O fenômeno da "apatia política"​ no Brasil

O fenômeno da "apatia política" no Brasil

A par da ocorrência do fenômeno da "apatia política" no Brasil, em grande parte provocada pela ausência de uma consciência mínima de direitos e deveres inerentes à cidadania - reflexo da precariedade na implementação de uma política educacional efetiva por parte do Estado brasileiro durante décadas, existem ainda outros padrões de comportamento e de atitudes mentais distorcidas, historicamente arraigados no cerne da população brasileira.

O brasileiro, tradicionalmente, tem sido tolhido em sua capacidade de iniciativa individual, ao buscar depositar nas mãos do Estado-provedor a responsabilidade por seu êxito ou pelo próprio fracasso. Em outras palavras, tem se esperado - por grande parte da população - que o governo faça tudo, sem se compreender a conexão existente entre a política e o interesse individual.

Tem-se tolerado que o Estado aumente seu aparato burocrático, de modo a tentar atender à demanda pelo desempenho de atribuições outras que passaram a lhe ser conferidas, em razão de seu papel excessivamente tutelar, enquanto assiste-se ao desmantelamento e degradação sistemática daquelas que seriam suas funções naturais, tais como saúde, educação, segurança.

Nesse contexto, a cultura dos súditos é orientada, na hora do voto, para a escolha de representantes, num universo de escassas opções, que apresentem, em seu discurso, quase sempre soluções mirabolantes e promessas desgastadas, que, de antemão e num juízo crítico, já se concebem absolutamente irrealizáveis.

Daí decorre o sentimento inevitável de frustração e impotência, que volta a realimentar o ciclo vicioso, culminando com a chamada "apatia política" e com a reafirmação da nefasta tendência a uma passividade quase que endêmica perante o Estado.

Outra distorção grave que sobrevém na sociedade brasileira, talvez de forma mais restrita a determinados grupos de pressão, e a que diz respeito ao aludido "voto de permuta". A propósito, cabe a intervenção de Norberto Bobbio, nesse sentido, reportando-se a Alexis de Tocqueville, no "Discorso sulla rivoluzione sociale", in"Scritti Politici" (vol. I, Utet, Torino, 1969, p.271, onde este, num discurso à Câmara de Deputados (1848), já lamentava a degeneração nos costumes públicos.

Asseverava Tocqueville que: "as opiniões, os sentimentos, as ideias mais comuns são cada vez mais substituídas pelos interesses particulares". Perguntava-se "se não havia aumentado o número dos que votam por interesses pessoais e diminuído o voto de quem vota à base de uma opinião política", denunciando essa tendência coo expressão de uma "moral baixa e vulgar", segundo a qual "quem usufrui dos direitos político pensa em deles fazer uso pessoal em função do próprio interesse".

A observação alienígena encontra sua ressonância e atualidade no cenário nacional moderno, circunscrita a um conceito que, apesar de grosseiro, ainda persiste quando se trata de delinear um perfil da mentalidade do homem médio brasileiro: a celebrada e famigerada "lei de Gerson", traduzida vulgarmente como fórmula que autoriza a se "levar sempre vantagem".

No âmbito dessa atitude, predomina a visão distorcida e profundamente egoística quanto à política, que se revela por meio de uma de duas concepções:

. a primeira, por parte daqueles que não se veem em condições de ascender ao poder, traduzida por um indiferentismo inaceitável, uma "apatia" manifesta que induz total alheamento à política, já que dela não podem tirar "qualquer proveito";

. a segunda, por parte de minorias privilegiadas e grupos de interesse, direcionada exclusivamente no sentido dos benefícios e "vantagens" que o sistema político lhes poderá render. Essa concepção também revela sua exagerada dose de alienação política.

De ambas as visões, exageradamente acanhadas, não se vislumbra extrair qualquer indício ou base que venha a suportar uma real consciência quanto à cidadania, de forma que, de sua estreiteza, pode-se erroneamente depreender que o único ideal a ser perseguido por cada um, em uma sociedade, nada mais é que somente o próprio interesse privado.

A essas digressões recorreu-se para se concluir que, mediante uma política educacional efetiva, orientada para a cidadania, o indivíduo poderá cultivar os valores da real democracia e apreenderá conceitos tais que o estimulem a enxergar-se como "algo fora das asas protetoras do Estado". Em contrapartida, será possível se compreender que o reino da virtude para o bom democrata situa-se justamente naquilo que Bobbio define como "amor pela coisa pública", princípio ao qual a mesquinhez de tudo se medir pelo prisma supremo do interesse próprio deve ceder lugar.

Esperança é que nesse pleito de 2022 sejamos cidadãos, dotados de espírito cívico e conscientes ao escolhermos nossos futuros governantes, com a certeza plena de que os rumos do Brasil dependerão da escolha que fizermos, numa democracia que, infelizmente, aqui apenas engatinha.

M Cristina Neubern Prado

Agosto/2022

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