O frenesi com a lei n. 13.019/14

As entidades sem fins lucrativos, denominadas por Organizações da Sociedade Civil – OSC – pela lei mencionada no título, e os governos municipais e estaduais, estão em polvorosa em relação à aplicabilidade das novidades trazidas por tal norma, que foi publicada no Diário Oficial da União em 1º de agosto de 2014 para entrar em vigor dali a noventa dias, o que foi postergado para acontecer em trezentos e sessenta dias a partir da sua publicação por meio de lei superveniente. Se nada mudar, tal lei entrará em vigor em 27 de julho de 2015.

Creio que o êxtase se mostra exagerado, pois as regras trazidas pela lei não são tão novas para as entidades que atuam em parceria com o Poder Público. O inevitável aumento da burocracia para todas as partes envolvidas é que talvez esteja causando a azáfama. Dizem que a burocracia é o preço da segurança. Então, se é assim ...

Na verdade, a nova lei apenas positivou práticas há muito tempo adotadas e realizadas pelas entidades.

Diversas regras jurídicas foram editadas ao longo de décadas para normatizar o relacionamento entre o Poder Público [nas suas três esferas] e as OSC em relação aos seus mais diversos aspectos. A mais recente delas é justamente a lei n. 13.019/14, que não é auto-executável e carece de regulamentação por Decreto, que foi submetido a consulta pública e ainda não havia sido publicado no momento da elaboração deste artigo.

Tal lei, estruturante e de abrangência nacional, estabelece as condições basilares e o regramento para o relacionamento jurídico que envolve as entidades e o setor público, visando incrementar as parcerias firmadas entre eles.

Como a elaboração da lei teve inspiração em diversas normas e até em acórdãos do Tribunal de Contas da União, argumenta-se que ela seria forte instrumento para combater a corrupção, aliada às demais normas em vigor. Esperamos que sim!

Há quem afirme que tal lei reconheceria as entidades sem fins lucrativos como parceiras legítimas para o desenvolvimento de políticas públicas país afora e que ela seria o “marco regulatório” do relacionamento do Poder Público com as organizações da sociedade civil. Ouso discordar, pois, o reconhecimento da imprescindibilidade da parceria dos entes políticos e órgãos públicos com as entidades para que o Estado consiga cumprir suas obrigações constitucionais vem de décadas.

Além disso, várias das regras estabelecidas pela lei que passará a vigorar já são cumpridas por diversas entidades, na prática, principalmente por aquelas que receberam a qualificação de organização social por entes políticos estaduais e municipais. Aliás, as exigências contidas nesta nova lei não se aplicarão às relações jurídicas havidas entre a administração pública e as entidades qualificadas por ela como organização social [art. 3º, III].

A lei em questão nada mais fez do que positivar e reunir, num único diploma, práticas adotadas e desenvolvidas por entidades que firmaram [ou pretendam firmar] parcerias com a administração pública. Salvo entendido contrário, respeitado, não se vislumbra nenhuma novidade institucional, prática, burocrática ou mesmo legislativa que tenha o condão de fazer com que tal lei seja rotulada - e considerada - como o “marco legal” de relacionamento que já existe há décadas.

A contribuição de tal lei é válida, por óbvio, mas ela não encerra ineditismo de qualquer ordem que venha a verdadeiramente transformar, de forma impactante, a relação entre o Primeiro e o Terceiro Setores que possui pelo menos oitenta anos de casuística.

As regras estatuídas pela lei procuram fazer com que a imprescindível e inevitável parceria entre o público e as entidades privadas tenha mais eficiência e transparência, a partir da observância das normas relativas ao funcionamento, diretrizes e cuidados que ela prescreve que não ensejam inovação, mas a consolidação do já existente de forma esparsa no ordenamento jurídico, com alguns incrementos e restrições.

A restrição da utilização dos convênios com as entidades privadas e a criação dos Termos de Colaboração e de Fomento não se mostram aptos a, por si só, atrair a classificação da lei em “marco” regulatório, como sinal de demarcação de mudança entre o “antes” e o “depois” da sua edição.

Não se mostra politicamente correta a postura de não se querer a implementação ou criação de regras legais e burocráticas que visam promover a transparência do gasto do dinheiro público. É justamente essa a intenção do legislador ao editar a lei em questão. Mas as próprias fontes inspiradoras dela mostram que havia no arcabouço jurídico brasileiro normas esparsas que possuíam exatamente o mesmo objetivo. E todas válidas, vigentes e aplicáveis. Bastaria aplicá-las com eficácia.

Por isso é que o legado da lei em questão que se destaca é a consolidação das normas, o que certamente facilitará a visualização e a cobrança das regras inerentes e aplicáveis às parcerias em discussão.

Somente o tempo e a efetiva prática e utilização da lei n. 13.019/14 dirão se as suas pretendidas finalidades, tais quais a estabilidade legislativa e a segurança jurídica, a contribuição para a clareza das regras de parcerias e o preenchimento de lacunas jurídicas existentes nestas [nas parcerias], restarão atingidas por ela. Tomara que sim!

Josenir Teixeira, Advogado, Mestre em Direito

 Publicado no Conexão Saúde n. 10, jul/ago/2015, p. 15, do INDSH – Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano (escrito em 04.07.2015)

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