O homem mais poderoso do mundo
O 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, evento que ocorre a cada 5 anos e define os membros do alto escalão do governo, pode ser visto como um marco histórico semelhante à entrada da China na Organização Mundial do Comércio em 2001. No entanto, o prognóstico derivado da conclusão do Congresso é sombrio e preocupante, bastante diferente daquilo que vimos em 2001.
Acompanhei o Congresso do Partido Chinês com muita curiosidade este ano. Afinal, era o meu primeiro evento como economista que cobre China diariamente e o “Super Bowl” da política chinesa é um dos momentos mais importantes da década, pois define quem será o presidente do Partido e sua cúpula pelos próximos 5 anos. O Congresso deste ano era especialmente importante já que marcaria a quebra na tradição estabelecida por Deng Xiaoping de limite de 2 mandatos consecutivos para a presidência, com o Xi Jinping pleiteando seu terceiro mandato ininterrupto.
Xi não só conseguiu, facilmente, sua permanência na presidência, como elegeu aliados extremamente leais para os mais altos cargos do governo e expurgou praticamente todos que poderiam exercer algum tipo de oposição. Além disso, Xi expulsou Hu Jintao, ex presidente chinês, do auditório em um ato absolutamente teatral que me fez lembrar do fatídico discurso de Saddam Hussein em 1979. O tamanho do poder alcançado por Xi é algo quase impensável no século XXI, ainda mais considerando o esforço feito por líderes reformistas chineses do passado como Deng Xiaoping, Jiang Zemin, e Hu Jintao para barrar o acúmulo de poder excessivo e evitar um novo Mao Zedong.
A referência à Mao é muito importante. Ele é o líder que venceu a guerra civil contra Chiang Kai-shek em 1949 e basicamente fundou a China que conhecemos hoje. Seu status na cultura chinesa é de semideus, incontestável e intocável. Com esse poder ilimitado, Mao foi responsável pelo “Grande Salto Adiante”, medida que buscava industrializar a China a qualquer custo, resultando em uma das maiores crises de fome da humanidade entre 1958-1961. Mao também implementou a sua Revolução Cultural em 1966 com o objetivo de erradicar traços capitalistas e burgueses da sociedade chinesa, sendo responsável por milhões de mortes. Com isso, esse tipo de poder ilimitado traumatizou gerações e, mais especificamente, Deng Xiaoping. Deng vivenciou a devastação da Grande Fome e a violência da Revolução Cultural e quando ascendeu à presidência do Partido em 1978 iniciou reformas que buscavam limitar o poder do líder do país e abrir a economia chinesa ao mundo. Desde então, os líderes chineses não eram mais hegemônicos. Eles ainda eram extremamente poderosos, claro, principalmente quando comparados à presidentes de regimes democráticos, mas longe daquilo visto na era de Mao.
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Após a conclusão do 20º Congresso do Partido Comunista, Xi é o homem mais próximo à Mao na história chinesa. E se tem algo que aprendemos sobre Xi na última década é que ele não é um líder reformista, um líder que queira continuar reformas de abertura econômica e ampliação de produtividade, reformas que ampliem os fluxos de comércio da China com o mundo, reformas que possibilitem o investimento estrangeiro e alocação eficiente de capital. Pelo contrário, Xi é um líder ideológico e cultural e ele não terá oposição dentro do Partido para implementar suas pautas de combate a corrupção (ler como combate à oposição), centralização da informação, censura, anexação de Taiwan e controle cultural, para listar apenas algumas.
Além disso, Xi comanda uma China totalmente diferente daquela de 1990. O crescimento quase exponencial que vimos nos últimos 30 anos, com o PIB per capita crescendo 3500% é algo que ficou no passado. A China agora enfrenta problemas demográficos, alocativos e produtivos sérios, resultado de anos de uso ineficiente de capital e políticas socioeconômicas mal planejadas. A concentração de poder na mão do Xi não me parece a solução para estes problemas, ainda mais considerando que grande parte de suas medidas econômicas nos últimos anos passaram por um prisma ideológico que as tornaram pouco eficazes.
Por fim, considerando o tamanho da economia e da população chinesa, essa mudança estrutural na balança de poder dentro do Partido Comunista pode ser monumental e ter desdobramentos extremamente relevantes para as relações geopolíticas contemporâneas. O mundo agora está à mercê da decisão de um homem. Este homem, diferente de Putin, diferente de Mao, comanda a segunda maior economia do mundo. Cada decisão que ele tomar impactará a vida de bilhões de pessoas. Se formos nos pautar pela história, a esmagadora maioria de homens não souberam lidar com essa quantidade de poder. Acho pouco provável que o Xi seja diferente. Só o tempo dirá.
Partner at Apex Capital | Berkeley MBA
2 aExcelente análise João!
M&A Analyst | Analytical Skills, Economics
2 aParabéns!
Associate na Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown
2 a👏
Real Estate at Blueteck
2 aTema importante que poucos se aprofundam. Parabéns pelo texto!
Advogado na Coletta Rodrigues Advogados
2 aÓtima análise!