O Gestor Jurídico do Século XXI

O Gestor Jurídico do Século XXI

O título é propositalmente épico. Não porque se tenha aqui a pretensão de traçar grandiosas linhas, mas sim porque é de amplas proporções a transformação que se observa na liderança de um departamento cuja própria existência já foi até mesmo questionada.

Sim, o departamento jurídico deste século sobreviveu ao movimento de aguda terceirização dos anos 1990, nascido como resposta ao inchaço das empresas, inspirado no estatismo da década anterior. Naquele tempo, tão distante, havia um exército de advogados em cada grande empresa, formavam equipes completas com as mais variadas especializações. Com a abertura do mercado brasileiro, veio o desafio da competição no mundo globalizado e o pêndulo migrou para o outro extremo: advogado é custo, custo bom é despesa operacional e, quanto mais baixo, melhor. Foi a era das empresas sem departamento jurídico ou com pouquíssimos advogados corporativos, responsáveis por coordenar dezenas de consultores externos.

No início dos anos 2000, a economia, mesmo tendo enfrentado altos e baixos, manteve-se em rota de crescimento e as corporações puderam refletir sobre o papel do departamento jurídico a longo prazo, buscando encontrar o meio-termo entre as tendências vividas de forma radical nas décadas anteriores. Se, por um lado, já não se ousava mais imaginar um jurídico populoso, por outro também restava clara a importância de se preservar o conhecimento no qual se investia como um ativo, uma ferramenta estratégica de criação de valor dentro da empresa.

Desde então, a dinâmica do departamento jurídico ficou mais complexa, mas, sem sombra de dúvida, mais interessante. Para trazer este equilíbrio entre o operacional e o estratégico, entre o custo e a geração de valor, aquela figura essencialmente técnica, de saber jurídico incontestável, se viu forçada a desenvolver a maior de suas metamorfoses profissionais: de advogado-chefe do departamento a gestor jurídico.

O advogado viu seus títulos acadêmicos de mestre, doutor e pós-doutor perderem relevância diante das certificações de Master of Business Administration. Sentiu na carne a necessidade de entender sobre orçamento, de demonstrar o retorno financeiro do seu trabalho, de construir e gerenciar uma equipe, de implantar processos e de liderar projetos. Ele teve até que aprender a inovar!

Hoje, a gestão do departamento jurídico está nas mãos de um profissional que fala muitos idiomas. Não, não se trata aqui do inglês e do espanhol – exigências quase unânimes nas posições de destaque do mercado. O gestor jurídico também fala o idioma comercial, pois é preciso conhecer o negócio de forma holística. Não importa se atua na indústria, no comércio ou na prestação de serviços, o gestor compreende que a finalidade última de seu empreendimento é trazer lucratividade e, com isso, perpetuar-se no tempo. Seu papel, neste aspecto, é rigorosamente igual ao dos demais, peça de uma engrenagem que se mantém em funcionamento apenas quando todas as partes assim permitem. Contra o isolamento, o gestor descerá aos mais profundos círculos da linha de produção, visitará os confins da intrincada logística da distribuição e fará contato com tribos por vezes hostis, como revendedores e consumidores.

Mas não se luta sozinho uma batalha tão árdua. O gestor jurídico é fluente na língua dos Recursos Humanos e, portanto, seleciona, treina e retém talentos. É uma parceria em que todos ganham: um gestor alinhado com o RH terá mais chances de ser bem-sucedido na formação de sua equipe, no desenvolvimento das carreiras de cada um e no incentivo e premiação ao bom desempenho. Acima de tudo, será capaz de pensar em seus talentos como um grupo. Para os que acreditam que remuneração é o que conta, recomenda-se ler atentamente as pesquisas de satisfação no trabalho entre as novas gerações, que cravam o ambiente como um fator-chave na escolha e permanência em uma determinada empresa. Valores como cooperativismo e liderança inspiradora se elevam. Competição interna e liderança ameaçadora declinam.

Ao consultor norte-americano W. Edwards Deming é atribuída a frase: “O que não se mede, não se gerencia.” Qualquer que tenha sido sua origem, não se discute a relevância da mensagem: criar indicadores de performance é fundamental para que se possa medir e, consequentemente, avaliar se os resultados do departamento jurídico estão alinhados aos objetivos da organização à qual ele pertence. O gestor jurídico também fala a linguagem dos administradores e, sem disfarçar um sotaque de engenheiro, cria processos, define rotinas e assim estabelece as métricas nas quais se apoiará para aferir o sucesso de sua gestão.

Ainda mais inovadora e surpreendente é a habilidade do executivo jurídico de assumir outros papéis corporativos. Poliglota na melhor acepção do termo, nele parecem cair bem “chapéus extravagantes”, como: relações com investidores, relações governamentais e compliance officer, entre outros. Mesmo quando divididas com outras áreas, essas competências, em princípio suplementares, abrem novos caminhos e já não soa estranho ouvir que o novo CEO da companhia é egresso daquele remoto lugar, tido por muitos como um castelo cercado por um enorme fosso... o departamento jurídico!

Enfim, a reação vem se mostrando à altura do desafio. A força de um executivo reside, sobretudo, na sua capacidade de adaptação, o que hoje se chama resiliência. E o gestor jurídico do século XXI sabe que a seleção natural do mundo corporativo é impiedosa com aqueles que não confirmam esse diferencial, ao mesmo tempo em que premia com a longevidade os que dele fizerem sua estratégia para o sucesso no competitivo mundo dos negócios.

Publicado na Revista HOJE do CIESP Campinas, Edição nº 106, julho/2016

Fabíola Quindici

Legal Counsel at ENGIE Brasil

7 a

Excelente artigo! A interdisciplinaridade com certeza completa o perfil do advogado do século XXI. Parabéns pelo artigo!

Daniel Gomide

Governança Corporativa, M&A, Projetos, Compliance & Privacidade | Diretor Jurídico

7 a

A interdisciplinariedade é a nova língua do profissional jurídico, esteja ele atuando em empresa ou escritório de advocacia. Parabéns pelo artigo!

Nataly Freitas

Gerente de Governança, Riscos e Compliance

7 a

Excelente artigo! Reflete os desafios e a realidade de ter foco em resultados corporativos, sem preder a essência jurídica.

Eloisa Crivellaro

Executiva Sênior da área jurídica | Compliance e Governança no CNA Idiomas | Oficial

8 a

Excelente artigo. A resiliência é a maior qualidade de um gestor jurídico.

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