O garoto sem um sonho
Uma noite destas muitas, enquanto esperava ansiosamente o momento de minha partida para mais uma viagem, onde ainda restavam mais de hora para isso, decidi comer algo. Nisso se sentou um menino ao meu lado e pediu que lhe comprara algo para comer, e assim o fiz. Enquanto comíamos eu o olhava. Não parecia sem família, tinha roupas limpas, tênis em bom estado, cabelo arrumado, mas com uma tristeza no olhar que me arrepiava como a própria morte. Comecei a pensar que poderia ser de tão triste que pudesse estar assim. E que eu poderia fazer para entender e quem sabe ajudar, mas não me parecia que o mesmo desejava conversar, posto as respostas monossilábicas. Então me pus a pensar nas hipóteses, e todas elas me levaram a uma mesma conclusão, o vazio. O vazio do ser, aquele sentimento de estar no meio do espaço estelar, onde não se pode interagir com nada, por não sentir coisa alguma, mas ao mesmo tempo estar vivendo a era da pluralidade da informação, e ali estar vivo, mas sem viver nada.
Foi quando me ative a tomar um papel e caneta e comecei a fazer o que podia. Desenhar, desenhar qualquer coisa que me vinha a cabeça, as vezes grandes, pequenas, simples, complexas, definidas, indefinidas, concretas, abstratas, e assim fui gastando o caderno que tinha, folha atrás de folha. Quando, de repente, notei a atenção e mudança na fisionomia dele que já começava a esboçar diversas alterações.
Subitamente percebi que já estava quase perdendo minha viagem ao olhar o relógio, e parei de desenhar. Quando brutalmente ele me olhou nos olhos, eu juntei tudo e lhe entreguei. Saindo correndo despedindo com os olhos, vendo um esboço de sorriso se formar.
E eu segui com esta estória doida na cabeça.... O que eu fiz? Francamente? absolutamente nada de extraordinário. Mas o que mudou então naquela situação? O que aconteceu ali?
Até hoje reflito, que creio que sem intensão eu abri portas de possibilidades do pensamento dele que não haviam sido notadas existir, como se pudesse passar meus pensamentos para ele, mas sem nenhuma estrutura. Sem começo, sem nexo, sem meio ou sequer fim. Mas tudo só para ele, exclusivo, que pudesse ver, ter, tocar, combinar, mudar, destruir, escolher fazer o que quisesse. Talvez por ter sido algo que não se esperava que acontecesse, creio que aconteceu mais para meu bem, do que eu esperava para ele.
O que nos faz realmente feliz em despertar todos os dias e sair a viver? Descobri naquele momento que é o ato de estar preparado para SERVIR. É poder fazer algo que nunca fizemos um para o outro. Ou ainda melhor, um para muitos outros!!!!! que lhe trará, ou trarão, lá de dentro, algo puro, real, singelo, apaziguador, honesto, amigo, inusitado, personalizado, as vezes até ingênuo, sem preconceitos, plural, de maneira a encher aquele seu vazio do ser, e quem sabe, com a glória de despertar o viver.
Depois daquele dia descobri a real razão de eu ter escolhido a profissão que escolhi. Ou melhor, de "alguém", ter definido a mim para esta profissão , ser um designer.