O Imposto Seletivo sobre os bens minerais à luz do texto da regulamentação da Reforma Tributária aprovada pela Câmara dos Deputados
A Emenda Constitucional nº 123, promulgada em 20 de dezembro de 2023, instituiu o novo sistema tributário nacional. Caracterizada pela simplificação da tributação, a Reforma Tributária prevê a extinção do ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins e cria o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) Dual, composto por dois impostos sobre o consumo: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) no âmbito federal e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência dos estados, municípios e Distrito Federal.
Além dessas alterações, a recente Reforma Tributária conferiu à União, por meio do acréscimo do inciso VIII ao art. 153 da Constituição Federal, a competência para instituir um novo tributo, não previsto no sistema anterior: o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços nocivos à saúde ou ao meio ambiente, com o objetivo de desestimular o seu consumo, e deverá ser regulamentado por meio de lei complementar.
Segundo a Constituição Federal, o Imposto Seletivo incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço; não integrará sua própria base de cálculo, mas integrará a do IBS e da CBS; poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos e terá suas alíquotas fixadas por lei ordinária. Na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação, e sua alíquota máxima será de 1% (um por cento) do valor de mercado do produto.
O chamado “imposto do pecado”, como se tornou conhecido, é inspirado na diretiva 92/83 da União Europeia, editada para orientar e uniformizar a aplicação de tributos a bebidas alcoólicas nos Estados-membros, e não possui função arrecadatória. Seu caráter é regulatório, uma vez que pretende desestimular o consumo dos produtos sobre os quais incide. Ademais, o Imposto Seletivo deverá substituir parte da arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Até o momento, foram apresentados dois Projetos de Lei Complementar para regulamentar o imposto seletivo. O primeiro, PLP 29/2024, foi apresentado pelos Deputados Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL/SP), General Girão (PL/RN), Evair Vieira de Melo (PP/ES), Rosângela Moro (UNIÃO/SP) e Dr. Luiz Ovando (PP/MS); e o segundo, PLP 68/2024, foi enviado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo e se tornou o projeto principal.
O Presidente da Câmara dos Deputados , Dep. Arthur Lira (PP/AL), criou dois Grupos de Trabalho sobre a regulamentação da Reforma Tributária na Casa. Um é destinado a tratar do Comitê Gestor e da Receita do IBS (assuntos constantes do PLP 108/2024, também apresentado pelo Poder Executivo), e o outro para o IBS, a CBS e o Imposto Seletivo, regulamentados pelo mencionado PLP 68/2024.
Em 10/07/2024, após a realização de audiências públicas e reuniões técnicas, o respectivo projeto foi votado e aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, na forma do substitutivo apresentado pelo relator e integrante do Grupo de Trabalho, Dep. Reginaldo Lopes (PT/MG). Foram acatadas algumas emendas e rejeitadas outras, e assim o projeto seguiu para apreciação do Senado Federal , na qualidade de Casa Revisora.
Com relação ao imposto seletivo, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados prevê que serão tributados os seguintes produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente: veículos, embarcações, aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcóolicas, bebidas açucaradas, bens minerais e concursos de prognósticos e fantasy sport. A especificação das categorias consta nos anexos do texto.
O Anexo XVII detalha quais serão os bens minerais tributados pelo seletivo, utilizando, para isso, os códigos estabelecidos pelo Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX)[1], a saber:
Ao longo das realizações das audiências públicas, muito se discutiu a respeito da tributação dos bens minerais. Foram ouvidos representantes de diversos setores, que argumentaram no sentido de que, ao contrário do que propõe o imposto seletivo, o consumo e a produção dos bens minerais não deveriam ser desestimulados, uma vez que o setor produz altos rendimentos, empregos e atrai investimentos para o país. Logo, onerá-lo com mais um tributo promoveria o que se chama de “fuga de investidores”.
Outro argumento utilizado pelos representantes do setor de bens minerais foi o de que a incidência do neotributo encareceria sobremaneira as operações, o que causaria reflexo em toda a cadeia de produção e afetaria inclusive o consumidor final, uma vez que o custo extra naturalmente seria repassado.
No entanto, a despeito de tais justificativas e de todas as exposições do setor nas audiências públicas no sentido de demonstrar o quão alto seria o impacto dessa incidência do imposto seletivo na economia do país, o legislador optou por inclui-los ao rol de tributáveis.
O texto aprovado pela Câmara possui alguns pontos relevantes e que merecem destaque com relação à tributação dos bens minerais.
O primeiro é sobre a própria nomenclatura. Inicialmente, o projeto apresentado pelo Governo previa que o seletivo incidiria sobre os bens minerais extraídos. Contudo, o texto aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados em 10/07 retirou o termo “extraídos” e deixou apenas “bens minerais”. Com isso, os produtos importados também passaram a ser contemplados.
