições ao redor do mundo. Originário de princípios éticos e morais, esse “mandamento” geralmente é interpretado como uma instrução para mostrar respeito, gratidão e reverência aos pais. Mas, a ideia transcende as fronteiras da religião e se torna uma parte fundamental da ética familiar em muitas sociedades. Honrar pai e mãe não se trata apenas de seguir ordens cegamente, mas de reconhecer o papel vital que os pais desempenham em nossas vidas e demonstrar apreciação por isso. Honrar pai e mãe também significa reconhecer de onde viemos e valorizar essa origem como ponto de partida de toda a nossa história pessoal, seja ela qual for. É respeitar a autoridade paterno-maternal e escutar seus conselhos, preservar a figura “genitora” e seguir seus legados, quando apropriados. Embora possamos discordar deles, e isso é mais comum do que se imagina, é importante reconhecer sua sabedoria e experiência, especialmente em questões importantes sobre o ciclo da vida. Normalmente os pais são “mais velhos que os filhos”; já viram e já passaram por mais coisas do que os filhos. Isso lhes dá, pelo menos, a autoridade de afirmar que tudo passa. Portanto, “fiquem tranquilos, meus filhos, isso vai passar (seja o que for)”.
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Mas nessa conversa toda, sempre tem os interlocutores mais objetivos. Foi o caso de um “colega” ciclista que, durante o nosso pedal em que falávamos sobre o tema, perguntou-me objetivamente. –Tá bom, mas você pode dar alguns exemplos de como honrar pai e mãe? Exemplos de como resolver a questão prática do amor? - Claro, respondi. No meu modo de ver, aqui vão algumas possibilidades:
Esses são alguns exemplos práticos que dei ao meu “colega de pedal”, de como se pode honrar pai e mãe em nossas vidas. No entanto, é importante lembrar que a maneira como expressamos esse respeito e gratidão pode variar de acordo com as circunstâncias individuais e o tipo de relacionamento que temos com eles. O importante é cultivar um vínculo baseado no amor, respeito e compreensão mútuos.
Outro aspecto que deve ser considerado é a necessidade de pais e filhos atuarem juntos para construir um relacionamento saudável e significativo, baseado na confiança, no apoio mútuo e no amor incondicional. Isso envolve práticas de expressão e apreciação de afetos, resolução de conflitos de forma construtiva e cultivo de um ambiente familiar onde todos se sintam valorizados e respeitados; e, acima de tudo, entender que é melhor viver em paz “do que estar certo”. A vida do afetos paterno-filiais, não é uma competição. Considere também como os desafios e conflitos existentes entre pais e filhos podem ser oportunidades para crescimento e fortalecimento relacional. Em vez de evitar ou ignorar os momentos difíceis, construa conexões mais profundas onde você e seus pais podem aprender a enfrentar juntos, as situações que vão surgindo na vida em função da idade e das acontecências históricas que se nos acometem a todos. Lembre-se, com a idade, um dia você chegará lá. Como diz o ditado popular, você não pode mudar sua origem, mas pode construir um belíssimo final.
E você, gostou? Faz sentido essa reflexão? Vamos conversar sobre o tema.
Reflita em paz! Homero Reis.
Curitiba/PR, abril/2024