O segundo ponto se refere à alíquota. O projeto, em consonância com o texto constitucional (art. 153, §6º, VI [2]), estabelece que esta deverá ser fixada por meio de lei ordinária. Já o art. 419, §2º [3] do texto aprovado pela Câmara definiu um máximo de 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento) para as operações com bens minerais. Cabe ressaltar que esse valor é inferior ao previsto originariamente no PLP 68/2024, que era de 1% (um por cento).
Um outro dispositivo que deve ser ressaltado é o art. 420 [4] do texto aprovado, o qual prevê alíquota zero de IS para o gás natural destinado à utilização como insumo em processo industrial, ainda que importado (art. 434) [5]. Essa disposição já constava do texto original e foi mantida.
O último ponto de destaque, e que tem gerado grandes controvérsias, é sobre a aprovação da incidência do IS sobre as exportações de bens minerais. O setor, de maneira geral, defende que as exportações deveriam ser isentas da tributação pelo seletivo, para que a competitividade do Brasil no mercado global não seja afetada. Alegam, ainda, que tal tributação seria inconstitucional.
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A alegada inconstitucionalidade se baseia na ideia de que o §6º, inciso I, do art. 153, introduzido pela EC nº 132/2023, isenta o IS de incidir sobre exportações e operações com energia elétrica e telecomunicações. Já o inciso VII do mesmo dispositivo estipula que, na extração de minerais, o imposto será cobrado “independentemente da destinação”. A questão central é se essa expressão poderia ou não ser interpretada como uma exceção à isenção do seletivo para as exportações.
Nesse sentido, duas interpretações são possíveis: uma que autoriza a cobrança do IS sobre exportações de produtos extraídos, e outra que segue o art. 152 da Constituição, [6] que proíbe discriminações tributárias baseadas na origem ou destino dos bens e serviços.
A primeira seria conflitante com tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como o GATT e o Acordo de Marrakesh, que estabelecem a tributação de impostos sobre o consumo no país de destino, e não no de origem, e a neutralidade tributária no comércio internacional.
Destaque-se que a neutralidade tributária é estabelecida pela Constituição Federal em seus arts. 146-A, 150, II, e 170, IV. Tal princípio, junto ao do país de destino, garantem que a tributação não prejudique o comércio internacional, alinhando-se às normas internacionais para evitar discriminação contra exportadores. Logo, fundamentariam a isenção de impostos sobre exportações.
Portanto, entende-se que deveria ser adotada a interpretação que respeite a Constituição e os compromissos internacionais. Para considerar a cobrança do imposto sobre exportações, o texto constitucional precisaria ser mais explícito, demonstrando a intenção do legislador nesse sentido. Assim, a interpretação que isenta os bens minerais exportados da tributação pelo IS seria a mais adequada.
O PLP 68/2024, contudo, ainda percorrerá um longo caminho até se tornar norma jurídica. Após aprovação pelo Plenário da Câmara dos Deputados, a matéria foi encaminhada ao Senado Federal – Casa Revisora, onde será apreciada conforme determinam os trâmites regimentais e constitucionais. Havendo alterações, retornará à Câmara – Casa Iniciadora – para análise das modificações.
Nesse curso, podem ocorrer mudanças em diversos aspectos do texto. O plano divulgado pelo Senado Federal é o de que a matéria seja votada neste segundo semestre de 2024. Desse modo, em breve, a escolha dos legisladores com relação aos pontos aqui destacados será conhecida.
Renata Assunção Bianchini , advogada, graduada pelo UniCEUB, pós-graduada em Direito Constitucional pelo IDP. Possui experiência de atuação em Tribunais Superiores, em especial nas áreas de Direito Eleitoral, Constitucional e Administrativo. Ocupou o cargo de Secretária Especial de Assuntos Federativos substituta e de assessora parlamentar da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Presidência da República. Possui experiência na atuação perante o Congresso, tendo trabalhado como assessora parlamentar na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
REFERÊNCIAS
[2] § 6º O imposto previsto no inciso VIII do caput deste artigo: (…) VI – terá suas alíquotas fixadas em lei ordinária, podendo ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem; (…)
[3] Art. 419. (…) § 2º As alíquotas do Imposto Seletivo estabelecidas nas operações com bens minerais extraídos respeitarão o percentual máximo de 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento).
[4] Art. 420. Caso o gás natural seja destinado à utilização como insumo em processo industrial, a alíquota estabelecida na forma do § 2º do art. 419 fica reduzida a zero.
[5] Art. 434. Caso o gás natural importado seja destinado à utilização como insumo em processo industrial, a alíquota aplicável na importação, estabelecida nos termos do § 2º do art. 419, fica reduzida a zero.
[6] Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.